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4 O ENSINO MÉDIO NO CONTEXTO DA REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS E

4.7 Da aliança para reeleição à deposição

Quando se iniciou o segundo mandato de Dilma Rousseff, em 2015, em tese, a coligação que a elegeu ainda constituía a maioria da base parlamentar que dava sustentação ao governo recém-eleito. Porém, foi esse mesmo parlamento que aprovou o seu impeachment, pouco mais de um ano após sua posse para esse segundo mandato. Assim, precisamos visualizar como era a composição do Congresso Nacional no ano de 2015.

A coligação de Dilma foi composta por seu partido, PT, e os aliados: PMDB, PSD, PP, PR, PRB, PDT, PROS e PCdoB. Na câmara dos deputados, a coligação atingiu 304 das 513 cadeiras: PT (70), PMDB (66), PSD (37), PP (36), PR (34), PRB (21), PDT (19), PROS (11) e

PCdoB (10). No Senado, houve eleições para 27 cadeiras e a coligação da presidenta manteve maioria, 53 de 81: PMDB (19), PT (12), PP (5), PR (4), PSD (3), PRB (1), PDT (8), PROS (1) e PCdoB (1). (D'AGOSTINO, 2014; EBC, 2015; REIS et al., 2014; YAZBEK, 2014).

A presidência da câmara dos deputados ficou com Eduardo Cunha e do Senado com Renan Calheiros, ambos do PMDB. Com essa “vitória”, e observando esses números, poder- se-ia pensar que o governo teria tranquilidade para governar, aprovar projetos e colocar adiante os programas e tentativas de soluções de problemas que viessem a surgir (ou aqueles que já estavam em curso). No entanto, não foi isso o que aconteceu. Ao contrário, a eleita praticamente não governou durante o seu curto segundo mandato. Muito disso se deu por conta de uma oposição liderada pelo candidato derrotado em segundo turno (por uma margem ínfima), Aécio Neves (PSDB). Porém, ele sozinho não conseguiria fazer frente, haja vista a composição do Congresso. Foi preciso também apoio da mídia, de grupos sociais financiados por associações internacionais, a exemplo do Movimento Brasil Livre (MBL), e de toda uma conjuntura neoliberal que exigia um retorno ao alinhamento total.

Após 2013, Dilma já vinha enfraquecida, devido a uma grande onda de insatisfações que motivou protestos intensos por todo o país, mas, apesar disso, ela conseguiu se eleger. A direita neoliberal não esperava a derrota e, portanto, era preciso outro caminho para alcançar o poder, visto que pelas vias eleitorais a população ainda não estava convencida de que um novo projeto alinhado ao mercado era o que ela precisava.

Havia fortes sinais de uma mudança de rumo e isso pôde ser percebido, inclusive na nova composição do Congresso que, apesar de maioria da coligação vencedora, alguns partidos considerados de “esquerda” tiveram perdas significativas. O partido da presidenta, por exemplo, perdeu mais de 20% das cadeiras na câmara dos deputados, o PDT, 32,14% e o PCdoB, também 33,33% (YAZBEK, 2014).

A aliança “conciliadora” proporcionou quatro vitórias consecutivas para o PT na presidência, e também fez com que, em momentos de prosperidade no capitalismo global, fosse possível realizar as ações sociais que não rompiam com o caráter neoliberal do governo. Porém, a fragilidade da presidenta ficou evidenciada a partir de 2015, quando se iniciou uma intensificação da crise no país e aqueles que sustentavam a conciliação por um tempo passaram a reivindicar exclusividade dos benefícios, visto que já não era mais possível agradar a todos.

O congresso era absolutamente contraditório e volátil em questão de apoio ao governo, visto que a base aliada era composta mais por partidos de centro e centro-direita do que

propriamente de centro-esquerda ou esquerda. Dessa forma, não era de se surpreender que ocorresse uma rápida mudança na base de apoio, caso a conjuntura exigisse, e foi exatamente o que aconteceu.

A lei nº 1079/1950 (BRASIL, 1950) regulamenta os processos de impedimento do exercício do cargo do âmbito federal, que podem ocorrer quando determinado ente público, não só o presidente, mas também ministros do Estado ou do STF e o Procurador Geral da República, comete um “crime de responsabilidade”, dentre os possíveis que estão listados na mesma lei.

O processo aberto contra Dilma, aceito pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), mesmo partido do vice-presidente, teve como justificativa jurídica o não cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Portanto, um crime de responsabilidade contra a Lei Orçamentária, segundo os defensores do processo, pois a mesma realizou operações fiscais indevidas, que ficaram conhecidas como “pedaladas fiscais”.

Registre-se que, segundo os defensores de Dilma, os procedimentos utilizados por Dilma já haviam sido realizados por todos os Presidentes da República após a redemocratização.

Para o processo ser concluído com a deposição da presidenta, era necessário que a Câmara prosseguisse com a denúncia, aprovando-a em maioria absoluta, ou seja, dois terços dos votos dos 513 deputados (342). Um número que, visto que a coligação vencedora obteve a maioria das cadeiras, poderia se imaginar impossível de ser alcançado. De outra parte, para que se chegue ao final, no Senado, é também preciso a mesma proporção de votos, 57 dos 81 senadores, e esse resultado foi alcançado.

