• Nenhum resultado encontrado

O pacto germano-soviético: a política externa soviética vista de uma perspectiva do realismo ofensivo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O pacto germano-soviético: a política externa soviética vista de uma perspectiva do realismo ofensivo"

Copied!
84
0
0

Texto

(1)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 1

Introdução

À saída da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha e a União Soviética encontravam-se numa situação semelhante de isolamento internacional, afastadas do sistema pelas potências vencedoras da Grande Guerra e severamente punidas pelos tratados de paz que se seguiram à sua derrota. Para o objeto deste trabalho, importa localizar as suas perdas na Europa Oriental. A Alemanha, por um lado, viu o seu território nacional ser separado em dois com o estabelecimento de uma Polónia independente e com a criação de um corredor terrestre que lhe dava acesso ao Mar Báltico, o corredor de Danzig. A própria cidade de Danzig, outrora alemã, ficou sob a proteção da Sociedade das Nações como uma cidade semiautónoma. Por outro lado, a União Soviética, ainda Rússia Soviética na altura, perdeu os territórios da Finlândia, Letónia, Estónia, Lituânia, Bielorrússia e Ucrânia. À exceção da Ucrânia que integrou em 1922 a União, todos os outros países ganharam a independência com a derrota alemã. A juntar às perdas territoriais, ambos os países não foram convidados a integrarem a recém-criada Sociedade das Nações, confirmando o seu isolamento internacional, isolamento esse que ia para além do plano político e diplomático.

O quadro que se apresenta assim é ilustrativo da situação adversa e idêntica que os dois países tiveram de enfrentar à saída da Primeira Guerra Mundial. Não será de estranhar, portanto, que os dois países tenham sentido a necessidade de uma aproximação mútua de modo a poderem abandonar o seu isolamento, ainda que parcialmente. O primeiro grande marco dessa aproximação deu-se com a assinatura do Tratado de Rapallo em 1922, onde as duas partes restabeleceram plenamente as suas relações diplomáticas que tinham sido interrompidas desde 1918, resolveram as pretensões mútuas, assim como marcou o início de um aumento significativo nas trocas comerciais entre os dois países, revestido de maior importância dada a falta de trocas com as potências ocidentais. Estas trocas comerciais mantiveram-se constantes e relevantes até à ascensão ao poder na Alemanha do partido Nazi e de Hitler que ditou uma quebra significativa de qualquer tipo de relações entre a Alemanha e a

(2)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 2 União Soviética, tanto a nível económico como diplomático. As trocas comerciais baixaram para níveis simbólicos, quebrando assim a tendência que se tinha sentido durante a década de 20 de aproximação diplomática, económica e militar, entrando-se assim num novo ciclo de relações frias entre dois países ideologicamente antagónicos que só um realismo político verificado nas duas partes, assim como renitências do Reino Unido e França, puderam pôr fim em 1939.

Antes de se passar ao relato dos acontecimentos que levaram ao pacto e a uma análise mais profunda das intenções e decisões tomadas pelos decisores políticos envolvidos em todo o processo, é importante deixar apontadas as motivações dos dois mais importantes políticos envolvidos nesta questão. São eles Adolf Hitler, líder e fundador da Alemanha Nazi e Josef Estaline, líder da União Soviética.

Hitler e a ideologia nazi tinham objetivos bastante claros e definidos para a política externa alemã. Um dos principais conceitos era o do Lebensraum, ou a necessidade da Alemanha de novos territórios onde a sua crescente população se pudesse instalar, assim como a necessidade das matérias-primas necessárias para o desenvolvimento do país. Associada a essa expansão territorial estava ainda o desejo de unir os alemães que não se encontravam na Alemanha, os Auslandsdeutsch, mas antes disseminados por uma série de países vizinhos, alguns deles com comunidades alemãs significativas. Este conceito do Lebensraum estava intimamente ligado a um outro termo, o Drang nach Osten, que significava a necessidade do povo alemão em se expandir para Leste, para terras eslavas. Estes conceitos foram usados por Hitler no seu livro Mein Kampf onde ele defendia claramente a necessidade de expansão para o Leste, nomeadamente para a Rússia, não só pela expansão territorial, mas também pela grande necessidade de matérias-primas que a Alemanha tinha, matérias-primas essas que a Rússia era rica. Outro dos objetivos maiores da política externa nazi era a necessidade de fazer justiça pelas condições impostas à Alemanha após a sua derrota na Primeira Guerra Mundial. Hitler considerava que a Alemanha tinha sido humilhada pelas potências vencedoras e pretendia trazê-la mais uma vez para a primeira linha das nações, não só ao lhe restituir os territórios perdidos, mas em termos de transformar

(3)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 3 por completo o sistema internacional em vigor que era absolutamente incompatível com seus intentos. Finalmente, associada à ideologia nazi estava a luta contra o comunismo, que aliás era recíproca, que Hitler julgava ser uma criação do povo judeu.

Estaline, por seu lado, estava à frente de um país que, como já foi referido, também tinha sofrido as suas perdas após a Primeira Guerra Mundial, mas que se encontrava já numa situação interna bastante mais pacificada quando comparada com os primeiros anos da revolução bolchevique. O objetivo máximo de Estaline era a segurança das fronteiras da União Soviética. E ele tinha a profunda convicção que a União Soviética estava absolutamente cercada de inimigos, pelo que só poderia contar com ela mesma para assegurar esse objetivo. A ascensão ao poder de Hitler só veio aprofundar ainda mais essa noção. Por um lado, as potências capitalistas ocidentais procurariam desestabilizar a União Soviética sempre que houvesse oportunidade, por outro lado a Alemanha nazi e o seu profundo ódio pelo comunismo não poderia ser tolerada. Aos olhos de Estaline, estes dois lados estavam em pé de igualdade em termos de perigo para a segurança do país. No entanto, acompanhado desta convicção de absoluto isolamento internacional e consciência que a União Soviética só poderia contar com ela mesma, estava também um lúcido pragmatismo. O processo lógico de Estaline para a política externa não estava toldado por um fundamentalismo ideológico. Na política externa soviética esta convicção não se traduzia num isolamento da União Soviética ou abstração do que se passava a nível internacional. Ao invés disso, Estaline interagia com os diferentes lados consoante as mais-valias que isso trouxesse para o seu país de modo a assegurar o máximo de benefícios possível para o seu país.

Para a segurança das fronteiras da União Soviética era também necessário dar uma especial atenção aos territórios que a circundavam. Na Europa, isso significava uma zona territorial que ia desde a Finlândia até à Roménia. Como se verá mais à frente, esta noção da segurança das fronteiras será o eixo através do qual toda a política externa de Estaline nos anos finais da década de 30 seguirá. Nomeadamente na criação de zonas de influência e de um perímetro de defesa que circundava as

(4)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 4 fronteiras da União Soviética de modo a que permitissem uma margem de manobra maior na defesa do país afastando o mais possível o perigo estrangeiro. Enquanto este era o objetivo máximo de Estaline, o facto de a União Soviética ter perdido uma parte significativa dos seus territórios europeus com a paz separada de Brest-Litovsk de 1918 tinha também um peso nas motivações de Estaline. A opção de os recuperar não estava, de modo nenhum, posta de parte. Se tal se demonstrasse possível, seria um objetivo a ser perseguido.

