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Apesar da substituição de Litvinov por Molotov, as negociações com o Reino Unido e a França não foram abortadas. Molotov, nos dias seguintes conseguiu com que os britânicos e franceses aceitassem a maioria das reivindicações soviéticas. Por outro lado, a chegada de Molotov significava também um desejo mais vivo de

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STEINER, Zara – The Triumph of the Dark: European International History 1933-1939. S.l.. Oxford University Press, 2011. p. 881

55 FISHER, David, READ, Anthony – Op.Cit., idem. p.75 56

Ibid.

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 38 aproximação à Alemanha. Nesta lógica, Astakhov, conselheiro da embaixada soviética em Berlim, perguntou aos alemães se a demissão de Litvinov causaria alguma alteração na sua atitude para com a União Soviética.

A resposta britânica à proposta soviética veio finalmente no dia 8 de maio, em que os britânicos reiteravam o desejo de ver a União Soviética garantir as independências dos países à imagem do que o Reino Unido e França tinham feito. Bonnet, o responsável pela diplomacia francesa, fiel à sua convicção de uma postura mais conciliatória com os soviéticos tinha dúvidas quanto a esta abordagem, já que sabia que os soviéticos não pretendiam garantir as independências dos países vizinhos mas sim uma aliança bem definida com o Reino Unido e França. Para além disso, cada vez mais sinais chegavam de uma aproximação da União Soviética à Alemanha. No dia 14, os soviéticos deram a sua resposta à contraproposta britânica. Rejeitavam-na, querendo um pacto de assistência mútua, uma extensão das garantias à Estónia, Letónia e Finlândia e um acordo militar concreto. Mais uma vez é visível a preocupação de Estaline em criar um cordão de segurança à volta da União Soviética de modo a afastar o mais possível os alemães das suas fronteiras. A noção da zona de influência soviética nos países fronteiriços era por esta altura, já bastante evidente.

No Reino Unido, a oposição à posição de Chamberlain ia crescendo, temendo- se o cenário de uma União Soviética neutral em caso de guerra com Alemanha. Também os jornais britânicos favoreciam uma aliança com os soviéticos. Assim, a 24 de maio, o governo britânico acedeu a iniciar conversações para uma aliança entre os três países. No entanto, o governo britânico não tinha, apesar da aceitação em iniciar conversações, acedido por completo às exigências soviéticas, reservando para si ainda alguma margem de manobra. Ao iniciar as conversações, queria que a aliança fosse inserida no âmbito da Sociedade das Nações, o que não foi aceite por Molotov, que referia o facto de qualquer estado-membro poder frustrar as ações da União Soviética. Para além deste facto, a questão dos países que não queriam uma ajuda soviética ainda não tinha sido resolvida, por temerem o que a entrada de tropas soviéticas pudesse significar. Os soviéticos pretendiam que as suas reivindicações fossem

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 39 ignoradas e uma solução de defesa da União Soviética lhes fosse imposta. Os britânicos respondiam que tal não lhes podia ser imposto contra a sua vontade. O que esta dialética demonstrava eram os diferentes objetivos dos dois lados, presentes desde o início da expansão alemã em 1938. Os soviéticos, conscientes da inevitável guerra com a Alemanha queriam preparar-se para ela, os britânicos queriam evitá-la.

Enquanto as negociações com os britânicos e franceses decorriam, Estaline preparava as aproximações à Alemanha. A 9 de maio, um relatório chega às mãos de Estaline que concluia, coincidindo com o relato dado por Merekalov, que os alemães preparavam a invasão da Polónia e acreditavam que, dada a incapacidade do Reino Unido e França em fazer frente ao exército alemão, esta guerra acabaria por ser localizada. O relatório falava ainda no desejo de Hitler na Ucrânia e nos estados bálticos e a sua anexação à Alemanha, afastando-os da União Soviética. Durante o mês de maio, agentes soviéticos dão informações aos alemães dos desenvolvimentos das conversações com o Reino Unido e França de modo a fazê-los sentir que um acordo estava cada vez mais perto de ser atingido. A juntar às preocupações de Estaline, no mês de junho chegaram relatórios da vontade de Hitler em resolver a questão polaca a todos os custos, mesmo que isso significasse uma guerra em duas frentes, pelo que Hitler não se sentiria inibido por uma aliança entre a União Soviética e Reino Unido. Mais: Hitler esperava que os soviéticos tomassem a iniciativa para um acordo entre os dois países, já que a União Soviética não tinha qualquer interesse numa guerra com a Alemanha nem em defender a integridade territorial do Reino Unido ou França.

