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4 O ENSINO MÉDIO NO CONTEXTO DA REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS E

4.2 A Constituição de 1988

Os debates políticos e a ânsia da população por participação foram intensos, visto que esses debates e essa participação haviam sido, por mais de duas décadas, tolhidos. Nesse sentido, é preciso reconhecer que a Constituição de 1988 resultou, em boa medida, de um amplo debate em diferentes setores da sociedade brasileira. Nesse sentido, um dos destaques importantes do processo constituinte residia no fato de serem aceitas propostas emendas populares, quando essas propostas recebessem apoio de mais de 30 mil assinaturas. Foram recebidas, ao longo da constituinte, 122 emendas populares no total, somando um total de mais de 12 milhões de assinaturas.

8 Ao longo de todo o período ditatorial, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) fez a oposição ao regime militar no âmbito do Congresso Nacional, ao tempo em que a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi a agremiação de caráter partidário que deu sustentação ao regime militar. José Sarney foi membro da ARENA até o início dos anos de 1980. Porém, no processo de reorganização partidária, alguns membros da ARENA fundaram o Partido Liberal, que mais tarde veio a ter seu nome alterado para Partido da Frente Liberal (PFL). Sarney era uma das principais lideranças dessa nova agremiação partidária que se aliou ao PMDB no processo de sucessão de João Figueiredo.

Para Sallum Jr. (1999), a Constituição de 1988 foi uma derrota para um setor empresarial que já ansiava pelo liberalismo em detrimento do modelo desenvolvimentista, que se compreende por “Era Vargas”, visto que

as organizações empresariais não conseguiram converter seu crescimento sociopolítico em força político-institucional. Foram derrotadas no Congresso Constituinte com a ampliação das limitações ao capital estrangeiro, com o aumento do controle estatal sobre o mercado em geral e com a multiplicação dos mecanismos de proteção social aos funcionários, trabalhadores, aposentados e assim por diante. De fato, apesar de decadente, o modelo nacional-desenvolvimentista – é verdade que permeado por conquistas democratizantes – foi juridicamente consolidado através da Constituição de 1988. Criou-se uma carapaça legal rígida, aparentemente poderosa, que assegurava a preservação das velhas formas de articulação entre Estado e mercado no exato momento em que o processo de transnacionalização e a ideologia neoliberal estavam para ganhar, de fato, uma dimensão mundial com o colapso dos socialismos de Estado, cujo eixo era a União Soviética.

A constitucionalização parcial da “era Vargas” deu-lhe uma sobrevida, em meio à mudança na correlação de forças econômicas e sociais no plano nacional e internacional. Mas fez da Constituição de 1988 um alvo de ataque de médio e longo prazo das elites empresariais e de seus porta-vozes intelectuais e políticos e, inversamente, trincheira de defesa das organizações operárias, de funcionários públicos, de empregados das empresas do Estado e da classe média assalariada, especialmente da ligada aos serviços públicos. (SALLUM JR., 1999, p. 27).

Especificamente no campo da educação, dentre as emendas populares apresentadas, destaque para a proposta de emenda enviada pelo Fórum Nacional da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito, que elaborou um documento em evento em 1986 – a Conferência Brasileira de Educação, realizada na cidade do Goiânia – e na qual foi formulada a denominada Carta de Goiânia. (CUNHA, 1991).