Ao longo deste trabalho tentar-se-á encontrar a resposta para a questão de se a política externa soviética, nos anos que antecederam a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop, respeitou e seguiu os princípios propostos pela teoria do realismo ofensivo.

(5)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 5

O Realismo Ofensivo

A teoria do realismo ofensivo, uma teoria inserida na escola realista das Relações Internacionais, foi desenvolvida por John Mearsheimer no seu livro “The Tragedy of Great Power Politics”. Como teoria realista que é, partilha com o realismo clássico diversos elementos, como a assunção de que o sistema internacional é anárquico, que não há qualquer entidade supranacional que gira os conflitos que surgem entre os estados. Contudo diverge em alguns pontos, especificamente nas causas que levam as grandes potências, o alvo focado da teoria por serem as grandes potências que maior capacidade possuem em afetar a política internacional e como ela se desenvolve, a agir da forma que agem. Uma dessas divergências é a de que o que molda a ação dos estados não é a natureza humana e a sua inerente vontade de poder, como Morgenthau defendeu, mas antes o desejo dos estados em garantirem a sua segurança1. E para atingir a sua segurança, os estados agem agressivamente no plano internacional, tentando ganhar mais poder às custas de outros estados pois, com um aumento de poder, aumenta também a sua segurança e aumentam as suas hipóteses de sobrevivência.

O realismo ofensivo afasta-se também de outra corrente realista, a do realismo defensivo, na medida em que, apesar de considerar, como o realismo defensivo, que o objetivo máximo dos estados é garantir a sua segurança e sobrevivência, os meios que usam para o atingir são diferentes. O realismo defensivo sustenta que os estados procuram manter o equilíbrio do poder, sem buscar mais poder para garantir a sua segurança, não desestabilizando assim o sistema internacional. O realismo ofensivo, por outro lado, defende que o facto de um certo estado ter garantida a sua segurança num determinado momento não será suficiente para travar a sua busca por mais poder. O facto de o amanhã ser uma incógnita, assim como os desejos dos estados com quem partilha a “arena internacional”, faz com que os estados não se contentem com um nível mínimo de segurança. Como já referido, maior poder significa

1

MEARSHEIMER, John J. – The Tragedy of Great Power Politics. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 2001 (p.21)

(6)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 6 automaticamente uma maior probabilidade de sobrevivência pelo que estes devem lutar sempre por esse poder, se possível até à hegemonia global.

No entanto, devido à barreira física que representam grandes massas de água, a probabilidade de algum estado alguma vez vir a atingir a hegemonia global é muito escassa. Nem mesmo os Estados Unidos, o “primeiro hegemónico regional da era moderna”2, teve intenções de conquistar territórios na Ásia ou Europa. Dada esta impossibilidade, o autor defende que os estados procuram antes atingir o estatuto de hegemonia regional e, assim que o conseguem, devem impedir que outros estados atinjam igualmente esse estatuto. E para o conseguirem têm à sua disposição uma série de estratégias que o autor desenvolve, que mais à frente serão abordadas.

Em segundo lugar, é também do interesse dos estados maximizar a sua riqueza e aumentar o seu peso no total da riqueza mundial3. E fazem-no porque riqueza, ou poder económico, permite-lhe construir umas forças armadas que lhes deem a capacidade de perseguir os seus objetivos de política externa. Isto significa que eles devem procurar eles mesmos aumentar o seu poder económico, mas também evitar que os seus adversários façam o mesmo, ao impedir que estes controlem zonas ricas do globo4.

Em terceiro lugar, os estados procuram aumentar o poder das suas forças terrestres, ou exércitos, assim como a marinha e força aérea como suporte a esses exércitos5.

Em quarto e último lugar, os estados procuram uma vantagem nuclear sobre os seus adversários. Apesar de este requisito ter hoje em dia uma grande importância na política internacional, no espaço temporal abordado neste trabalho a bomba nuclear ainda não tinha sido desenvolvida, pelo que a sua observação não poderá ser efetuada. 2 Op. Cit., p.141 3 Op. Cit., p.143 4 Op. Cit., p.144 5 Op. Cit., p.145

(7)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 7 Em resumo, Mearsheimer oferece cinco fundamentos com os quais sistematiza o realismo ofensivo6:

1. O sistema internacional é anárquico, isto é, o sistema é composto por estados soberanos que não têm qualquer autoridade central sobre eles. Não há qualquer organismo supranacional com capacidade de limitar a ação dos estados;

2. As grandes potências possuem capacidade militar ofensiva que lhes dá a capacidade de infligir nos outros estados danos, com possibilidade de destruição dos mesmos;

3. Os estados não têm, nem podem ter, a certeza sobre as intenções dos outros estados. Mais concretamente, não podem ter a certeza que outro estado não use a sua capacidade ofensiva militar contra si. Além disso, o que hoje é certo amanhã poderá deixar de ser, pelo que uma postura descontraída relativamente a estados cujos interesses possam ser partilhados durante um período de tempo, não garanta que se perpetue no tempo;

4. A sua sobrevivência é o primeiro objetivo de qualquer estado. Tem por objetivo a integridade das suas fronteiras e a autonomia da sua ordem política interna;

5. As grandes potências são atores racionais. Agem de uma determinada forma, sabendo que a forma como agem afeta o comportamento dos outros estados e vice-versa.

Estes são os cinco princípios basilares da teoria realista ofensiva que, quando conjugados, fazem com o que os estados assumam posturas agressivas.

Enquanto estes princípios se aplicam aos estados em geral, outros conceitos importantes ajudam a compreender a política de Estaline no período de 1933, ano da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, até 1939. A União Soviética foi uma grande

(8)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 8 potência que durante este período, sob a política externa de Estaline, foi um bom exemplo da ação de um estado numa lógica que se insere no realismo ofensivo. Estes outros princípios tornar-se-ão claros ao longo das próximas páginas enquanto os eventos forem relatados.

(9)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 9

Estratégia para aumentar o poder

Segundo o autor, os estados possuem vários mecanismos ou estratégias para aumentar o seu poder relativo. Entre estes encontram-se a guerra, a chantagem, o bait

and bleed e, por último, o bloodletting que é uma variante do bait and bleed.