Em meados de junho, preocupados com um eventual acordo entre a União Soviética e Alemanha, o embaixador alemão Schulenburg comunica a Molotov o desejo de Hitler em normalizar as relações entre os dois países. Ao mesmo tempo, os britânicos dão uma resposta aos soviéticos que não abordava a questão das garantias aos países que não a queriam. O impasse mantinha-se, enquanto relatos de encontros entre soviéticos e alemães aumentavam a pressão sobre os britânicos, tal e qual como acontecia com os alemães. Apesar disso, os britânicos estavam convencidos que a alternativa a uma aliança militar entre o Reino Unido e a União Soviética era o

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 40 isolamento, o que estava longe dos planos de Estaline, que não se queria ver na situação de estar sozinho contra a força da Alemanha. Ainda que os britânicos concebessem a possibilidade de um acordo entre a União Soviética e a Alemanha, tinham a convicção que o antagonismo ideológico impediria a conclusão com sucesso de algum tipo de aliança entre os dois países.

As negociações continuaram durante o mês de junho com propostas e contrapropostas, que chocavam com a intransigência dos soviéticos. Estes continuavam a querer garantias dos países bálticos e da Finlândia, a aceitação do conceito de “agressão indireta” a esses estados que pressupunha que qualquer aproximação destes estados à Alemanha constituía uma agressão indireta à União Soviética o que daria legitimidade para agir militarmente contra esses países e finalmente o acordo simultâneo das questões políticas e militares da aliança. Por esta altura, os franceses também já tinham informações das intenções de Hitler em atacar a Polónia no final de agosto, pelo que forçava o Reino Unido a aceitar as condições impostas pelos soviéticos.

As diferenças entre a União Soviética e Reino Unido, apesar dos rumores e pressão vindos do lado alemão, não deixavam de ser significativas. Nesta altura o que estava em cima da mesa para os britânicos era a aceitação do atropelo das independências dos países que circundavam a União Soviética a favor dos soviéticos, tal como tinha sido feito anteriormente a favor de Hitler. Tal era inaceitável, pelo que duas posições inflexíveis tinham a tarefa complicada de atingir um acordo. Este acordo só poderia ser alcançado caso esses mesmos países aceitassem uma garantia da União Soviética o que para eles seria o mesmo que o fim da sua existência como estados soberanos. O mais vocal contra esta solução era a Polónia que duvidava tanto da União Soviética, como temia que uma aproximação a esta irritasse Hitler e ditasse finalmente a invasão militar. Para Estaline, o objetivo não era travar a expansão alemã às custas de países pequenos, mas antes travar a expansão alemã antes que esta chegasse às fronteiras soviéticas. Se isso significava o fim da independência dos estados vizinhos, assim seria.

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 41 Uma nova tentativa de desbloquear o processo foi feita a 1 de julho, quando o lado franco-britânico propunha a garantia contra agressão direta numa cláusula secreta para os países bálticos e Finlândia, mas também Suíça, Holanda e Luxemburgo. Molotov aceitou a ideia da cláusula secreta, mas rejeitou a inclusão da Holanda e Suíça, que ainda não tinham reconhecido o governo soviético, mas também que não só agressão direta fosse incluída. Também a indireta devia ser abrangida. Dois dias depois, aceitou a inclusão dos dois países, mas na condição da Polónia e Turquia concluírem acordos de assistência mútua com a União Soviética, assim como adicionar ao facto de “agressão indireta”, um golpe de estado interno ou inversão da política externa a favor do agressor. Apesar do impasse nas negociações quanto à questão da agressão indireta, as negociações militares para a aliança são aceites a 25 de julho. São enviados do lado britânico e francês, militares de pouco conhecimento da União Soviética, assim como a sua viagem seria feita num barco lento e antigo.

