• Nenhum resultado encontrado

O primeiro passo nesse sentido foi dado no final do ano de 1938, quando Estaline, pela pessoa do embaixador soviético na Alemanha, fez saber ao Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Joachim von Ribbentrop, através do diretor do departamento da política económica alemão, Emil Wiehl, que os soviéticos estavam prontos a retomar as conversações de crédito que tinham sido interrompidas em março. Mas não só, os soviéticos estavam prontos “a abrir uma nova era nas relações germano-soviéticas”53. Durante todo o ano de 1938, Hermann Göring, como cabeça do Plano de Quatro Anos, vinha alertando para a necessidade extrema de matérias- primas de modo a que o Plano pudesse ser concluindo com sucesso. Durante os primeiros meses de 1938, por exemplo, as fábricas de munições só tinham recebido um terço da sua quota de ferro e aço. O caminho para as negociações iniciou-se a 11 de janeiro de 1939, quando Estaline respondeu ao pedido alemão de retomar as negociações a partir do zero. Nessa resposta Estaline afirma que quer que essas negociações sejam feitas em Moscovo. Isto afirmaria ao mundo o novo estatuto da Alemanha para a política externa soviética. Apesar das dúvidas de Ribbentrop, a necessidade extrema dos bens que a União Soviética estava pronta a comercializar com a Alemanha obrigou-o a aceitar a proposta.

52

Idem

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 32 Schnurre, o homem encarregado de liderar as negociações do lado alemão, iria a Moscovo no final do mês secretamente onde trataria dos assuntos em questão. No entanto, essa visita foi interrompida quando os jornais franceses e britânicos relatavam de forma sensacional a visita de uma comitiva alemã a Moscovo para tratar de uma aproximação económica dos dois países. Ribbentrop, que nesta altura, negociava uma aproximação da Alemanha à Polónia chamou Schnurre de volta à Alemanha, onde as negociações seriam retomadas na embaixada. Esta tomada de decisão não agradou a Estaline, que interpretou este acontecimento como uma jogada da Alemanha para humilhar a União Soviética internacionalmente. No entanto, Estaline estava mais ressentido com a França e o Reino Unido, pelo que ele continuava dedicado a uma aproximação à Alemanha.

A 27 de janeiro, um artigo no jornal britânico “News Chronicle”, – que seria integralmente publicado no jornal soviético Pravda - assinado por um jornalista que tinha ligações próximas ao embaixador soviético que usava-o regularmente para transmitir as opiniões soviéticas, declarava que os britânicos e franceses tinham ignorado deliberadamente os soviéticos, enquanto os alemães e polacos tinham iniciado conversações para acordos comerciais. Nesse artigo, declarava-se ainda que a União Soviética não tinha intenções de dar qualquer ajuda ao Reino Unido e à França caso estes entrassem em conflito com a Alemanha e a Itália. A União Soviética concluiria acordos com os seus vizinhos na condição de estes a deixarem em paz. Terminava ainda dizendo que do ponto de vista do governo soviético, não havia grandes diferenças entre a França e Reino Unido de um lado, e a Alemanha e Itália do outro. O facto de Estaline ter reproduzido o artigo no Pravda indiciava que não estava apenas a preparar o mundo para uma alteração de postura nas relações internacionais, mas também a preparar a própria população da União Soviética para uma alteração da política que até 1938 vinha sendo seguida.

A resposta, de Hitler veio três dias depois, no seu discurso de comemoração do sexto aniversário da sua ascensão ao poder. Ao contrário dos outros discursos que fazia, onde atacava de uma forma prolongada a União Soviética e o comunismo, neste

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 33 discurso, e pela primeira vez, não inclui qualquer ataque ao comunismo ou à União Soviética, numa demonstração de reconhecimento das intenções de uma aproximação entre os dois países.