Todo o processo foi acompanhado e chancelado pelo judiciário brasileiro, seguiu todos os trâmites legais e, ao menos para institucionalidade, nenhuma etapa feriu a Constituição e a lei do Impeachment. Porém, para muitos juristas a Presidenta não cometeu um crime de responsabilidade e para a oposição, esse verniz de legalidade apenas serviu para encobrir um golpe com pretensões políticas bem claras, como demonstra Saviani (2018, p. 29- 30):

A caracterização da destituição de Dilma Rousseff, presidenta reeleita, como um golpe, decorre do fato de que não foi cumprida a exigência constitucional da existência de crime de responsabilidade, único motivo legal que justifica o impeachment. Obviamente, os autores desse ato sempre negaram a existência do golpe argumentando que seguiram todo o ritual previsto, inclusive com a chancela do Supremo Tribunal Federal que presidiu a sessão do Senado que consumou o impeachment, conforme previsto na Constituição. Ocorre que o STF lavou as mãos, sugerindo que a decisão cabe ao Senado Federal, órgão do Poder Legislativo que é

autônomo, não cabendo ao Judiciário interferir. Nesse caso, a pergunta inevitável é: se a decisão compete ao Poder Legislativo, no uso de sua autonomia, não cabendo ao Judiciário interferir, por que, então, a Constituição determinou que a Sessão do Senado fosse presidida pelo Presidente do STF? Em se tratando de competência exclusiva do Poder Legislativo, caberia, simplesmente, ao Presidente do Senado presidir a sessão, assegurando, na forma do Regimento da Casa, a decisão dos senadores. Sendo o Presidente do STF a presidir a sessão, isso indica, obviamente, que, ao enfeixar nas mãos do dirigente máximo do Poder Judiciário a condução da sessão, o que se pretendia era assegurar que a decisão se desse rigorosamente dentro do disposto na Constituição. E o papel do Presidente do órgão guardião da Constituição, investido da função de presidir a sessão, não tinha outro sentido senão garantir que a decisão não se desvirtuasse em razão dos interesses político- partidários, mesmos legítimos, que se fazem presentes no Parlamento.

O autor possui outras razões para defender sua posição.

Agora, porém, após a autocrítica de Tasso Jereissati, tucano de alta plumagem, ex- presidente do PSDB, se ainda houvesse alguma dúvida quanto à existência do golpe, foi inteiramente dissipada. Em entrevista ao Jornal “O Estado de São Paulo” no dia 13 de setembro de 2018, o senador Tasso Jereissati que, além de ex-presidente do PSDB é presidente do Instituto Teotônio Vilela, que é o órgão de formação política do partido, confessou que o PSDB “cometeu um conjunto de erros memoráveis”. O primeiro foi, já no dia seguinte à eleição, contestar o resultado eleitoral. Disse ele que essa decisão contrariava a história e o perfil do partido que se pautava pelo respeito às instituições e à democracia reconhecendo que tal contestação foi um atentado contra a democracia. O segundo erro foi votar contra os princípios do próprio partido, de modo especial na economia, só para ser contra o PT. Reconheceu, assim, o boicote ferrenho que os parlamentares fizeram ao governo de Dilma com as pautas bomba provocando o caos e inviabilizando o governo para provocar sua queda. E o terceiro, que Jereissati classifica como o “grande erro” foi entrar no governo Temer. Fica, pois, caracterizado o golpe na avaliação de um dos principais dirigentes do principal partido de sustentação do governo ilegítimo, antipopular e antinacional instalado com o afastamento da presidenta reeleita e a consequente posse de Michel Temer na presidência da República. (SAVIANI, 2018, p. 30).

Com efeito, de acordo com o que vimos até então, esse impeachment não aconteceria se não fosse pela vontade política dos atores hegemônicos. Enquanto a conciliação estava trazendo frutos para ambos os lados, ela permaneceu sustentada. Quando a crise do capitalismo começou a cobrar a conta da periferia, não foi mais possível que a situação se mantivesse.

Assim, pôde-se verificar ao longo da seção que o crescimento da ideologia neoliberal trouxe profundas alterações na forma de organização das políticas desde a década de 1990. Ainda que associada a um projeto que parecia se distanciar daquilo que se consolidava como a regra do Estado brasileiro, ela se manteve presente também ao longo dos anos, sob os governos do Partido dos Trabalhadores. Por todo esse período abordado, o ensino médio passou por expansão e alterações de legislação e regulamentação, mas também por um acúmulo de problemas que passaram a ser alvo de preocupação e objeto de pretendidas

reformas, como verificado na lei 6840 de 2013. A conjuntura política e econômica, interna e externa, levou à derrocada do governo petista e ascendem-se novamente, de maneira mais pura, as políticas neoliberais, com a alteração da cadeira presidencial para o ex-vice- presidente Michel Temer (PMDB). Dessa forma, na próxima e última seção deste trabalho, explicita-se a retomada de uma agenda voltada a atender os interesses do capital e como isso impactou diretamente o ensino médio brasileiro.