No final do mês de julho, as negociações entre a União Soviética e a Alemanha avançam, com o facto de a Alemanha ter sido incapaz de assegurar uma aliança do Japão, mas também do prazo final para a invasão da Polónia se aproximar a largos passos. No dia 24 é delineado um plano de três fases para melhorar as relações germano-soviéticas: um acordo comercial, um em cultura e questões de imprensa e finalmente um sobre as questões políticas. Os alemães demonstraram que as oposições britânicas não seriam encontradas nas negociações alemãs, nomeadamente quanto à questão da garantia da independência dos países bálticos ou da Finlândia. Para além disso, desde cedo que a relação entre a União Soviética e o Japão não era pacífica, tendo chegado a haver confrontos militares entre os dois países na Manchúria. Também essa era uma questão que os alemães tinham a capacidade de resolver.

A 8 de agosto, num relatório enviado por Astakhov a Molotov sobre o ponto de situação das negociações, este referiu as suas dúvidas quanto às intenções a longo prazo dos alemães, assim que a União Soviética fosse neutralizada na questão de um eventual ataque à Polónia. Aparentava também que em troca de um desinteresse

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 42 soviético na questão de Danzig, a Alemanha declarava o seu interesse nos países bálticos, com exceção da Lituânia, na Bessarábia, Polónia russa e finalmente abandonariam as suas pretensões na Ucrânia. Molotov ficou satisfeito com as condições mas respondeu que tais preparações teriam de ser feitas em Moscovo. A 14 de agosto, Hitler, após uma reunião com os generais sobre a invasão da Polónia, decidiu que Ribbentrop deveria ir a Moscovo encontrar-se com Estaline. A reunião entre Molotov e Schulenburg deu-se a 15 de agosto, onde Molotov questionou o alemão se tinham chegado a alguma conclusão sobre um tratado de não-agressão, ao qual Schulenburg não deu uma resposta clara. Esta pergunta dava a entender que Estaline estava a tomar seriamente a questão de um acordo germano-soviético, ao mesmo tempo que queria clarificar se os alemães estavam dispostos a garantir a neutralidade alemã. Seguindo a mesma linha de ação, relatos de melhoramento das negociações com o Reino Unido e Polónia foram passados para os alemães de modo causar ainda maior pressão a Hitler para a conclusão de um acordo rápido que garantisse a neutralidade soviética na questão polaca.

Contrastante com a abertura às reivindicações soviéticas do lado alemão encontrava-se a situação nas negociações com o Reino Unido e França. Após uma viagem longa de onze dias, a delegação militar chega finalmente à União Soviética onde se encontra no dia seguinte para iniciar as conversações. Do lado soviético, a comitiva era liderada pelo Marechal Voroshilov, que abordou a questão da passagem de tropas soviéticas por terceiros estados, ao qual recebeu a resposta de que não tinha sido atingido qualquer sucesso nesse capítulo. Dada esta resposta, o soviético deixou claro que a menos esta questão fosse resolvida, não adiantaria continuar com as negociações. Esta última reunião expôs por completo as diferenças entre os dois lados e como era difícil a conciliação de objetivos. Os soviéticos pretendiam a passagem das tropas pelos países vizinhos, algo que os britânicos não estavam dispostos, nem podiam dar. Para os soviéticos isto significava que os britânicos não levavam a questão da aliança suficientemente a sério, caso contrário ignoravam as exigências destes estados, tal como tinham feito com a Checoslováquia em 1938. Os franceses, por seu

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 43 lado, continuavam a fazer esforços para forçar os polacos a aceitarem esta condição, o que resultava sempre numa resposta negativa, dado o seu medo que se tal fosse aceite os alemães declarariam guerra imediatamente.

