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Alocação ao parceiro privado

3. Formas de alocação do risco de demanda

3.1. Alocação ao parceiro privado

De acordo com o analisado na seção anterior, se o risco de demanda for suportado pelos entes privados, os níveis dos esforços em qualidade aumentam, refletindo um contrato de incentivo de alta potência (high-powered incentives). Em contrapartida, considerando que o ente privado é avesso ao risco, exigirá um prêmio por suportar o risco, encarecendo o custo do capital.

A seguir, serão apresentadas as duas possibilidades de alocação do risco de demanda ao ente privado.

3.1.1. Pedágio

A concessionária suportará o risco de demanda se for remunerada exclusivamente por meio de cobrança de pedágio, caso a tarifa não seja ajustada em razão de alteração de volume de tráfego. Nesse caso, se a receita for inferior à projetada, o ente privado arcará com a perda de rentabilidade.

Cabe destacar, de acordo com Iossa (2015), que a tarifa de pedágio não é somente definida de forma a cobrir os custos de manutenção da rodovia pelo ente privado, como também pode considerar uma série de fatores, tais como:

a) Categoria do veículo (tamanho, peso, número de eixos etc)

Na maioria das rodovias, veículos mais pesados pagam uma tarifa maior, geralmente para refletir o maior impacto no congestionamento, nos danos em eventuais acidentes e na deterioração do asfalto.

b) Tráfego esperado ou realizado (horários de pico e fora de pico)

Tarifas em horário de pico podem ser estabelecidas durante horários de rush ou dias de semana e possuem valores mais elevados que tarifas fora do horário de pico.

Primeiramente, a tarifa mais custosa em horários de pico pode ensejar a redução do congestionamento e, portanto, levar a um gerenciamento de tráfego mais eficiente. Quando há congestionamento, qualquer usuário adicional exerce

uma externalidade negativa em outros usuários (aumentando o tempo de viagem e o risco de acidentes). Assim, torna-se adequado cobrar tarifas mais elevadas durante horários de pico a fim de reduzir a utilização da rodovia nesses horários, diminuindo as externalidades negativas.

O segundo motivo relacionado à cobrança de tarifas mais elevadas refere-se ao fato que esta prática ajuda a discriminar as tarifas conforme a disponibilidade a pagar (willingness to pay) dos usuários e, indiretamente, de acordo com as suas rendas.

Os usuários comerciais com alta renda e horários rígidos possuem demanda mais rígida que usuários de baixa renda, com demanda mais elástica. Dessa forma, o desconto da tarifa em horários fora de pico pode aumentar o tráfego nesses horários, de forma a compensar a diminuição da demanda (por força do aumento da tarifa) em horários de pico.

c) Tipo de usuários (usuário local) e ocupação do veículo

Na Índia, usuários locais da rodovia recebem descontos no pedágio. Na Autopista LBJ Express, nos EUA, as tarifas dependem do número de passageiros dentro do veículo. Nesse caso, o desconto é oferecido quando a taxa de ocupação é de, no mínimo, duas pessoas.

d) Frequência de uso

Em vários países europeus não existe pedágio nas estradas, mas é necessário ter colado ao para-brisas do veículo um selo-pedágio, conhecido como

Vignette, para poder circular pelas estradas. O preço das tarifas diminui conforme a

validade do selo-pedágio (diário, mensal, anual etc). Essa prática é aplicável a veículos leves em alguns países da União Europeia, como Áustria, Bulgária, República Tcheca, Hungria, Romênia, Eslováquia e Eslovênia.

Conforme pode-se perceber, há diferentes incentivos associados à cobrança de pedágios. Em uma perspectiva de eficiência na alocação, o preço da tarifa do pedágio deveria ser mais elevado para veículos que dificultam a manutenção das rodovias (como veículos pesados) e que possuem mais custos externos em termos de poluição, barulho e congestionamento. Adicionalmente, veículos com alta taxa de

ocupação deveriam ser premiados com descontos de tarifa, por diminuírem os congestionamentos.

Yescombe (2007) acrescenta que a determinação do valor do pedágio na rodovia também deve considerar os seguintes fatores:

- Rotas de fuga: Existência de rodovias alternativas sem pedágio, ainda que em piores condições.

- Problemas ambientais (externalidades): Aumento de problemas ambientais (como poluição) em função da fuga dos usuários de rodovias pedagiadas para rodovias em péssimas condições de tráfego.

- Comportamento dos motoristas de veículos de carga (caminhões): Por usualmente proporcionarem maior receita às concessionárias (por possuírem tarifa de pedágio maior), a receita prevista diminuirá bastante se os motoristas de caminhões resolverem escapar da rodovia pedagiada por outra alternativa.

