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Há na contemporaneidade, como já apontara Fischler (1995), uma cacofonia alimentar. Além da tradição, são vários os discursos sobre o comer. É interessante notar a percepção de nossos(as) entrevistados(as) que opõem o passado, como momento de desinformação, ao presente, como momento de informação e consequente preparo:

Eu leio, [...] assisto muito Globo Repórter, muitas entrevistas assim, que é educativa tudo assim, eu gosto muito, eu gosto muito, sabe? Esses programas de televisão que têm, que leva médico, e tudo, pra poder entrevistar e tudo, e falar sobre as coisas tudo, aí eu leio muito, assisto tudo, é bom pra gente, né? É bom que cê fica mais informada, né? Se você parar, como é que faz? Hoje em dia cê num tá podendo mais ficar parada, né? Que as doenças vêm vindo [...] (Júlia, 60 anos).

[...] faltava acesso à explicação, ninguém sabia pra que era aquela verdura, aquela fruta. (Laura, 70 anos).

[...] hoje tem mais preparo pra alimentação, sempre a mídia dá uma ajuda pra gente, né? Eu vou muito na nutricionista, me aconselha como é que alimenta [...] sigo a rotina mais ou menos como deve ser [...] segundo as pesquisa nutricional [...] a gente é pessoa idoso, né, necessita de certas coisas no corpo, cálcio, fosfato, a vitamina, né? Potássio. (Getúlio, 78 anos).

Os(as) idosos(as) do SESC informam-se com médicos, nutricionistas ou em palestras, cursos, revistas, jornais, televisão, yoga, conversas. Há quem mantenha arquivo com recortes de jornal sobre a comida que faz bem e a que faz mal. Procuram ser e sentem-se mais competentes à medida que têm maior acesso ao discurso especializado.

Entretanto, informações e preparo para a alimentação adequada sempre existiram, e exemplo disso são os discursos do saber comum. Analisamos que a falta de informação a que se referem se dá em relação aos discursos científicos e especializados amplamente divulgados e midiatizados hoje. Discursos de autoridade científica com o tom de “verdade” sobre os alimentos que podem curar ou matar. Opondo autoridade tradicional e científica, é perceptível que essa ganha espaço, embora aquela não seja abandonada, já que participa da reinterpretação do saudável e adequado.

Nesse contexto, ao se informar constantemente sobre o saudável, em meio às várias regras e conhecimentos disponíveis, sem que se saiba o que é melhor seguir – numa espécie de anomia a que Fischler se referiu -, buscam formular suas próprias normas e regras de alimentação fundamentalmente relacionadas à identidade da terceira idade. Consideram que, pelo maior acesso à informação, comem de modo melhor e mais saudável no presente do que no passado. De acordo com os conhecimentos disponíveis, compreendem ser necessária uma nova dieta:

Na época de menina, de criança, eu comia torresmo, eu comia carne de porco, gordurosa, e não tinha um cuidado com a alimentação [...] e não comia muita fruta, muito legumes, muita verdura, não era o hábito no meu tempo [...] Eu aprendi comer as coisas mais natural. (Fátima, 63 anos). A oposição passado e presente, esse tido como saudável, também se dá em relação à quantidade. De acordo com alguns relatos, o recomendável era que se comesse em grande quantidade, o que hoje também se entende como algo que faz mal:

[...] era um rodízio, hoje não [...] era aquele pratão, achava que tinha, né? [...] hoje [...] eu gosto mais é duma verdura, uma carne no almoço, uma colherzinha de arroz. (José, 62 anos).

A visão sobre os alimentos, na comparação entre nossos dias e o passado, apresenta contradições. Considerando o aspecto da quantidade e gordura dos alimentos, como vimos, o que se comia antes pode ser considerado perigoso, enquanto o que se come hoje pode ser mais saudável. No entanto, tomando em consideração o processo de produção, é possível uma inversão em que o alimento do passado é mais saudável e o do presente, perigoso, que faz mal:

[...] a gente foi criado assim, com produtos naturais, inclusive o arroz, que vinha da fazenda, ele era socado no pilão, ele era um arroz que vinha integral, a mesma coisa era a farinha, a farinha feita em casa, né? Era, a alimentação era muito saudável, num tinha veneno, os alimentos eram bem naturais, as criações, por exemplo, o porco, a galinha era tudo criado à vontade, não tinha nenhum veneno, não usava nenhum veneno, tanto que hoje a gente estranha por isso, porque, hoje a gente come uma carne de porco que é um porco de três quatro meses ele já tá oferecendo a carne, né? Quando a gente foi criado, já era de um ano pra lá que o porco tava seno sacrificado, né? A mesma coisa é a carne de vaca. Hoje a alimentação tá assim judiando muito, né, da gente, porque ela tem muito remédio, né? Mesmo os alimentos as folhas, as verduras, todos são à base de muito hormônio, de muito produto, né? Que inclusive a gente ingere isso. (Josefa, 82 anos).

[...] as comidas eram mais puras, as frutas [...] sem agrotóxico, adubo orgânico [...] então tudo era mais saudável (Nelson, 62 anos).

[...] As carnes de antes, era umas carne saudável, cê via o gosto dela [...] e a banha de vaca era uma banha branca, uma banha bonita, a de porco, cê mata um porco hoje, cê vê a banha dele, é uma banha amarela, a banha da vaca hoje é amarela, devido os remédios que elas tomam [...] um frango, por exemplo, a minha mãe matava um frango tinha que dar seis meses só no milho, hoje quarenta dias, quarenta e cinco tá aquele frangão, tudo na base do armon, daquelas comida, daqueles remédio de crescimento. (Sindoval, 74 anos).

Autores como Fischler (1995) e Prado et al. (2005) já haviam tratado sobre a vida no campo e modificações provocadas com a vinda para a cidade. A origem dos alimentos era conhecida, sendo fabricados ou produzidos, se não em casa, próximos dela. Hoje esse quadro mudou e sabe-se da utilização de venenos, agrotóxicos e aditivos que são temidos, havendo insegurança pelo mal que podem causar. Portanto, há diferentes fatores combinados que provocam a insegurança do comedor em relação ao que come.

Conforme Fischler, existe uma “psicopatologia da alimentação” cotidiana, provocada pela desestruturação dos sistemas normativos que a regulavam:

Nas minhas pesquisas aparece muito fortemente um fato: as pessoas sentem- se desconfiadas, confusas e incompetentes porque não sabem o que estão comendo. As pessoas estão cada vez mais inseguras com relação ao que comem. São consumidores mais fragilizados, ameaçados cotidianamente com informações sobre pesticidas, aditivos, corantes, conservantes, aromatizantes, produtos que podem provocar doenças graves ou até mesmo matar (FISCHLER, 2011, p. 240).

Devido ao maior desenvolvimento científico, é possível saber a causa de doenças e tratá-las ou preveni-las, aumentando a expectativa de vida, no entanto tal desenvolvimento também nos submete a riscos não calculados e indesejados, como analisa Giddens (2002).

Nesse contexto de mudanças, outra questão a se destacar é a de que pode haver alterações em relação à percepção do sabor do alimento.