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Alimentação escolar no mundo e a visão do World Food Programme (WFP)

AGROALIMENTAR VIA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR 183 5.1 O PAPEL DA EXTENSÃO RURAL NA CONSTRUÇÃO DO PNAE

2.3 OS PAES COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA NO SISTEMA

2.3.1 Alimentação escolar no mundo e a visão do World Food Programme (WFP)

A alimentação escolar de países em desenvolvimento tem sido altamente dependente de projetos executados por organizações de ajuda internacional, sendo a maior delas, os projetos desenvolvidos pelo WFP (World Food Programme), que providenciam alimentação escolar gratuita, assim como incentivam as crianças de famílias pobres a irem à escola (MORGAN, 2010). No texto a seguir será abordada a atual política de PAEs defendida pelo WFP, entidade que reformulou sua política de apoio à alimentação escolar a partir de 2009. As experiências bem sucedidas de PAEs, como na Itália, Roma e Brasil, constantemente citados nos documentos desse programa; as contribuições teóricas de autores como Morgan e Sonnino, que analisam e propõem os PAEs como porta de entrada para o desenvolvimento de sistemas agroalimentares alternativos; o avanço da discussão da narrativa alternativa dos alimentos; e os problemas de saúde causados pela alimentação industrial; todas essas questões parecem ter influenciado a mudança da política do WFP.

O WFP é a maior agência humanitária de combate à fome no mundo, faz parte do sistema das Nações Unidas e é financiado voluntariamente por governos (que são a principal fonte de financiamento do programa), empresas e indivíduos. Foi fundado em 1961 e tem por objetivo realizar ou apoiar ações que busquem reduzir a fome crônica e a desnutrição em todos os lugares (WFP, 2013a). O WFP persegue uma visão de mundo em que, cada homem, mulher e criança, todos, tenham acesso em todos os momentos aos alimentos necessários para uma vida ativa e saudável. O WFP trabalha e compartilha a mesma visão com as agências irmãs da ONU FAO (Food and Agriculture Organization) e IFAD (International Fund for

Agricultural Development), bem como outros governos, ONU e ONGs parceiras (Ibidem).

com assistência alimentar em 80 países a cada ano, sendo que cerca de 12 mil pessoas trabalham para a organização, a maioria deles em áreas remotas (WFP, 2013a).

Segundo levantamento do WFP (2013b), a alimentação escolar está presente em quase todos os países do mundo, o que não significa que todos os programas têm sido eficientes. Como base numa amostra de 169 países, estima-se que, pelo menos 368 milhões de crianças ou adolescentes, são alimentados diariamente, quando estão na escola. O investimento anual situa-se na faixa de 47 a 75 bilhões de dólares. Esses números ilustram o reconhecimento quase universal da importância da alimentação escolar (WFP, 2013b).

Em 2009, o WFP com a colaboração da PCD (Partnership for Child Development), publicou uma análise chamada “Repensando a Alimentação Escolar”, realizada para ajudar a compreender melhor a crescente demanda dos países para programas de alimentação escolar que havia sido provocada pelas crises de comida, combustível e financeira de 2008 (WFP, 2013b). Os resultados do relatório “Repensando a Alimentação Escolar” levaram o WFP a desenvolver uma abordagem diferente para trabalhar a alimentação escolar, o que resultou em uma nova política sobre o assunto e uma maneira distinta de trabalhar com governos e parceiros. A principal mudança do foco foi sair da ação do fornecimento de alimentos, diretamente para famílias vulneráveis, para a ação de organização de uma assistência alimentar, em que uma gama de modalidades de apoio às nações, comunidades e famílias é fomentada para aumentar a segurança alimentar e nutricional de pessoas em vulnerabilidade (WFP, 2013b).

Percebe-se que, nesse momento, o programa começa a se preocupar com a formulação de uma política de alimentação que não seja meramente assistencialista e distributiva de alimentos, como até então vinha sendo a abordagem. Morgan (2010) aponta essa mudança, da forma de pensar do WFP, como um importante avanço para os programas de alimentação escolar. Essa modificação do foco do WFP é uma possibilidade dos países receberem estímulos para implantar programas diferenciados e construir estratégias locais de desenvolvimento, em vez de ficarem dependentes da ajuda externa. Porém, esse novo olhar da política dos PAEs enfrenta obstáculos construídos pelo modelo assistencialista, pois, embora o WFP prefira a ajuda em dinheiro à doação de comidas, há países doadores que preferem comprar os alimentos localmente e doar, como é o caso dos Estados Unidos da América (EUA), pois, dessa forma, promovem as agriculturas internas (MORGAN, 2010). A Figura 2 mostra a abrangência dos programas do WFP em 2013 e os principais doadores, os quais se destacam os Estados Unidos da América e o Canadá.