Na verdade, os temas concernentes à educação passaram por intensos confrontos de interesses, assim como já ocorrera em outros momentos da trajetória histórica brasileira. Como sintetiza Ghiraldelli Jr. (2009, p. 169), apresentando o resultado disso expresso na Carta:

A democratização do país, a partir de 1985, implicou na eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte. Um novo Parlamento deveria fazer a nova Carta Magna, colocando de lado a Constituição imposta ao Brasil, e tantas vezes emendada autoritariamente de modo a servir a interesses momentâneos, pelos generais presidentes. E assim aconteceu. O nosso país ganhou uma nova Constituição em 1988 – mais generosa quanto a direitos sociais, se comparada com as anteriores. Durante o processo de elaboração da nova Constituição, em todos os setores, houve debates, pressões, movimentos populares, movimentos de bastidores das elites, grupos corporativos etc., para verem seus interesses defendidos na Carga Magna. O campo da educação também foi arena de disputa desses interesses variados. Na Carga Magna de 1988, a Educação não veio contemplada apenas no seu local próprio, no tópico específico destinado a ela, mas apareceu também espalhada em outros tópicos. Assim, no título obre direito e garantias fundamentais, a Educação apareceu como um direito social, junto da saúde, do trabalho, do lazer, da segurança,

da previdência social, da proteção à maternidade e à infância, da assistência aos desamparados (artigo 6º). Também no capítulo sobre a família, a criança, o adolescente e o idoso, a Educação foi incluída. A Constituição determinou ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à Educação como uma prioridade em relação a outros direitos.

Havia grande preocupação quanto à questão da obrigatoriedade e gratuidade, bem como a destinação de verbas para instituições privadas. Isso levava em consideração a extensão da obrigatoriedade do ensino para o nível médio, e também a possibilidade de concessão de bolsas em escolas privadas para alcançar esse objetivo. (CUNHA, 1991). Ao final do processo, além da definição de aspectos considerados fundamentais para a organização da educação brasileira no texto constitucional, o que se teve foi a determinação de que deveria ser elaborada uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Dentro os aspectos definidos na Constituição de 1988, ficou fixado que o ensino fundamental, de oito anos de duração, permanecia obrigatório, mas que deveria haver “progressiva extensão da obrigatoriedade e da gratuidade ao ensino médio” (BRASIL, 1988, s/p).

Para Kuenzer (1997, p. 26), isso pode ser considerado um avanço, pois

embora não tivessem conseguido assegurar a exclusividade do uso dos recursos públicos para as escolas públicas como defendiam os progressistas, foram suficientes, pelo menos, para conseguir a garantia de uma concepção de Estado responsável pelo financiamento da educação em todos os níveis [...].

O ensino médio passaria progressivamente a ser considerado obrigatório, portanto, dever do Estado, o que acabou por refletir em uma ampliação do número de vagas ao longo dos anos que se seguiram. (CURY, 2008; MOEHLECKE, 2012).

Em análise após 30 anos da promulgação da Carta Constitucional de 1988, Martins (2018, p. 841) avalia que os avanços alcançados nesse período se devem muito ao texto dessa Carta:

A Constituição de 1988 é a matriz dos avanços sociais nas três últimas décadas e, especificamente, da garantia do direito à educação e do estabelecimento das bases para seu financiamento com a manutenção da regra e do princípio da vinculação constitucional à manutenção e ao desenvolvimento do ensino (MDE) e a continuidade do salário-educação. As emendas constitucionais que alteraram esse capítulo ou introduziram temas a ele relacionados no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) — Emenda 11 (admissão de profissionais estrangeiros nas universidades), Emenda 14 (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério — FUNDEF) e Emenda 53 (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica — FUNDEB), mantiveram o espírito da Carta de 1988.

Os debates que antecederam a Constituição e que perduraram até a promulgação da LDB em 1996 foram polarizados entre duas visões, como aponta Nosella (2011, p. 1056),

de um lado (neoliberal), procura-se requalificar a tradicional escola propedêutica, reforçar a meritocracia e reencontrar a identidade própria do ensino técnico, retirando de seu currículo as disciplinas de conteúdo geral. De outro lado (popular), levantou-se a bandeira da politécnica, densa de significação, embora politicamente inadequada, pela sua ambiguidade semântica e conceitual.

O avanço liberal que se desenhava se materializou na figura do primeiro presidente eleito diretamente pelo povo ao final da Nova República, em 1989.