- A facilidade de implantar um sistema de cobrança de pedágios: um sistema de cobrança fechado mede os usuários que entram e saem da rodovia e a cobrança é feita pela distância percorrida, já um sistema aberto prevê a cobrança de uma tarifa fixa por quaisquer usuários que trafegar pela rodovia.

- Efeito do pedágio nos usuários: Rodovias que passam por grandes conglomerados urbanos, destinadas a longas distância, podem não ser utilizadas por usuários de curta distância, em função da tarifa de pedágio cobrada.

Se essas características forem observadas na rodovia a ser concedida, o poder concedente pode considerar modelos híbridos de pagamento, tais como o pedágio-sombra ou pagamento por disponibilidade, descritos a seguir.

3.1.2. Pedágio-sombra (shadow toll)

Pedágios-sombra são pagamentos realizados pelo governo ao agente privado, baseado no volume real de tráfego, isto é, no número de veículos que utilizam a rodovia, sem qualquer cobrança de tarifas aos usuários.

Segundo PPIAF (2016), esse mecanismo transfere o risco de tráfego ao ente privado, mas não o risco de receita, uma vez que não haverá a coleta de pedágio aos usuários, mitigando, portanto, o risco de evasão.

Nesse esquema de remuneração, a concessionária é reembolsada pelo governo com uma taxa por veículo que transita pela rodovia. Geralmente, as estruturas de pedágio-sombra contam com um sistema de pagamentos por bandas de volume de tráfego, conforme apresenta a figura a seguir.

Gráfico 2: Escalas de Pagamento do Estado (pagamento por veículo). Fonte: Adaptado de Banco Mundial, 2004.

Por exemplo, um concessionário pode obter $ 1,80 por veículos que transitarem na banda 1; posteriormente, receberá $ 0,40 por carro transitado na banda 2, $ 0,20 por veículo trafegado na banda 3 e, por fim, não receberá nenhum valor adicional a partir da banda 4. Destaca-se que a faixa teto limita a remuneração ao ente privado, implicando desincentivos para o aumento da capacidade da rodovia.

Mustafa (1999) acrescenta que, no modelo adotado no Reino Unido, foi solicitado aos licitantes que estabelecessem os limites das bandas tarifárias em termos de veículo-quilômetro, assim como as tarifas para cada uma das bandas. Inclusive o governo selecionou o bid vencedor pelo melhor conjunto dessas variáveis (havia um limite mínimo de duas bandas e máximo de quatro bandas tarifárias).

Conforme Silva (2013), o sistema de bandas de tráfego (ou faixas de remuneração) foi a forma encontrada para limitar o valor dos pagamentos feitos por veículos pelo Poder Concedente aos entes privados, pois a tarifa passou a ser diferente em função de alguns patamares de demanda atingidos. Isso se faz necessário à medida que o pedágio-sombra venha a comprometer grande parte do

Tempo V o lu m e d e T rá fe g o

orçamento do governo, caso a remuneração ao operador privado cresça linearmente e infinitamente, em função do aumento da demanda ao longo do contrato.

Conforme Bain (2006 apud Silva, 2013), as bandas de tráfego podem ser dimensionadas para refletir a estrutura de capital de um projeto. Na Europa, por exemplo, receitas de bandas menores são geralmente dimensionadas para cobrir as obrigações da dívida principal; receitas da banda média são utilizadas para financiar operações e manutenções; e receitas das bandas superiores (componentes mais arriscados dos futuros fluxos de caixa) são aplicadas para remunerar o equity. Tal compensação é limitada pelo Poder Concedente, pois a tarifa acima da banda superior é fixada em zero.

Esse modelo foi criticado no Reino Unido e em Portugal, onde foi utilizado. Nesses países, houve a transferência de risco de demanda para o setor privado, mesmo considerando que este não pode influenciá-la. Ademais, o concessionário não possui incentivos para aumentar os investimentos em qualidade a fim de aumentar a demanda, considerando que sua rentabilidade é limitada na banda de tráfego superior.

PPIAF (2016), por outro lado, orienta que o pedágio-sombra pode ser utilizado onde há apetite para o setor privado assumir o risco de tráfego, mas não o risco de receita. A instituição ainda aponta que a complexidade desse modelo reside na dificuldade de o governo avaliar as ofertas do leilão. Assim, os critérios de avaliação para projetos de pedágio-sombra devem ser cuidadosamente calibrados para evitar estratégias oportunistas, como lances excessivamente agressivos e conservadores (usando a banda mais baixa). Os governos devem considerar esse trade-off entre flexibilidade e facilidade de avaliação ao usar essa estrutura.