Guerra

A guerra é a estratégia principal usada pelos estados para aumentar o seu poder, mas também a mais controversa devido aos danos não só materiais que provoca, mas também humanos, sociais, etc.. Mearsheimer opõe-se à ideia de que a guerra não compensa. Segundo ele, esta ideia de que a guerra é uma iniciativa que em última análise traz aos seus intervenientes mais consequências negativas do que positivas assenta em quatro pressupostos: o primeiro é o de que todos os intervenientes acabam por perder a guerra. Ele nega-o ao dar vários exemplos de guerras iniciadas por estados que acabaram por ter efeitos positivos ao estado que a iniciou. Segundo um estudo referido por si, de 1815 a 1980 foram iniciadas 63 guerras, onde em 39 dessas 63 guerras o estado que abriu as hostilidades acabou por vencer7. Um desses exemplos que tem ligação direta com o tema deste trabalho é a guerra iniciada pela Alemanha contra a Polónia em 1939, onde a primeira conseguiu conquistar a segunda com enorme sucesso8.

O segundo pressuposto assenta na ideia de que devido à proliferação da bomba nuclear, é praticamente impossível grandes potências iniciarem uma guerra entre si. O autor defende que apesar de tornar a guerra entre grandes potências menos provável, não elimina por completo essa possibilidade9.

O terceiro e quarto pressupostos aceitam o facto de que as guerras podem ser ganhas, mas a grande custo. Quer a nível económico, quer a nível dos benefícios de guerra. A nível económico é argumentado que o preço de criar e manter um império é

7 Op. Cit., p.39 8

Idem

(10)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 10 muito alto já que para o atingir é necessário ter níveis elevados de despesa militar o que a longo prazo acaba por comprometer a competitividade económica dos países. A nível dos benefícios da guerra, estes acabam por ser curtos e o estado vitorioso nunca acaba por gozar completamente as suas conquistas a nível económico devido aos nacionalismos que acabam sempre por existir o que torna a missão de controlar as populações locais muito difícil, especialmente na era da informação. A resposta poderia ser a repressão, mas isso por sua vez provoca reações violentas10. A resposta de Mearsheimer à primeira argumentação é a de que, em muitos casos, é verdade é que a diferença entre os custos e os benefícios é muito curta, pelo que nesses casos iniciar uma guerra não será aconselhável. Contudo, há casos históricos que vão contra esta argumentação, como é o caso dos Estados Unidos da América na primeira metade do séc. XIX e da Prússia entre 1862 e 1870. Para além disso, o facto de um estado gastar muitos recursos económicos em orçamentos de defesa significar perda de competitividade económica não é necessariamente verdadeiro. Os Estados Unidos desde 1940 têm investido grandes quantidades nas suas forças armadas continuamente, não obstante, possuem a maior economia mundial. Por outro lado, o Reino Unido possuiu durante o séc. XIX um império que se estendia globalmente e apesar de eventualmente ter perdido competitividade económica, poucos economistas associam esta perda ao investimento militar11. Referindo-se ao caso que poderá ser mais ilustrativo da correlação direta entre investimento militar excessivo e declínio económico da União Soviética nos finais da década de 1980, Mearsheimer afirma que não é unânime a ideia que as duas coisas estão interligadas.

Relativamente ao segundo ponto, o dos escassos benefícios proporcionados por uma guerra Mearsheimer volta novamente a negar a sua validade. Afirma que a riqueza de um território pode ser extraída através de impostos, confiscação da produção fabril ou mesmo das próprias instalações fabris, dos recursos naturais (como petróleo)12’13. Referindo-se concretamente ao aspeto da facilidade ao acesso à

10 Op. Cit., p. 148 11

Op. Cit., p.149

(11)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 11 informação e à rápida expansão desta, Mearsheimer faz referência a um estudo que sustenta que as novas tecnologias apesar de terem um potencial subversivo, tornam a coerção e repressão de movimentos contra a ocupação mais fácil14.

Mearsheimer, no entanto, refere que mesmo que se aceite a ideia de que a conquista de um território não é lucrativa há três outras formas de um estado agressor vitorioso alterar a balança do poder a seu favor15:

1. Usar parte da população do estado ocupado no seu exército ou em trabalho forçado. Casos da França Napoleónica ou Alemanha Nazi, por exemplo;

2. Conquista de faixas de território que possam ser usadas estrategicamente. Quer como zonas tampão contra possíveis agressões ou que serviam como ponto de partida para um futuro ataque. Casos como o ataque da União Soviética à Finlândia em 1939-40 ou o ataque à Polónia pela Alemanha Nazi em 1939.

3. Uma guerra pode servir para provocar tantos danos a outro estado que lhe retire o estatuto de grande potência. Por outro lado, o estado agressor pode anexar o estado derrotado, desmilitarizá-lo, desmantelar a sua capacidade produtiva ou dividi-lo em vários outros estados menores.

Chantagem

Um segundo meio que os estados têm à sua disposição para aumentar o seu poder é ameaçando o uso das forças militares caso as suas reivindicações não sejam acedidas. A vantagem deste meio é a de que um estado pode atingir os objetivos a que se propôs sem os custos associados a uma guerra. Contudo, é improvável que o uso destas estratégias promova grandes alterações na balança do poder, já que as grandes

13 Op. Cit., p.150

14

idem

(12)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 12 potências têm meio militares de aproximado poderio. Deste modo, esta estratégia funcionará apenas com estados de menor poderio16. A título de exemplo, a Alemanha Nazi conseguiu com que o Reino Unido e a França aceitassem que esta anexasse os Sudetas. Segundo o autor, deste caso notou-se uma alteração da balança do poder17.

Bait and Bleed

A terceira estratégia disponível aos estados para aumentarem o seu poder consiste num estado x provocar uma guerra prolongada entre dois outros estados rivais de modo a que esses estados se desgastem entre si, enquanto o estado x assiste ao confronto intacto18. Contudo, esta estratégia tem uma série de dificuldades. A primeira é a dificuldade em empurrar dois estados rivais a iniciarem uma guerra entre si, especialmente uma guerra que ambos não querem combater. Em segundo lugar, há o risco de ambos os estados perceberem que estão a ser empurrados para uma guerra entre si por um terceiro estado rival, com todos as complicações associadas a essa descoberta que esse terceiro estado terá. Por último, há também a possibilidade de um dos estados empurrados para a guerra conseguir vencer a guerra de uma forma decisiva e rápida, o que significará que em vez de perder poder, ganhará. Neste caso, o estado que os empurrou para uma guerra em primeiro lugar ficará numa posição mais fragilizada do que a que tinha à partida19.

16 Op. Cit., p.152 17 Op. Cit., p.153 18 Idem 19 Op. Cit., p. 154

(13)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 13

Bloodletting

Por último, a estratégia de bloodletting, como referido atrás, uma variante do

bait and bleed, o objetivo é certificar-se que uma guerra em que um rival, ou mais,

esteja envolvido se prolongue e lhe custe o máximo possível. Neste caso, o estado que prossegue esta estratégia (o bloodletter) não toma a iniciativa para provocar uma guerra no rival, mas certifica-se somente que essa guerra já previamente iniciada independentemente se prolonga no tempo.

