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4. Estudos de casos em alocação do risco de demanda

4.1. Experiência internacional

4.1.2. Austrália

Na Austrália, o Governo é o principal responsável pelo financiamento da infraestrutura do país. Entre 2005 e 2016, o crescimento do apoio financeiro ao setor foi, inclusive, maior que o crescimento do PIB no período.

Em relação ao modal rodoviário, o nível de participação do ente privado no financiamento é menor que o nível de apoio aos demais modais. Entre 2013 e 2014, somente 7% do pedágio das rodovias foram cobrados pelos entes privados.

Atualmente, a preocupação do Governo Australiano é justamente a continuação do apoio ao setor, tendo em vista o aumento dos investimentos necessários. O custo de construção e manutenção de rodovias, por exemplo, tem crescido a uma taxa maior que a dos impostos e taxas coletados dos usuários.

Além disso, as mudanças tecnológicas têm alterado o hábito dos usuários, com o surgimento de veículos elétricos, carros mais eficientes, compartilhamento de carros (car sharing) e carros autônomos. Assim, no futuro, espera-se que haja um declínio do consumo de combustíveis, do licenciamento de carros, de infrações cometidas pelos usuários, o que culminará na diminuição da receita do Governo, obtida com os impostos cobrados dos contribuintes.

Dessa forma, nos últimos anos, tem sido crescente a participação privada por meio de PPP (Governo da Austrália, 2016). Atualmente, conforme Pinheiro et al.

(2015), o país se tornou referência na seleção, estruturação e implementação de projetos de PPP.

O guia nacional de PPPs13, elaborado pelo Governo Australiano, é amplamente utilizado dentro e fora do país, ainda que os estados tenham flexibilidade para adotar suas próprias regras e alguns deles também tenham se tornado referências nessa área, como Nova Gales do Sul e Victoria.

Além do Guia, o país conta com uma série de orientações, voltadas tanto para o desenvolvimento de PPP de infraestrutura social (como escolas e hospitais) como de infraestrutura econômica (rodovias).

Cabe ressaltar que estas orientações objetivam, de acordo com Akintoye (2016), a entrega de melhores serviços e value for money, por meio de alocações de risco otimizadas, gerenciamento de sinergias, incentivo à inovação, utilização eficiente do ativo, gerenciamento integrado de todo o ciclo de vida do ativo assim como proteção do interesse público.

No que se refere às PPPs no setor rodoviário, cabe informar que se destinam sobretudo a financiar rodovias urbanas e interurbanas, com viabilidade econômica, com valor superior a $A 50 milhões. Em 2011, existiam 14 rodovias pedagiadas na Austrália, concentradas em três grandes regiões metropolitanas: Sidney, Melbourne e Brisbane.

Destaca-se que a Austrália possui aproximadamente 23 milhões de habitantes, concentrados em sua maioria em somente seis cidades, Sidney, Melbourne, Brisbane, Adelaide, Perth e Hobart, distantes por aproximadamente 1.000 km entre si. Dessa forma, o país investe em rodovias, ferrovias e aeroportos.

O modelo de PPP tipicamente utilizado para rodovias envolve o design, a construção, a manutenção e operação da rodovia (DFBO), com a transferência do ativo para o governo ao final do período de concessão, tipicamente entre 30-40 anos.

Historicamente, o risco de demanda em rodovias viáveis economicamente na Austrália tem sido alocado ao ente privado. No entanto, recentemente foram adotadas medidas alternativas, devido a problemas causados por projeções de tráfego otimistas.

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RiverCity, companhia que operava rodovia pedagiada em Brisbane, devolveu a concessão em março de 2011, um ano após a abertura da rodovia, pois o tráfego realizado foi de apenas 1/3 do tráfego previsto de 60.000 veículos por dia. Tal fato aumentou a aversão ao risco de demanda por parte dos investidores.

Assim, de acordo com Arup and RAC Foundation (2011), o governo adotou algumas medidas para reduzir o risco de demanda, como custear parte da construção das rodovias, diminuindo o valor do pedágio, além de adotar mecanismos de pagamentos alternativos, como o do pagamento por disponibilidade.

Por fim, outra medida adotada pelo Governo, conforme Diffin (2015), foi o desenvolvimento do modelo GBTS (Government Builds, Tolls then Sells), por meio do qual o Governo constrói a rodovia e assume o risco de demanda até o período de

ramp up do projeto, e, posteriormente, o ente privado assume o risco (após o

período de ramp up), com a vantagem de já possuir o histórico de tráfego da rodovia, diminuindo, portanto, o risco de demanda.

Em suma, o país não adota um modelo único de alocação do risco de demanda, variando entre alocação de risco de demanda no ente privado e no público, além de mecanismos de compartilhamento, como o caso do GBTS.

4.1.3. Canadá

O Canadá é o segundo maior país em área do mundo, atrás somente da Rússia. Apesar da extensa área, 60% das rodovias estão concentradas em quatro províncias (British Columbia, Alberta, Ontario e Quebec) de suas dez.

As Parcerias Público Privadas (denominadas de “P3s” na América do Norte) são utilizadas amplamente no Canadá para o desenvolvimento de infraestrutura.

O desenvolvimento de P3s no país pode ser dividida em duas fases. A primeira fase iniciou-se ao final da década de 1990, focada na racionalidade internacional de utilizar esse tipo de parceria para reduzir a necessidade de financiamento público e transferir parte do risco de demanda para o ente privado.