Esta aparente disposição de aproximação entre os dois líderes, não parou a caminhada de Hitler. Durante o mês de fevereiro, a Alemanha celebrou uma série de acordos com os países da Europa Oriental, fechando o cerco à União Soviética. Hitler aumentava a propaganda contra o que restava da Checoslováquia, novos governos pró-Alemanha surgiam na Roménia e Jugoslávia, iniciando acordos de vendas de armas. A 24 de fevereiro, a Hungria junta-se ao Pacto Anti-Comintern, ao passo que a Bulgária demonstrava vontade de se seguir à Hungria. No início do mês de março, as negociações dos créditos iniciadas no início do ano tinham chegado a um impasse enquanto notícias da chegada de uma delegação britânica a Berlim para negociações sobre comércio entre os dois países chegavam a Moscovo. A União Soviética não se encontrava numa posição confortável. Estaline, no seu discurso do 18º Congresso do Partido Comunista Soviético a 10 de março, reitera as afirmações feitas em janeiro em que condenava o Reino Unido, França e Estados Unidos por terem sido incapazes de castigar a Alemanha, Japão e Itália pelos seus atos agressivos. Acusa-os de não se comprometerem à segurança coletiva apesar de terem condições económicas e militares para o fazerem, ao mesmo tempo que afirma que a União Soviética iria em assistência às vítimas de agressão que viam a sua independência em risco. Ainda relativamente às potências capitalistas liberais, Estaline acusava-as de, ao intervirem, estavam a incentivar os agressores a continuarem com as suas políticas expansionistas, dando a entender que ao permitirem que o Japão se envolvesse com a União Soviética, ou a Alemanha nos assuntos dos países europeus, apenas estava a criar condições para que estes se enfraquecessem mutuamente, para depois, nos “interesses da paz” imporem as suas condições nos beligerantes enfraquecidos.

Estaline neste discurso enviava mensagens tanto à França e Reino Unido, como à Alemanha. Em primeiro lugar, avisava os primeiros que ao seguirem a política de não-intervenção e ao permitirem à Alemanha que seguisse o seu caminho sem

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 34 oposição, estariam a jogar um jogo perigoso que poderia resultar num duro golpe para eles mesmos. Em segundo lugar, fazia notar à Alemanha que a União Soviética estava disposta a ter relações de paz e comércio com todos os países. Essa era a sua posição e permaneceria assim desde que esses países não atentassem a paz da União Soviética ou fossem contra os seus interesses. Estaline deixou ainda a entender que o partido “deveria ser cuidadoso e não permitir que o nosso país fosse empurrado para conflitos por países que procuram a guerra e que estão habituados a que os outros tirem as castanhas do lume por eles”. Esta frase viria a ser bastante a usada no futuro, e fazia referência a uma passagem do Mein Kampf que falava no incómodo da Alemanha em ter de tirar “as castanhas do lume” pela Inglaterra do virar do século.

No final desse mês, Hitler continuava a sua política expansionista na Europa, sendo o alvo desta vez a Lituânia e uma faixa de terra que lhe tinha sido dada após a Primeira Guerra Mundial: Memel e o seu porto. A 20 de março, cinco dias após a invasão sem qualquer resistência do que restava da Checoslováquia, Hitler faz um ultimato à Lituânia para cedesse de imediato essa faixa de terra. Sem esperar por uma resposta, Hitler inicia viagem pessoalmente para tomar controlo a Memel. Para Estaline isto representava um perigo real de Hitler iniciar agora uma expansão para os países bálticos, que ele considerava na órbita de influência da União Soviética, para além do facto de, caso Hitler iniciasse uma anexação destes países, a Alemanha se aproximar demasiado do coração da Rússia, nomeadamente de Leningrado ou mesmo de Moscovo.

Pelo fim do mês, os britânicos tinham finalmente mudado de estratégia e assumido o perigo que representava o expansionismo alemão, que teria de ser enfrentado e não apaziguado, após rumores de um ataque iminente alemão à Polónia e à Roménia. A 31 de março, o Reino Unido e França comprometiam-se a garantir por completo a independência da Polónia. Com esta garantia Estaline tinha tido uma vitória sem nada ter feito por isso. Isto significava que caso a Alemanha atacasse a Polónia, o Reino Unido e França teriam de entrar em guerra em defesa da Polónia, o que significava que Hitler teria de dedicar as atenções à frente ocidental e não à União

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 35 Soviética. Isto daria bastante tempo a Estaline para aumentar as defesas da URSS, enquanto se mantinha afastado da guerra. Mas não só, a garantia da independência da Polónia pelas potências capitalistas liberais significava que a União Soviética era agora cobiçada pelos dois lados em oposição, já que nenhum destes queria a União Soviética contra eles. Os britânicos estavam conscientes deste perigo e consideravam que com esta garantia, a posição natural dos soviéticos seria então de se manter afastada. Estaline estava portanto numa posição muito confortável e com uma grande margem de manobra para atingir o melhor acordo para a União Soviética. Apesar disso, devido à personalidade naturalmente desconfiada de Estaline das intenções reais de ambos lados, ele ainda temia um acordo final entre o Reino Unido e Alemanha o que significaria uma alteração em 180 graus da posição da União Soviética. Enquanto agora estava aparentemente numa posição confortável, caso esse acordo se desse, a Alemanha tinha o caminho aberto para uma guerra com a União Soviética e atingir o seu objetivo final.