Figura 2 – Abrangência dos programas do WFP e principais doadores.

Fonte: WFP, 2014.

A influência das discussões circunscritas na Narrativa Alternativa dos Alimentos parece induzir essa mudança na política, pois o WFP reconhece, no documento “Repensando a Alimentação Escolar”, o papel de desenvolvimento intrínseco das políticas locais de alimentação, no qual se beneficiam escolares, agricultura endógena e as próprias comunidades. A aquisição local e a ligação com a agricultura familiar (AF) também é vista como um compromisso para melhorar a qualidade dos alimentos (WFP, 2013b), visto que, dessa forma, alimentos frescos, de acordo com os hábitos alimentares locais, podem ser ofertados aos escolares. No entanto, mesmo com a mudança de foco na política do WFP, o programa auxiliou os governos no desenvolvimento e na gestão dos seus próprios PAEs apenas em sete países no ano de 2013. Porém, mais de 20 países que recebem ajuda do programa contam com programas de alimentação escolar baseados na produção local (WFP,

2014). A ação nos outros países continuou sendo a doação de alimentos ou transferência de renda ou de cupons para serem trocados por alimentos.

O objetivo da WFP de apoiar a criação e a implementação de sistemas sustentáveis de alimentação escolar, os quais estabeleçam diálogo com as agriculturas locais, além de promover o debate da importância da construção de políticas internas coesas e fortes nos países, capazes de se perpetuarem ao longo do tempo, muda o foco histórico de atuação do programa. Parte-se do pressuposto que os PAEs vão além do alimento fornecido às crianças, fator fundamental quando se discute a importância de tais programas. Eles servem como porta de entrada para a discussão de sistemas agroalimentares diferenciados, que tenham como foco o desenvolvimento local, sendo, portanto, mais aterrados do ponto de vista social, econômico e cultural.

Com a nova política, o WFP busca se afastar da abordagem baseada em projetos a fim de construir uma visão mais sustentável em longo prazo para a alimentação escolar, isso inclui uma ênfase na capacidade dos governos em fazer programas mais consistentes e contínuos. A política estabelecida pelo WFP possui tempo limite de apoio aos governos, com o objetivo de eliminar, em logo prazo, progressivamente o mesmo37, deixando para trás programas sustentáveis e economias nacionais de alimentação escolar embutidos no âmbito de políticas e estruturas nacionais mais amplas (Ibidem). No período de 2000 a 2014, quatorze programas de alimentação escolar gestionados pelo WFP passaram a ser geridos pelos governos dos países (WFP, 2014).

De acordo com o WFP (2013b), as refeições na escola ajudam a manter as crianças em sala de aula e a garantir a continuidade delas no estudo, sendo, dessa forma, um poderoso apoio para alcançar os objetivos educacionais. Para o programa, a refeição escolar é um investimento no futuro das crianças e assegura que as mesmas aproveitem as oportunidades de aprendizagem. Todavia, com a mudança da concepção política no programa, a alimentação escolar não encerra seus ganhos na segurança alimentar e garantia de aprendizagem das crianças, uma vez que pode também atuar como um catalisador para o desenvolvimento devido a duas questões: funciona como redes de segurança para ajudar as famílias e comunidades vulneráveis a resistir a crises econômicas, ambientais, conflitos armados ou sociais; pode ajudar a aumentar a renda dos pequenos agricultores e impulsionar as economias

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De uma perspectiva global, a assistência externa ao desenvolvimento é um contribuinte menor de custos globais de alimentação escolar, representando menos de dois por cento do total. No entanto, enquanto os programas em países de alta e média renda são quase exclusivamente financiados por receitas internas, os programas em países de baixa renda contam com o apoio dos doadores, sendo que, nesses, as fontes externas de financiamento cobrem cerca de oitenta e três por cento das necessidades dos programas (WFP, 2013b).

rurais, quando ligadas à produção agrícola local. Essas questões dialogam diretamente com o que aponta Morgan (2004) quando discute sobre o potencial da alimentação escolar em atingir múltiplos dividendos: uma população com menos problemas de saúde; menores custos ambientais; o desenvolvimento de sistemas sustentáveis de produção e o desenvolvimento econômico rural, pois inclui pequenos agricultores e incentiva o desenvolvimento de atividades voltadas para esse mercado.

