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De acordo com Diez Garcia (2005), a partir da Segunda Guerra Mundial várias pesquisas passaram a apontar a relação existente entre alimentação e doenças crônicas, cardiovasculares, diabetes e cânceres. Desde essa percepção, passou-se a valorizar uma mudança relativa aos cuidados tomados com a alimentação e o sedentarismo, um novo estilo de vida saudável e regrado, assim como ocorreram novas significações dos alimentos. O controle e prevenção das doenças passaram a ser predominantemente de responsabilidade individual.

A esse respeito, Giddens (2002) observa que na modernidade o risco é monitorado reflexivamente, informações e descobertas médicas mais ou menos vagas passam a ser de domínio comum e são utilizadas ao adotar estilos de vida46 que possibilitem saúde e evitem doenças.

Com base em Laplatine (1991), Diez Garcia (2005) afirma que tendemos a classificar os alimentos em bons e maus, sendo inimigos ou vilões a gordura, o sal, o açúcar, o colesterol, condimentos e bebidas alcóolicas.

Como possibilidades de classificação contemporâneas, Santos, L. A (2006)47 identifica: “alimentos ‘bons’ e ‘maus’, que ‘engordam’ e ‘não engordam’, os ‘gordurosos’ e os ‘não gordurosos’, ‘saudáveis’ e ‘não saudáveis’, ‘nutritivos’ e ‘não nutritivos’, ‘calóricos’ e ‘não calóricos’, ‘naturais’ e ‘não naturais”.

Ainda segundo Santos, L. A (2006, p. 321),

[...] os frescos superam os resfriados que superam os congelados, que superam os enlatados e os defumados e as salgas e assim por diante [...] grelhados têm o maior símbolo, mas os cozidos e assados são bem classificados deixando os fritos com a mais baixa cotação. Nos legumes, os crus têm preferência para alguns gêneros alimentícios, seguidos pelos cozidos ao vapor. Em suma, [sic] a racionalidade dietética além de

46 Práticas rotinizadas, incorporadas no modo de comer, de vestir, de agir. Dizem sobre a identidade da pessoa, quem é, e quem busca ser (GIDDENS, 2002).

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As análises da autora se baseiam em trabalho empírico realizado com frequentadores de academias da Baía de Todos os Santos, Salvador- BA. No entanto, surpreendemo-nos com algumas representações sobre o jantar comuns ao grupo de idosos(as) que pesquisamos.

selecionar, é importante hierarquizar. Não basta escolher o ‘bom’, deve-se escolher o ‘melhor’.

Assim, classificam-se e hierarquizam-se os alimentos em melhores e piores, em gradações que poderíamos representar na figura que se segue:

Figura 1 – Hierarquia dos alimentos

Fonte: Produção da autora (2013)48.

48 Figura produzida por nós considerando as observações feitas por Santos (2006) acerca da hierarquia dos alimentos de acordo com a forma de preparo e conservação tendo em vista a saúde.

Concebem-se também como melhores as carnes brancas e, entre elas, a de peixe ocupa o lugar mais alto. Considera-se prática alimentar ‘saudável’ comer vegetais, legumes e frutas. A água é tida como rejuvenescedora, purificadora, bebida que hidrata e dá energia, não engorda, adquire o sabor light da vida. Os alimentos industrializados são vistos como uma versão processada do alimento natural, concebida como fraca, sem gosto e que não sustenta. O feijão, pesado, não combina com a nova noção de saudável, pode fazer mal. Na mudança alimentar em busca do leve, a autora chama a atenção para uma das primeiras mudanças, a do jantar, que é substituído por lanches:

Se ele for similar ao almoço, a sua manipulação pode ser: o não consumo de feijão, considerado um alimento pesado para ser consumido antes de dormir [...]. Pode também ser substituído pelas sopas que é considerado um alimento ‘leve’49

[...] sanduíches, ou ainda uma repetição do café da manhã50. A crença de que ‘o jantar engorda’ e que ele pode ser até suprimido, tem reduzido sua importância nas práticas alimentares (SANTOS, L. A., 2006, p. 295).

Há também outro aspecto a ser considerado, relativo a essas novas concepções sobre os alimentos que fazem mal. De acordo com Canesqui (2005), comemos com culpa, pois a comida gostosa pode apresentar perigos.