A 17 de agosto, Molotov e Schulenberg encontravam-se novamente. Numa reunião onde se avançou mais do que o que se tinha avançado em meses com os britânicos, os soviéticos viram os seus desejos de um pacto de não-agressão aceites. A proposta alemã consistia num pacto com uma duração de 25 anos, uma garantia conjunta dos países bálticos e a moderação da Alemanha no conflito entre a União Soviética e o Japão. A resposta soviética, após pressão alemã de que uma resposta devia ser dada imediatamente, já que Hitler sabia que a data da invasão da Polónia estava perigosamente perto, foi dada dois dias depois onde Molotov propõe um acordo de duração de cinco anos, onde são delimitadas zonas de influência na Polónia e países bálticos. Sugeria também que Molotov se apresentasse em Moscovo nos dias 26 e 27. Nesse mesmo dia da resposta soviética foram terminados com sucesso os acordos comerciais entre os dois países. Numa carta enviada diretamente a Estaline, Hitler exige que Ribbentrop chegasse a Moscovo no mínimo no dia seguinte. No dia 23, Estaline recebe Molotov para a assinatura do pacto.

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O Tratado Molotov-Ribbentrop

O Articulado

O Governo do Reich Alemão e o Governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas desejosas de fortalecer a causa da paz entre a Alemanha e a URSS, e procedendo das provisões fundamentais do Acordo de Neutralidade concluído em abril, 1926 entre a Alemanha e a URSS, chegaram ao seguinte Acordo:

Artigo 1º

Ambas Altas Partes Contratantes obrigam-se a si mesmas a abandonar qualquer ato de violência, qualquer ação agressiva, e qualquer ataque entre si, seja individualmente ou conjuntamente com outras Potências;

Artigo 2º

Caso uma das Altas Partes Contratantes seja alvo de uma ação beligerante por uma terceira Potência, a outra Alta Parte Contratante não deve, de qualquer forma, fornecer o seu apoio a essa terceira Potência;

Artigo 3º

Os Governos das duas Altas Partes Contratantes deverão manter no futuro contacto contínuo entre si para o fim de consulta para troca de informações em problemas que afetem interesses comuns;

Artigo 4ª

Caso disputas ou conflitos surjam entre as Altas Partes Contratantes, nenhuma deverá participar de qualquer maneira em qualquer grupo de Potências que tenha como alvo, direta ou indiretamente, a outra Parte.

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 45 Artigo 5º

Caso disputas ou conflitos surjam entre as Altas Partes Contratantes sobre problemas de uma forma ou doutra, ambas as Partes devem resolver estas disputas ou conflitos exclusivamente através de uma troca amigável de opinião ou, se necessário, através da criação de comissões de arbitragem.

Artigo 6º

O presente Tratado é concluído por um período de dez anos, sob condição de, desde que nenhuma das Altas Partes Contratantes o denuncie um ano antes da expiração deste período, a validade deste Tratado deverá ser automaticamente estendida por mais cinco anos.

Artigo 7º

O presente Tratado deverá ser ratificado no mais breve período possível. As ratificações deverão ser trocadas em Berlim. O Acordo deverá entrar em força assim que for assinado.

Protocolo Adicional Secreto Artigo 1º

No caso de acontecer algum arranjo territorial e político das áreas que pertencem ao aos estados bálticos (Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia), a fronteira do norte da Lituânia deverá representar a fronteira das esferas de influência da Alemanha e da U.R.S.S.. Nesta ligação, o interesse da Lituânia na área de Vilna será reconhecido por ambas as Partes.

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 46 Artigo 2º

No caso de acontecer algum arranjo territorial e político das áreas que pertencem ao estado polaco, as esferas de influência da Alemanha e da U.R.S.S. deverão ser delimitadas aproximadamente pelas linhas dos rios Narev, Vistula e San.

Na questão de caso os interesses de ambas as Partes forem favoráveis à manutenção de um estado polaco independente e de como tal estado deverá ser delimitado, só poderá ser determinado definitivamente no decurso de desenvolvimentos políticos futuros.

Em qualquer caso, ambos os governos resolverão esta questão através de um acordo amigável.

Artigo 3º

Em relação ao Sul da Europa, a Parte soviética chama a atenção do seu interesse na Bessarábia. A Parte alemã declara o seu desinteresse político nessas áreas.

Artigo 4º

Este protocolo deverá ser tratado por ambas as Partes como estritamente secreto.

Moscovo, 23 de agosto, 1939

Pelo Governo do Reich Alemão V. Ribbentrop

Plenipotenciário do Governo da U.R.S.S. V. Molotov

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