(14)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 14

Estratégias para suster agressores

Para além dos estados seguirem estratégias que lhes permitam aumentar o seu poder relativo, de modo a alcançarem o maior poder possível têm também de se certificar que os seus rivais não ganham também eles poder. Geralmente, os elevados orçamentos militares das grandes potências são suficientes para dissuadir outro estado a procurar aumentar o seu poder às custas de outras grandes potências, contudo o aparecimento de potências revisionistas que procuram desestabilizar a balança de poder exige uma resposta que pode vir de duas formas: através do

balancing ou através do buck-passing20.

Balancing

Com esta estratégia os estados tomam para si a responsabilidade de garantir o equilíbrio do poder impedindo a potência revisora de o desestabilizar. O estado que assume essa responsabilidade tem à sua disposição três formas de garantir o statu quo21:

1. Utilizará todos meios diplomáticos à sua disposição e tornará claro que, se necessário, entrará em guerra para o garantir. A tónica da sua ação passa pela confrontação em vez da conciliação, e faz com que fiquem claros os limites até onde evitará entrar em guerra com o estado agressor, após a transgressão destes não se inibirá de iniciar uma guerra para garantir o statu quo22;

2. Os estados ameaçados podem garantir alianças defensivas que garantam uma ação comum contra o potencial estado agressor. Esta ação denominada de external balancing23, é limitada num sistema bipolar já que não existem mais grandes potências com quem fazer

20 Op. Cit., p. 155 21 Op. Cit., p. 156, p. 157 22 Op. Cit., p. 156 23 idem

(15)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 15 alianças, sendo possível, no entanto fazer alianças com potências menores. O apelo desta estratégia é que, com a criação de uma aliança, tanto os custos e riscos de contestar as intenções do estado agressor são divididos, especialmente em caso de guerra, como aumentam a sua capacidade militar relativamente à do agressor. Contudo, esta estratégia tem os seus contras, nomeadamente a lentidão e dificuldade que se sente com estas alianças defensivas, tanto na sua criação, como na sua aplicação quando necessárias dado o natural aparecimento de conflito de interesses entre os estados signatários;

3. Por último, os estados podem mobilizar recursos próprios para aumentarem o seu poder, seja através de aumento do orçamento de defesa ou aumento do recrutamento. Em oposição ao external

balancing, esta estratégia é conhecida como internal balancing24. Contudo, o grau de aumento de poder que uma grande potência pode sentir com o internal balancing é limitado, uma vez que as grandes potências já despendem elevadas quantias nos seus orçamentos de defesa.

Buck-Passing

Esta estratégia consiste em colocar a responsabilidade de contrariar o estado agressor num outro estado, esperando que este o faça individualmente. Deste modo, o estado que passa essa responsabilidade pode permanecer numa posição sem risco, enquanto o outro corre todos os riscos. Isto pode ser feito de quatro formas25:

1. O buck-passer26 procura cair nas boas graças do agressor ou, se tal não for possível, não o provocar de modo a que este centre as suas atenções noutro estado;

24 Op. Cit., p. 157

25

Op. Cit., p. 158

(16)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 16 2. O passer procura manter uma relação distante com o

buck-catcher26 de modo a que a sua relação com o estado agressor não sofra quaisquer revezes desnecessários, mas também para que não seja envolvido numa guerra ao lado do buck-catcher.

3. Procurando manter um elevado orçamento de defesa de modo a que os estados olhem para o buck-passer como um adversário poderoso e não como um estado que não teria capacidade de se defender de uma forma eficaz, tornando-se assim num apetecível alvo. Por outro lado, é aconselhável um investimento elevado nas suas forças armadas de modo a ter condições de se defender caso o “buck”, isto é, a responsabilidade de contrariar o estado agressor, caia sobre si. Quer sendo o primeiro alvo do agressor, quer sendo após uma vitória decisiva deste sobre o buck-catcher.

4. Numa alusão ao bait and bleed referido nas estratégias para aumentar o próprio poder, a quarta forma pressupõe que o buck-catcher permita ou promova o aumento do poder do buck-buck-catcher de modo a que, caso uma guerra seja iniciada com o estado agressor, este tenha boas condições de dividi-la com o agressor e portanto prolongá-la o máximo tempo possível.

O realismo ofensivo de Mearsheimer proíbe o uso de duas estratégias possíveis aos estados: o apaziguamento e o bandwagoning27. Isto deve-se ao facto de na base destas duas estratégias estar a concessão de poder a um estado agressor28. Na estratégia do apaziguamento, o estado ameaçado faz concessões ao estado agressor que ameaçam a balança do poder, nomeadamente territoriais, quer seja parte do território ou a sua totalidade29. Com isto, o estado ameaçado procura apaziguar de tal modo o estado agressor que este acabe com os seus intentos expansionistas. Com o

27

Mearsheimer define bandwagoning da seguinte forma: “Bandwagoning happens when a state joins forces with a more powerful opponent, conceding that its formidable new partner will gain a

disproportionate share of the spoils they conquer together.” Op. Cit., p. 162, 163

28

Op. Cit., p. 162

(17)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 17

bandwagoning o estado ameaçado procurar aliar-se ao estado agressor mais

poderoso, procurando com isso recolher alguns dos despojos de guerra27. Nesta segunda estratégia de concessão voluntária de poder, o estado não tem qualquer intenção de contrariar o estado agressor, ao contrário do apaziguamento30.

O termo bandwagon foi popularizado por Kenneth Waltz no seu livro “Theory of International Politics”. Nele, Waltz aplica o termo principalmente para a política interna num contexto eleitoral, mas não só. Também o faz relativamente à política externa dos estados, onde a sua adoção por estes produz os efeitos propostos por Mearsheimer, isto é, ganhos para estados que, caso se mantivessem afastados das maiores potências, só sairiam a perder: “(…)bandwagoning is sensible behavior where gains are possible even for the loser and where losing does not place their security in jeopardy. Externally, states work harder to increase their own strength, or they combine with others, if they are falling behind. In a competition for the position of leader, balancing is sensible behavior where the victory of one coalition over another leaves weaker members of the winning coalition at the mercy of the stronger ones”31.

30 “Unlike the bandwagoner, who makes no effort to contain the aggressor, the appeaser remains

committed to checking the threat.”, op. cit., p. 163

31

WALTZ, Kenneth – Theory of International Politics. Massachusetts. Addison-Wesley Publishing Company, 1979 (p.126)

(18)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 18

Enquadramento

Estrutura do poder soviético

A subida ao poder de Estaline determinou uma alteração da estrutura política interna da União Soviética. Estaline trouxe consigo uma forma diferente de tomar decisões políticas e isso teve reflexo na forma como a União Soviética abordou a ameaça nazi e a resposta que lhe deu. De igual maneira, a forma como Estaline ascendeu ao poder foi determinante como, nos anos de consolidação do seu poder, alterou esta estrutura política herdada de Lenine e, assim, transformou a estrutura política soviética à sua volta e forma que orbitasse sob a sua pessoa.