De modo a evitar que isso acontecesse, a 14 de abril, o embaixador soviético em Londres, Ivan Maisky comunicou a Lord Halifax, o Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, que a União Soviética estava pronta a iniciar conversações para fazer parte de uma garantia conjunta da Roménia. Halifax não pretendia algo do género. Queria antes uma declaração unilateral soviética de apoio à Roménia como modo de dissuasão de um ataque alemão a esse país. Tal era também rejeitado pela União Soviética que não queria “tirar as castanhas do lume” aos outros países. O objetivo permanecia o da segurança coletiva.

O modo de negociação dos soviéticos era bastante rígido, não dando qualquer mostra de cedências ao lado contrário, pelo que Litvinov recomendou que a União Soviética começasse a mostrar algumas cedências para que um acordo pudesse ser alcançado. Por esta altura, no entanto, Litvinov já não se encontrava nas boas graças de Estaline e do Politburo, após as tentativas completamente frustradas da União Soviética em transpor o conceito de segurança coletiva para um acordo concreto com a França e Reino Unido. As propostas de Litvinov tinham ainda de passar por uma

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 36 avaliação prévia do Politburo antes de serem transmitidas oficialmente. Foi o que se passou com a resposta soviética à proposta britânica de 14 de abril. Quatro dias depois, dia 18, a resposta foi dada com oito artigos, três dos quais não negociáveis:

1. Os três países teriam de concluir um acordo de 5 a 10 anos onde garantiam dar assistência mútua, incluindo assistência militar, em caso de agressão na Europa contra qualquer um dos três;

2. Os três países dariam ajuda, assistência militar incluída, aos países da Europa Oriental entre o Báltico e o Mar Negro que fizessem fronteira com a União Soviética, em caso de agressão a algum deles;

3. Os três países negociariam e concluiriam o mais brevemente possível um acordo no conteúdo e forma da assistência militar a ser dada segundo as suas obrigações.

Estas propostas não foram recebidas calorosamente pelos britânicos, que, como demonstrado no passado, tinham sérias dúvidas quanto a uma aproximação concreta à União Soviética. A 29 de abril, onze dias depois, Halifax, numa reunião com Maisky, afirmava que ainda não tinham uma resposta às propostas soviéticas. Por seu lado, os franceses estavam mais recetivos à proposta soviética, à exceção da cláusula relativa aos países bálticos.

Estaline, não deixava de jogar nos dois campos. Desde os Acordos de Munique que as duas opções de aproximação ao Reino Unido e França ou Alemanha estavam em cima da mesa, pelo que continuava a estudar as duas hipóteses. A 21 de abril, Estaline pergunta ao seu embaixador em Berlim, Merekalov, se os alemães começarão uma guerra ou não com a União Soviética. A resposta dada pelo Merekalov foi mais que clara. Os alemães atacariam a Polónia no Outono de 1939, aproximando a Alemanha da fronteira soviética. Os alemães tentariam então assegurar a neutralidade alemã enquanto lidavam com a França, para depois, quando a França estivesse

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 37 subjugada, iniciariam um ataque à União Soviética num espaço de dois ou três anos54. A resposta britânica continuava a não chegar, até que na noite de 3 de maio, o embaixador britânico em Moscovo, William Seeds, comunicava a Litvinov que o Reino Unido ainda não tinha chegado a uma decisão. Assim que a manhã chegou, Litvinov foi informado que tinha sido afastado do seu cargo. O homem a substituir-lhe seria Vyacheslav Molotov, um opositor interno seu.

O afastamento de Litvinov era uma demonstração também de uma alteração de política externa no futuro. As tentativas de Litvinov em assegurar uma aliança com o Reino Unido e França, inseridas numa lógica de segurança coletiva, tinham falhado a toda a linha, pelo que se impunha uma mudança de política definitivamente. Para Anthony Read e David Fisher, o facto de Litvinov ser um forte apoiante de uma aliança com as potências capitalistas liberais, mas também o facto de ele ser judeu, era um sinal muito forte de Estaline a Hitler que ele estava pronto a aceitar propostas para um acordo55. Hitler, por sua vez, compreendeu claramente a mensagem de Estaline. Num comentário mais tarde aos seus generais comentou que o sinal lhe tinha atingido “como uma bala de canhão. A demissão de Litvinov foi decisiva.”56. Quando recebeu a notícia, Hitler deu ordens a Joseph Goebbels para parar com qualquer propaganda contra a União Soviética57. Neste momento, e tal como tinha acontecido após os Acordos de Munique, Estaline estava cada vez mais consciente do perigo que corria ao dedicar-se quase exclusivamente à aproximação das potências capitalistas liberais.

Documentos relacionados