O documento “Home-grown school feeding: o framework to link school feeding with

local agricultural production”, publicado em 2009 pela WFP, estabelece os marcos da

política Home-grown school feeding (HGSF) 38, os quais buscam aliar Programas de Alimentação Escolar com alimentos de qualidade ampla e com o incentivo das agriculturas locais. Dessa forma, estabelece-se um processo, definido pelo WFP (2009), como win-win

(ganha-ganha), ou seja, os escolares ganham pela alimentação de qualidade e os agricultores

também ganham, pois aos poucos vão sendo inseridos em um mercado garantido.

De acordo com WFP (2013b), vários países de alta, média e baixa renda39 estão criando políticas e ações para buscar sinergias entre os programas de alimentação escolar e a agricultura local, sendo destaques, os programas do Brasil40, Equador, Honduras, Namíbia e Peru, assim como, os programas africanos de Gana, Quênia e Moçambique. Segundo Debrah (2011), o plano Gana para a alimentação escolar, iniciado em 2005, apresentou uma evolução de concepção e de impacto, pois começou com 10 escolas e extrapolou para mais de 900, sendo as principais mudanças: a compra da agricultura local, o financiamento das infraestruturas produtivas, a reforma das cozinhas das escolas, a qualificação das manipuladoras de alimentos e a administração local da alimentação escolar.

Há também várias inciativas, cuja organização da sociedade também atua diretamente na viabilização de programas ou projetos com esse intuito, como é o caso do movimento

Farm to School (Da fazenda para a escola) nos EUA. Esse movimento começou em um

município da Califórnia e acabou se disseminando por vários estados, sendo um dos avanços mais significativos o alcance do nível nacional na discussão e no apoio, pois, em 2010, o

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HGSF é um programa de alimentação escolar que fornece o alimento produzido e comprado dentro de um país, na medida do possível . A WFP, buscou em 2009 elaborar um quadro comum para os programas HGSF.

39 Há diferenças importantes entre os países de alta, média e baixa renda nos programas de alimentação escolar.

Em geral, os países de baixa renda têm programas que não estão bem estabelecidos em quadros políticos e têm menos cobertura do que aqueles em países de alta e média renda. Os programas em países de baixa renda são mais propensos a depender da ajuda externa, no entanto, nos últimos anos, um número de países de baixa renda começou seus próprios programas, financiados e geridos pelos governos, ao invés de serem totalmente dependentes de um parceiro externo (WFP, 2013b).

40 O programa de alimentação escolar do Brasil é, talvez, o mais conhecido e o mais bem sucedido programa que

presidente dos Estados Unidos assinou uma lei que, pela primeira vez, incluiu 40 milhões de dólares por oito anos para financiar programas Farm to School (FEENSTRA e OHMART, 2012). O apoio político e financeiro dos países é citado por Espejo, Burbano e Galliano (2009) como primordial para o sucesso da mudança da filosofia dos PAEs, pois, desse modo, tais programas podem passar da esfera da alimentação para a esfera do desenvolvimento. Embora o movimento Farm to school represente um importante avanço em termos de discussão e de implementação de estratégias da alimentação escolar, segundo Poppendieck (2009), há a necessidade de se criar um programa que, efetivamente, atenda todos os escolares dos Estados Unidos. Essas iniciativas mais localizadas e heterogêneas carecem de um marco regulatório e apoio político e financeiro para se perpetuarem e realmente fazerem frente à alimentação nada saudável e de acesso aos escolares (POPPENDIECK, 2009).

Através de uma análise do que preconiza o WFP e autores como Morgan e Sonnino (2008), percebe-se que a reconexão entre produção e consumo, através dos programas de alimentação escolar, precisa ser realizada a partir dos marcos regulatórios de uma legislação e de políticas públicas estabelecidas. Isso evitaria que mudanças de governos influenciassem no andamento de experiências em processo de consolidação.