O órgão máximo da estrutura política soviética era o Politburo, criado em 1919. Os seus membros eram eleitos pelo Comité Central do Partido Comunista da União Soviética e reportavam ao Comité Central e ao congresso do Partido, sendo composto por dez membros permanentes e três candidatos. Em 1932, era constituído pelo Secretário-Geral, Estaline, o presidente do Sovnarkom32, o presidente do TsIK URSS33, três representantes do partidos locais, o diretor do Gosplan34 e os diretores dos comissariados da Defesa, Indústria Pesada e Transportes Ferroviários. A sua ação centrava-se em seis áreas centrais: política externa, defesa, segurança interna, indústria pesada, agricultura e transportes.

A regularidade com que este órgão se reunia em 1923, ano em que Estaline foi Secretário-Geral na totalidade35, era elevada. No total, o Politburo reuniu-se 80 vezes nesse ano, o recorde registado durante todo o mandato de Estaline até à sua morte, tendo decrescido regularmente desde então. Em 1928, reuniu 53 vezes, em 1933 24 vezes e em 1939, ano da assinatura do pacto, 2 vezes apenas, com um recorde mínimo de decisões tomadas, quatro36´37. Esta redução de sessões tem duas razões principais,

32 Conselho dos Comissariados do Povo. 33

Comité Central Executivo da União Soviética.

34 Órgão responsável pelos planos quinquenais. 35 Ascendeu a Secretário-Geral em novembro de 1922. 36

REES, E. A., The Nature of Stalin’s Dictatorship: the Politburo, 1924-1953. Hampshire. Palgrave Macmillan. 2004. (p.27)

(19)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 19 a primeira é que em 1933 o Politburo foi transformado num órgão consultivo apenas. O esvaziamento do poder do Politburo foi algo que ocorreu gradualmente ao longo das décadas de 1920 e 1930, com diversas alterações ao seu funcionamento que foi sofrendo. Isto deveu-se à segunda razão pelas quais o Politburo viu o número de sessões decrescer: a centralização do poder na pessoa de Estaline. Molotov justificou a violação dos procedimentos democráticos como uma contrapartida para uma rápida resolução dos problemas38. De facto, esta rápida resolução dos problemas teve frutos relativamente à ratificação do pacto, tendo esta sido concluída de uma forma muito diligente.

O Orgburo e o Secretariado foram criados igualmente em 1919, como órgãos equiparados, em termos de poder, ao Politburo. Contudo, este último ganhou predominância sobre os primeiros. O Secretariado era o ramo executivo do Politburo e do Ogburo e encarregado de se certificar que as resoluções votadas eram aplicadas. À semelhança do Politburo, as sessões realizadas por este órgão político também foi decrescendo ao longo das décadas de 20 e 30. Como exemplo, o Ogburo reuniu-se 44 vezes em 1928, sendo que em 1937 reuniu-se 6 vezes, tendo uma ligeira subida nos três anos seguintes. O Secretariado, por sua vez, sofreu a maior quebra. Em 1928, reuniu 43 vezes, tendo deixado de reunir por completo em 1936. De referir também que, de 1928 a 1940 só por três vezes Estaline assistiu às reuniões do Secretariado39.

O Comité Central Executivo tinha funções legislativas, de acordo com a Constituição. Era usado para conferir legitimidade às decisões políticas que emanavam dos órgãos governamentais, controlados pelo Partido40. O Sovnarkom, o Conselho dos Comissariados do Povo, estava intimamente ligado ao Politburo. Este órgão dedicava-se aos assuntos económicos, sociais e administrativos. Contudo, apesar de haver um comissariado para a política externa, esta era tratada diretamente pelo Politburo. Maxim Litvinov, que chefiou a política externa de 1930 a 1939 e esteve encarregado de 37 Em 1923, foram tomadas 1487 decisões.

38 Op. Cit., p.26 39

Op. Cit., p.32

(20)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 20 conter o expansionismo alemão durante a maior parte da década, antes da sua substituição por Molotov, sendo comissário para esse departamento da União Soviética pertencia, naturalmente, ao Sovnarkom. Contudo, uma vez que o Politburo assumia a responsabilidade direta da política externa, a posição de Litvinov estava naturalmente muito debilitada, pois tinha sempre de reportar ao Politburo as suas decisões tendo assim a sua liberdade de ação muito reduzida. Será muito importante ter este facto presente no relato e análise futuros dos eventos que decorreram antes da assinatura do pacto, uma vez que dará uma compreensão mais profunda da relação de forças que existia internamente no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Litvinov a juntar à relação de forças no plano internacional. À limitação natural do posto de Litvinov, há que juntar ainda o facto de o presidente deste órgão político, membro do Politburo como já referido, e assim, com direto acesso a Estaline, ser Vyacheslav Molotov com quem Litvinov não mantinha uma boa relação ou partilhava de ideais semelhantes quanto à linha que a política externa soviética deveria seguir. Nada menos que o seu sucessor na pasta dos negócios estrangeiros.

A centralização do poder por Estaline ocorreu de uma forma progressiva e constante. A consolidação do seu poder foi conseguida quer através da eliminação sucessiva dos seus opositores políticos quer através da manutenção de pessoas leais à sua volta. Em 1924, Estaline isolou a Oposição de Esquerda liderada por Trotsky no Comité Central. Em 1926/27, derrotou a Oposição Conjunta, na qual Trotsky tinha formado uma aliança com os antigos aliados de Estaline, Zinoviev e Kamenev. Em 1928/29, avançou contra os “direitistas” Rykov, Bukarine e Tomsky, derrotando-os. De acordo com vários historiadores, Estaline conseguiu esta centralização de poder e recorrente vitória sobre os seus opositores devido ao seu controlo do Secretariado, que lhe permitia controlar as delegações que participavam os congressos do Partido e, assim, controlar as discussões, assim como o processo de eleição do Comité Central41.

Esta consolidação do poder foi posta à prova, assim como a sua liderança, com o falhanço da política da coletivização e consequente enorme escassez de alimentos

(21)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 21 em 1932/33. Estaline sofreu críticas relativamente à sua ação no processo, tendo havido opositores que exigiram a demissão do líder soviético. No entanto, já não existiam mecanismos constitucionais para o derrubar42.

A par dos problemas internos da União Soviético, a ameaça externa também ajudava Estaline. O crescimento do Japão no Extremo Oriente e ameaça às fronteiras orientais soviéticas, assim como a subida de Hitler ao poder, em conjugação a crise da fome na população, empurrou os líderes soviéticos para um decréscimo de encontros nos diferentes órgãos políticos. A prática de expor e justificar políticas perante conselhos de responsáveis políticos foi sido abandonada, e assim os mecanismos de liderança coletiva e “accountability” coletiva desapareceram43, ao mesmo tempo que os membros dos órgãos políticos iam sendo povoados por apoiantes de Estaline. Por esta altura, o líder soviético tratava dos assuntos nacionais a partir do seu gabinete, com encontros privados com os responsáveis dos diferentes departamentos de governação, o que lhe dava um controlo incomparavelmente maior do que o que teria se tivesse de reunir através do Politburo.