Também comemos nutrientes. De acordo com Santos, L. A (2006), à medida que o alimento é dissecado em partes, em nutrientes, que são relacionados a suas funções no corpo, esses passam a fazer parte do imaginário sobre aquele. À luz do conhecimento existente orientam a “classificação, eleição ou rejeição” dos alimentos. Associamos, por exemplo, o feijão ao ferro e à força e a gordura animal ao colesterol e aos problemas de saúde que ele pode causar. O que contenha colesterol deve ser evitado. Fichler (1995) refere-se a “uma visão diabólica” vigente acerca dele, que é considerado, juntamente com as gorduras saturadas, um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares.

O saudável engloba a variedade e diversidade de alimentos e nutrientes. Buscamos, acima de tudo, o saudável e utópico, que, segundo Santos, L. A (2006, p. 321), “se confunde com o alimento nutritivo, natural, não calórico, não gorduroso, leve [...] um alimento seguro”.

Um alimento perfeito seria, portanto,

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Há, no entanto, a ressalva feita pela autora de que uma sopa pode ser também classificada como alimento pesado.

[...] criado para um mundo estável, harmônico, equilibrado, sem contradições e paradoxos. [...] imortalizado pelas técnicas de conservação que lhe garante a eterna juventude, higienizado não havendo doenças que o destruam nem muito menos provoquem doenças ao corpo humano, contendo todos os nutrientes necessários de forma equilibrada e natural [sic] (SANTOS, L. A., 2006, p. 321).

Segundo a autora, vivemos uma lightização da existência, estamos supostamente libertos das constrições sociais e familiares e somos responsáveis por definir nosso destino e valores ético-morais. A existência leve abrange a alimentação, tendo grande expressão no corpo magro, jovem e saudável, no gosto light, leve. Em função disso se substitui o açúcar por adoçante, a manteiga pela margarina, dá-se preferência a carnes brancas, alimentos integrais, não processados. O leve se associa à alegria e à própria saúde. A saúde perfeita se torna uma tarefa a ser realizada adotando comportamentos do estilo light de viver, o comer e disciplina corporal como busca dessa saúde e corpo perfeitos.

Para obter um corpo esbelto, jovem e saudável, ideal moderno, como também aponta Fischler (1995), é preciso disciplina, dedicação e treino, que podem levar tanto à sensação de dever cumprido, quanto à frustração, ansiedade, angústia e sofrimento por não obter êxito. Tudo se passa como se a velhice, a doença, a feiura (que envolve não se adequar ao padrão magro e jovem) e a morte fossem questões de escolha e/ou castigo pelo abandono do corpo:

El cuerpo debe ser absolutamente delgado, desprovisto de todo depósito adiposo; debe ser absoluta y eternamente juvenil [...] Gracias a los regímenes, a los cosméticos, al ejercicio, a la higiene y, en última instancia, a la cirugía estética, el dominio del cuerpo, el dominio absoluto, no es más que una cuestión de disciplina, de voluntad y de dinero (FISCHLER, 1995, p. 350).

De acordo com o autor, o ideal de corpo delgado e sua coerção se manifestam mais profundamente para as mulheres que para os homens. Nesse sentido, Diez Garcia (2005) analisa uma submissão do prazer de comer, acompanhado por contenção à mesa, ao prazer de ser desejável de acordo com o padrão de beleza vigente.

Vimos que as escolhas alimentares modernas se dão de acordo com diversos critérios, saberes médico-nutricionais fazem parte de uma estrutura móvel de representações sociais que, como aponta Diez Garcia (2005) com base em Fischler, pode preservar elementos da tradição, costumes, gostos, experiências e acrescentar informações e recomendações, sejam médicas ou midiáticas. Todos esses elementos estão à disposição para ser utilizados em situações específicas, tomando em consideração os interesses culturais e pessoais envolvidos

no momento. Os saberes se mesclam, os discursos, como os relacionados à alimentação e saúde, são reapropriados e ressignificados (ABDALA, 2002).

Cabe a nós analisar, a partir dessas discussões, como se dão as escolhas alimentares dos(as) idosos(as) do SESC. Há, no entanto, outro aspecto a ser considerado. Diante de todas as transformações apontadas, as relações sociais estabelecidas ao comer podem se alterar. Tratamos, portanto, dessa questão.