Em resposta às várias críticas obtidas aos projetos da primeira fase, marcada por privatizações impopulares - na segunda fase, iniciada em meados de 2000, as PPPs somente eram realizadas após a análise do value for money.

Atualmente, o Canadá também se tornou referência em PPP no mundo, com a criação de agências federais e provinciais que atuam como centros de excelência no assunto, conforme relata CANCEA14 (2016).

Em 2008, por exemplo, foi fundada pelo Governo Federal a P3 Canadá, empresa estatal que administra o Fundo Canadá P3. Tal fundo concede apoio financeiro de até 25% dos custos de construção de um projeto para as autoridades provinciais, municipais ou a outras entidades públicas que busquem implementar uma PPP, conforme Pinheiro et al. (2015).

Uma das principais mudanças das PPPs celebradas na segunda fase referem-se ao mecanismo de pagamento ao órgão privado, baseado em pagamento por disponibilidade, em substituição à cobrança de tarifas (como pedágio), amplamente utilizada na fase anterior. Adicionalmente, cabe ressaltar que, mesmo nos casos em que há cobrança de pedágio, o poder público também assume o risco de demanda.

De acordo com Akintoye (2015), a mudança da remuneração às concessionárias ocorreu pelo fato do Governo Canadense utilizar as PPP como um instrumento de melhoria do processo de aquisição, em vez de ser uma fonte de aumento do financiamento privado.

Consequentemente, o risco de demanda passou a ser majoritariamente retido pelo poder público, eliminando uma fonte de tensão com o parceiro privado em momentos de crise econômica.

Um resultado desta iniciativa é que as PPPs canadenses têm demonstrado estabilidade e evitado renegociações, tão comuns internacionalmente.

Na crise econômica mundial de 2008, por exemplo, por assumir o risco de demanda, o Governo arcou com a queda na arrecadação de receita, não afetando o mercado privado. Como resultado, houve forte atração de investidores internacionais para as parcerias celebradas no país.

Até o momento, o Canadá acumula bastante experiência no segmento. De acordo com o Conselho Canadense de Parcerias Público Privadas (2016), foram celebradas 200 PPPs no Canadá, sendo 45 no setor de transporte.

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Pelo exposto, apesar de atualmente o risco de demanda ser preferencialmente suportado pelo ente público no Canadá, o país também acumula experiência em alocar este risco no ente privado.

4.1.4. Chile

A Lei de PPP no Chile foi desenvolvida em 1991 e aperfeiçoada em 1996, de acordo com Vassallo (2006). A partir de 1990, foram realizadas parcerias público- privadas no Chile, para que as concessionárias construíssem, operassem e transferissem (BOT) ao poder público novamente a rodovia.

A receita das concessionárias era composta pela cobrança de pedágios, e, em alguns casos, suplementada por meio de pagamento direto realizado pelo Governo.

Duas características principais distinguem a concessão de rodovias no Chile dos demais países. Primeiramente, assim como ocorre no Brasil, as concessões geralmente objetivam a manutenção, aperfeiçoamento e ampliação de rodovias pré- existentes.

O segundo ponto destacado por Vassallo (2006) é que, no Chile, geralmente não há rodovias paralelas sem cobrança de pedágio competindo com as rodovias concedidas, tendo em vista que o território chileno possui aproximadamente 5.000 km de comprimento e cerca de 175 km de largura, além de densidade populacional baixa. As rodovias têm sido concedidas majoritariamente para desenvolver as rodovias urbanas e interurbanas, por meio de um processo licitatório.

De acordo com Vassallo (2006), o processo de concessão de rodovias no Chile envolve três etapas: i) pré-qualificação dos participantes, a fim de avaliar que todos possuem conhecimento e recursos para desenvolver o projeto; ii) análise técnica da proposta submetida pelos participantes da etapa anterior; e iii) leilão baseado em variáveis econômicas, como tarifa de pedágio, subsídio solicitado ao Governo, duração da concessão, rendimento mínimo garantido, receita oferecida ao Governo pela infraestrutura existente e LPVR.

Segundo Albalate, D., Bel, G., & Geddes (2015), com a experiência em PPP obtida nas duas últimas décadas, o Chile tornou-se referência global em modelagem

de concessões. De 1993 a 2015, o país havia realizado 37 PPPs de rodovias. Destas, 15 foram realizadas no período de 1993 a 1998. À exceção da concessão da rodovia Santiago-Valparaíso, todas sofreram renegociações até o final da década de 1990, em função de forte recessão chilena, que diminuiu o tráfego das rodovias, impactando diretamente a receita das concessionárias.

Cabe ressaltar que as renegociações foram iniciadas tanto pelo Poder Concedente, por força de alterações contratuais e inclusão de investimentos, quanto pela concessionária, em razão de sobrecustos e sanções impostas pelo órgão regulador.

Destaca-se que tais renegociações estimularam o país a desenvolver um novo critério de seleção para a licitação, o mecanismo LPVR, e o contrato PVR, conforme já caracterizado, com a finalidade de mitigar o risco de demanda das concessionárias.

Além do PVR, o Chile utiliza a garantia de receita mínima e o mecanismo de distribuição de receitas (RDM - Revenue Distribution Mechanism), utilizado para mitigar o risco de demanda ex post, por meio de alteração de cláusulas contratuais.

Dessa forma, o risco de demanda no Chile inicialmente foi alocado ao parceiro privado e atualmente é compartilhado, por meio desses três mecanismos.