Apoiado pelos seus braços-direitos e homens-fortes, Molotov e Kaganovich, Estaline delegava-lhes muitas funções. Contudo, esta delegação de poderes não lhe diminuía o poder. Como Rees refere de uma forma concisa através de quatro pontos44:

1. Estaline detinha muito mais poder que qualquer de um dos seus braços-direitos. Era o principal homem na União Soviética e o seu ideólogo; 2. Estaline tinha criado as suas carreiras, assim como dos restantes

membros do Politburo;

3. Pessoalmente, Estaline era muito mais implacável que os dois, ao mesmo tempo que ambos lhes tinham uma grande reverência. Não era uma relação entre iguais;

42 Op. Cit., p.40

43

Idem

(22)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 22 4. Estaline possuía outras formas de obter informação para além de

Molotov e Kaganovich.

Desta forma, Estaline controlava complemente a política interna soviética, pelo que é seguro afirmar que tudo que se passou de relevância durante o período tratado neste trabalho, foi feito com o seu conhecimento e consentimento.

Estrutura do poder nazi

A estrutura política da Alemanha Nazi não seguia normas constitucionais bem definidas, nem detinha um corpo de órgãos políticos que detinham, à semelhança de outro regime ditatorial como a União Soviética, uma série de competências pré-definidas e dos quais era esperada uma ação política específica. Pelo contrário, o regime nazi orbitava em volta de um homem, Adolf Hitler, o Führer. Ele representava sozinho o povo alemão e era esperado dele que liderasse o destino da nação alemã rumo à vitória.

Uma ideia central da sua aceção do poder era o Führerprinzip, no qual ele definia a autoridade de cada líder para baixo e responsabilidade para cima45. Este princípio baseava-se na aversão que Hitler tinha pelo processo democrático e pela decisão coletiva. Ele era defensor da liderança de um homem só, liderança essa que todos os inferiores tinham de respeitar e seguir.

A proliferação de organismos criados durante o reinado de Hitler, criação que o próprio apoiava, sem linhas demarcadoras entre si, isto é, sem competências próprias bem definidas e separadas, criou dentro do regime uma constante luta de forças entre os dirigentes nazis. Jeremy Noakes refere em “Nazi Germany”, numa citação de um membro do regime, que “uma característica da administração Nacional Socialista era que cada pessoa que se sentisse suficientemente forte fazia o que quisesse no seu setor e não se permitia a estar impedido por qualquer consideração por outras

(23)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 23 autoridades, competências, pessoas ou interesses”46. Como consequência desta anarquia vivida no regime, vários problemas internos surgiam como guerras entre organismos, o mesmo tipo de trabalho feito vários vezes, trabalho sem qualquer valor ou fim, falta de produtividade, entre outros problemas da mesma natureza.

Relativamente ao Reichstag, o parlamento alemão, o primeiro objetivo de Hitler era assegurar o controlo deste com o maior número possível de deputados nacional-socialistas. O meio que ele seguiu para atingir este fim foi através da convocação de eleições antecipadas para 1933. Durante o período eleitoral que se seguiu, Hitler, através do controlo da comunicação social e através de medidas excecionais que limitavam a ação dos adversários políticos através do seu posto de Chanceler atingiu o sucesso para o seu partido. O resultado foi um aumento de cerca de 11% em apenas quatro meses, passando de 33% nas eleições de novembro de 1932, para 43.9% em março de 1933. O passo seguinte foi a tentativa de aprovação da Lei da Concessão de Plenos Poderes, uma alteração constitucional que reduziria grandemente os poderes do parlamento e que permitiria ao Chanceler aprovar leis sem consultar o parlamento. Uma vez que o Partido Nazi ainda não possuía maioria, Hitler procurou a expulsão dos deputados comunistas do Reichstag, que foi conseguida depois do incêndio no Reichstag por um comunista, sob o pretexto de controlar os excessos do Partido Comunista da Alemanha, e ainda conseguido os votos do Partido do Centro, o que lhe garantia a maioria de dois terços necessária para a alteração constitucional. Esta foi conseguida e a lei promulgada.

Uma outra vertente muito importante do regime nazi eram os braços armados do Partido Nazi: as SS e as SA. A organização que detinha mais poder, as SS, sofreu uma evolução ao longo dos anos em que o Partido Nazi liderou os destinos da Alemanha. As SS eram constituídas por um conjunto de instituições, entre elas a política secreta, a Gestapo. Infiltraram-se em vários setores das sociedade alemã, tendo atingido enorme poder dentro da Alemanha. A título de exemplo, possuíam membros dentro do exército, organizavam os territórios conquistados e tomaram

(24)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 24 controlo dos campos de concentração, tendo sido responsáveis pelo extermínio dos judeus e outros alvos do ódio nazi.

À semelhança de Estaline, Hitler também consolidou o poder interno através da eliminação dos seus opositores políticos que seguiam a sua ideologia. A célebre Noite das Facas Longas marcou o assassinato de vários militantes nazis que não se alinhavam com Hitler, nomeadamente membros das SA, assim como seguidores do Strasserismo, uma vertente do nazismo que defendia diferentes formas de continuar a revolução nazi. A partir deste momento, o papel das SA perdeu grande parte da sua importância, tendo sido relegadas para um segundo plano relativamente às SS.

(25)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 25

Descrição dos eventos antecedentes à assinatura do pacto

Período de 1933 a 1938

A subida ao poder de Hitler deu início a uma nova era na relação entre a União Soviética e a Alemanha. O seu discurso inflamado contra o comunismo e a necessidade de uma expansão territorial para este era uma ameaça clara à segurança da União Soviética. No entanto, Estaline não tomou esta ameaça como séria logo em 1933, ano da subida ao poder de Hitler. Ao invés disso, ele acreditava que Hitler estava destinado ao fracasso e que a sua eventual saída do poder abriria caminho aos comunistas alemães. Tão convicto estava ele desse desfecho que ordenou ao partido comunista alemão e aos seus militantes que votassem no partido nazi47. Mas Estaline estava errado quanto à fragilidade ou incapacidade de Hitler em manter-se no poder. Ao longo dos anos seguintes, Hitler foi consolidando o seu poder pelo que era importante agora perceber que tinha vindo para ficar e Estaline tinha de agir em concordância.