De acordo com Espejo, Burbano e Galliano (2009), o sucesso dos programas HGSF dependerá de fatores como: o alimento fornecido às crianças, baseado nos padrões locais de consumo; grau de apoio político para o programa; capacidade institucional para implementar o programa; produtividade e a capacidade dos agricultores de pequena escala de responder às necessidades do programa; disponibilidade de fundos; capacidade de manter o programa ao longo do tempo, mesmo em situações com baixa produtividade dos pequenos agricultores.

Percebe-se que, mesmo os elementos da discussão da Narrativa Alternativa dos Alimentos estando presente nos documentos da WFP, ainda existem questões de fundo que precisam de políticas locais para serem modificadas. Ainda que a globalização e a industrialização do abastecimento alimentar não tenha dissociado o alimento por completo do seu contexto sociocultural e territorial, como afirma Wiskerke (2009), grandes mudanças na transformação dos sistemas agroalimentares já operaram pelo mundo todo. Outra questão fundamental é que transformar os PAEs em porta de entrada para discussão e estabelecimento de um regime agroalimentar alternativo requer um compromisso do Estado, para que as recomendações do WFP não acabem apenas em letras mortas ou em programas com viabilidade apenas quando houver ajuda externa.

De acordo com WFP (2013b), os países que estão implantando PAEs nos marcos do HGSF, experimentam vários desafios, tais como: a ausência do trabalho em conjunto com a

educação, agricultura e outros setores de apoio aos pequenos agricultores; marco legal inadequado à aquisição local, dificultando, dessa forma, as compras de pequena escala; aparato estatal, em termos de outras políticas complementares, que não atende a nova institucionalidade que os PAEs circunscritos na nova política necessitam. Nesse sentido, o WFP (2013b) argumenta que projetos chaves e questões de implementação devem ser consideradas, sendo que as estratégias de cada país podem ser diferenciadas41, desde que sejam capazes de garantir um suprimento estável de alimentos para as escolas durante o ano.

O que parece ser elementar nas orientações do WFP é que os países devem construir métodos suficientes para superar o marco legal que impede a compra em pequena escala e descentralizada, assim como o dos pequenos empreendimentos. Por outro lado, a formulação de políticas que amparem PAEs circunscritos na Narrativa Alternativa dos Alimentos requer uma sinergia de esforços do Estado, na qual diferentes esferas atuem em sintonia. Isso denota a importância de políticas interligadas e mais comprometidas com um processo de desenvolvimento do que com a superação de questões pontuais.

O que é perceptível nos documentos da WFP, nos relatos e discussões das várias experiências espalhadas pelo globo42 é que a alimentação escolar está ocupando um importante espaço na agenda de discussões internacionais, principalmente, a partir de 2009. Os PAEs, pelos seus múltiplos benefícios, são encarados como possibilidades concretas de mudança nos padrões alimentares. A ideia é que a escola, além de fornecer um alimento mais saudável, participe ativamente de um processo de educação alimentar para que as crianças de hoje sejam os adultos conscientes de amanhã, defensores de uma alimentação saudável. Com isso, espera-se que problemas, hoje, considerados como sociais de alto impacto, os quais afetam saúde, desenvolvimento e gastos públicos43, como é o caso da obesidade e da fome, sejam modificados positivamente com o amadurecimento de PAEs.

41 Alguns governos enviam dinheiro para as escolas a fim de que as mesmas possam comprar a comida dos

mercados locais, como é o caso do Quênia. Outros direcionam os recursos para os distritos ou regiões que são responsáveis pela aquisição local, como no caso do Brasil. Outros usam empresas de abastecimento em diferentes níveis para fornecer alimentos para as escolas, como em Gana.

42 Morgan e Sonnino (2008); WFP (2013); Poppendieck (2009); Feenstra e Ohmar (2012).

43 Segundo Poppendieck (2009), os gastos com um PAE universal nos Estados Unidos, estimados em

aproximadamente 5 bilhões de dólares anuais, talvez sejam menores que os gastos públicos atuais e futuros, que tendem a se agravar com as doenças causadas pela alimentação não saudável, principalmente, as derivadas da obesidade. Segundo a autora, estima-se que os gastos anuais, diretos e indiretos, com saúde em função da obesidade e sobrepeso estejam na faixa dos 98 a 129 bilhões de dólares anuais. Esses números não incluem a perda de horas de trabalho e lucro perdido em torno das mortes prematuras, estimado em 56 bilhões de dólares por ano, nem calculam o impacto financeiro repercutido através das aposentadorias antecipadados dos americamos obesos por invalidez.