Como referido na introdução, os objetivos da política externa nazi eram claros e públicos, já que Hitler tinha-os enunciado no seu livro Mein Kampf. Entre eles, a expansão territorial às custas da União Soviética era bem clara e Estaline estava consciente desse facto. Isto era mais perigoso para a segurança da União Soviética dado o facto de esta não estar em condições de fazer frente à Alemanha sozinha, ainda que por vezes Estaline quisesse passar essa imagem. Como Mearsheimer refere, as grandes potências temem-se a elas próprias e olham-se com grande suspeição, sempre preocupadas com as intenções perigosas, antecipando perigo, mesmo guerra48. Neste caso, este sentimento, por si só já natural entre os estados, era exacerbado em Estaline pelo facto das intenções de Hitler em expandir a Alemanha às custas da União Soviética estarem claras no livro que escreveu enquanto esteve na prisão. Além desse facto, Mearsheimer refere ainda que as grandes potências não são agressores cegos

47 FISHER, David, READ, Anthony – The Deadly Embrace: Hitler, Stalin, and the Nazi-Soviet Pact

1939-1941. Nova Iorque/Londres. W.W. Norton & Company, 1988 (p. 15)

(26)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 26 que procuram a destruição de outros estados a todos os custos sem qualquer análise das variantes em jogo. Eles entendem, como Estaline entendeu bem a situação que tinha em mãos, que só podem ganhar poder às custas dos adversários quando têm a capacidade para o fazer. Até lá, adiarão uma ação ofensiva, focando os esforços em garantir a sua defesa e a defesa da balança de poder de modo a que o estado mais poderoso, neste caso a Alemanha, esteja em condições de ser atingido49. Assim sendo, a Estaline apresentavam-se três opções em como agir com este facto:

1. A procura por matérias-primas para alimentar a crescente população alemã, passava pela conquista da Ucrânia e das suas planícies férteis. Como tal, a primeira opção seria abdicar da Ucrânia e permitir que a Alemanha a ocupasse sem oposição;

2. O eventual confronto que se avistava no futuro entre a União Soviética e a Alemanha e a incapacidade da primeira em fazer frente sozinha à segunda, significava que era necessária uma aproximação às potências capitalistas liberais, isto é, França e Reino Unido, e assim criar uma frente comum que fizesse frente aos excessos de Hitler e às suas pretensões territoriais;

3. A última opção era a de tomar a iniciativa e a dar a Hitler o que ele pretendia, as matérias-primas tão necessárias para a expansão da Alemanha e do seu povo, esperando com isso amenizar os seus intentos em levar guerra à União Soviética.

Ficava claro desde a primeira hora que a primeira opção de abdicação da Ucrânia estava fora de questão, pelo que seria necessária uma abordagem simultânea à segunda e terceira hipóteses.

O sistema internacional de Versalhes que saiu da Primeira Guerra Mundial não era bem visto pelos comunistas para além de terem sido excluídos da mesma. Assim sendo, a ideia da segurança coletiva, um dos princípios basilares da Sociedade das

49 MEARSHEIMER, John J., Op. Cit., p.37

(27)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 27 Nações, nunca tinha sido usado como bandeira dos comunistas no plano internacional. Acontece que a subida ao poder de Hitler e o perigo que este representava para a União Soviética significava uma alteração da estratégia política dos comunistas, que se viam na necessidade de usar os meios necessários para travar o avanço nazi e o fortalecimento alemão. Em termos concretos da política externa soviética, isto significou a assinatura de uma série de tratados de não-agressão com os estados vizinhos da União Soviética, nomeadamente Estónia, Letónia, Polónia e Roménia. A assinatura destes tratados não era meramente a promessa de não entrar em guerra com estes estados, significava também o reconhecimento formal da sua existência e das fronteiras criadas após a Primeira Guerra Mundial. Estaline estava portanto a abdicar do direito da União Soviética nestes territórios em troca de uma segurança das fronteiras. Para além destes tratados, Estaline assinou ainda com a França um pacto de assistência mútua com a Checoslováquia, onde estes países se comprometiam a prestar assistência caso a Checoslováquia fosse atacada, mas apenas se a França o fizesse primeiro. Com este tratado Estaline dava um dos primeiros passos para uma cooperação com as potências capitalistas liberais, mas ainda assim demonstrando uma reserva clara quanto ao compromisso dado, garantido que a União Soviética não fosse deixada sozinha pela França na ajuda à Checoslováquia ao garantir a cláusula de só o fazer caso a França o fizesse primeiro.

O grande passo seguinte na procura de uma frente comum contra Hitler foi a entrada em setembro de 1934 da União Soviética na Sociedade das Nações. A partir deste momento, a União Soviética tornar-se-ia um dos maiores promotores da segurança coletiva, tentando várias iniciativas junto dos diversos estados europeus para travar a Alemanha. A figura de proa desta nova linha de ação era Maxim Litvinov, o responsável da política externa soviética. Este era um homem que não tinha tanta desconfiança das potências capitalistas liberais como Estaline, pelo que a sua linha de ação passava por uma aproximação destas em detrimento da Alemanha.

A união da Alemanha com a Áustria a 12 de março de 1938, com o Anschluss, deu início à expansão territorial alemã e confirmou os piores receios dos soviéticos. A

(28)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 28 ideia da procura pelo Lebensraum não era meramente propaganda nazi, era um objetivo real que seria perseguido por Hitler. Como tal, os soviéticos tinham de agir junto dos outros países, convocando o Reino Unido, França e Estados Unidos a 17 de março para uma ação conjunta contra a Alemanha. Esta proposta foi recebida com muitas reservas já que os três países não queriam ser envolvidos num conflito com Hitler. Os Estados Unidos continuavam na sua linha de não intervenção nos assuntos europeus, a França estava preocupada com a crise política interna e o Reino Unido, pela voz de Chamberlain, não queria confrontar Hitler e considerava a ideia impraticável. Como tal, os esforços soviéticos em quebrar a expansão territorial alemã logo de início foram interrompidos pelas reservas das maiores potências que advogavam a segurança coletiva.

O alvo da pressão nazi seguinte foi a Checoslováquia, que detinha uma elevada população alemã nos Sudetas, população essa que Hitler queria incorporar na nação alemã. A pressão alemã foi aumentando ao longo do ano de 1938 sobre a Checoslováquia, não encontrando grande oposição junto das potências. A Checoslováquia encontrava-se isolada, ao mesmo tempo que o Reino Unido, seguindo a lógica de apaziguamento de Chamberlain, ia preparando os checoslovacos para fazerem concessões às exigências de Hitler. A União Soviética, por sua vez, continuava a sua pressão junto da França e Reino Unido para a criação de uma frente comum de oposição a Hitler. Mais uma vez, estas pressões não tinham resposta, já que entre a União Soviética e a França e Reino Unido havia uma conceção completamente diferente de como a questão da expansão alemã deveria ser abordada. Enquanto a União Soviética fazia todos os esforços possíveis para parar Hitler o mais cedo possível na sua expansão territorial e assim evitar que a sua vez chegasse como tanto temia, França e Reino Unido continuavam convictos na doutrina do apaziguamento, acreditando que ao ceder às exigências de Hitler e ao dar-lhe o que ele queria, ele eventualmente pararia e ficar satisfeito.

As renitências francesas e britânicas levaram a que os soviéticos tomassem medidas mais concretas e de um âmbito militar junto da Checoslováquia. A 2 de

(29)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 29 setembro Estaline comunicou ao Presidente checoslovaco Eduard Benes que a União Soviética estava disposta a dar assistência militar ao seu país caso os alemães o atacassem, mesmo que a França não o fizesse. Durante o mês de setembro, à medida que a situação nos Sudetas ia aumentando de conflitualidade ao ponto de a 15, após motins da população alemã na região e consequente instauração da lei marcial pelo Presidente Benes, os soviéticos começavam a juntar tropas na Ucrânia. No entanto, devido ao facto da União Soviética não partilhar fronteiras nem com a Checoslováquia nem com a Alemanha, era necessário que ou a Polónia ou a Roménia permitissem a passagem de tropas pelos seus territórios, reivindicações que não foram aceites. Apenas a Roménia permitia a abertura do seu espaço aéreo, o que resultou no envio de aviões soviéticos. A Polónia, por sua vez, continuava irredutível por duas razões. A primeira pelo facto de temerem o facto que, caso tropas soviéticas entrassem em território polaco, estas nunca mais sairiam; a segunda pelo facto de já terem acordado com os alemães a receção de territórios pertencentes aos Sudetas com uma minoria de habitantes polacos para a Polónia50.

Chamberlain, por sua vez, continuava a fazer concessões a Hitler à margem dos checoslovacos. Sempre que era acordado um ponto, Hitler faria uma nova reivindicação que ultrapassa o já aceite. Decidido a pôr fim à questão, Chamberlain propôs uma conferência conjunta entre o Reino Unido, Alemanha, Itália, França e Checoslováquia para decidir o destino dos Sudetas, a ser reunida em Munique a 29 de setembro. A União Soviética foi deliberadamente excluída, já que os britânicos tinham a convicção que a sua presença na conferência resultaria numa paralisação das conferências dada a sua profunda convicção em travar Hitler e a garantir a integridade territorial checoslovaca, para além do facto de não terem confiança nas pretensões soviéticas. Nessa reunião foi decidida a evacuação total dos Sudetas, tendo os checoslovacos – que tinham sido afastados das conversações – de abandonar todas as instalações intactas, assim como abandonar no local todos os equipamentos militares, assim como bens pessoais da população. Nenhuma compensação seria paga ao Estado

(30)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 30 checoslovaco, nem às famílias afetadas. Com esta decisão, a Checoslováquia viu-se completamente despida de todas as medidas defensivas que tinha vindo a criar ao longo dos anos, nomeadamente a linha defensiva de fortificações ao longo da fronteira, assim como parte importante da sua capacidade militar. Estava portanto completamente desprovida de qualquer capacidade de fazer frente a mais concessões alemãs no futuro.

Quando os soviéticos tomaram conhecimento do acordado nos Acordos de Munique, o sentimento de total deceção não foi escondido. Potemkin, o Vice-Comissário para os Assuntos Externos da União Soviética disse ao embaixador francês em Moscovo: “Meu pobre amigo, que fizeram vocês? Para nós não nos resta outra alternativa senão uma quarta divisão da Polónia.”. Este comentário demonstra perfeitamente como os soviéticos encaravam agora a forma de parar Hitler. Os seus esforços ao longo de 1938 em espelhar o conceito de segurança coletiva em medidas concretas tinham sido mal recebidas pelos líderes ocidentais, que procuravam uma diferente abordagem à questão alemã, e como tal estava claro que essa via não era eficaz na garantia da segurança da União Soviética. Estaline tinha agora de abrir caminho a uma aproximação à Alemanha e começar a encarar de forma mais séria e dedicada a terceira hipótese: o apaziguamento de Hitler à sua própria maneira.

A tentativa de aliança com as potências capitalistas não estava a ter sucesso. A crença de Estaline de que a União Soviética estava completamente sozinha e de que dependia somente de si para garantir a sua segurança ganhava cada vez mais força. Como Mearsheimer refere, “states cannot depend on others for their own security. Each state tends to see itself as vulnerable and alone, and therefore it aims to provide for its own survival51”. Esta noção de que tanto a Alemanha, como as potências capitalistas liberais procuravam a destruição da União Soviética não era recente. Estaline compreendia-o bem e tinha uma suspeição imensa pelos dois lados. A questão aqui em causa era a de que uma aliança com as potências liberais ocidentais afigurava-se muito mais provável de atingir dado o antagonismo ideológico entre o nazismo e

(31)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 31 comunismo. Contudo o realismo ofensivo defende que alianças são “casamentos de conveniência temporários”. O que é hoje um aliado, amanhã será um inimigo, como o contrário poderá suceder52. Nesta lógica, Estaline vai tentar uma aproximação à Alemanha de modo a precaver-se de um eventual fracasso total de aliança antinazi com a França e Reino Unido. Mais uma vez, o que movia Estaline nesta aproximação a estas últimas potências, à Sociedade da Nações ou ao conceito de segurança coletiva, não era nada mais, nada menos que um meio para atingir um fim: a segurança do seu país.

Período de 1938 a 1939

O primeiro passo nesse sentido foi dado no final do ano de 1938, quando Estaline, pela pessoa do embaixador soviético na Alemanha, fez saber ao Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Joachim von Ribbentrop, através do diretor do departamento da política económica alemão, Emil Wiehl, que os soviéticos estavam prontos a retomar as conversações de crédito que tinham sido interrompidas em março. Mas não só, os soviéticos estavam prontos “a abrir uma nova era nas relações germano-soviéticas”53. Durante todo o ano de 1938, Hermann Göring, como cabeça do Plano de Quatro Anos, vinha alertando para a necessidade extrema de matérias-primas de modo a que o Plano pudesse ser concluindo com sucesso. Durante os primeiros meses de 1938, por exemplo, as fábricas de munições só tinham recebido um terço da sua quota de ferro e aço. O caminho para as negociações iniciou-se a 11 de janeiro de 1939, quando Estaline respondeu ao pedido alemão de retomar as negociações a partir do zero. Nessa resposta Estaline afirma que quer que essas negociações sejam feitas em Moscovo. Isto afirmaria ao mundo o novo estatuto da Alemanha para a política externa soviética. Apesar das dúvidas de Ribbentrop, a necessidade extrema dos bens que a União Soviética estava pronta a comercializar com a Alemanha obrigou-o a aceitar a proposta.

52

Idem

(32)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 32 Schnurre, o homem encarregado de liderar as negociações do lado alemão, iria a Moscovo no final do mês secretamente onde trataria dos assuntos em questão. No entanto, essa visita foi interrompida quando os jornais franceses e britânicos relatavam de forma sensacional a visita de uma comitiva alemã a Moscovo para tratar de uma aproximação económica dos dois países. Ribbentrop, que nesta altura, negociava uma aproximação da Alemanha à Polónia chamou Schnurre de volta à Alemanha, onde as negociações seriam retomadas na embaixada. Esta tomada de decisão não agradou a Estaline, que interpretou este acontecimento como uma jogada da Alemanha para humilhar a União Soviética internacionalmente. No entanto, Estaline estava mais ressentido com a França e o Reino Unido, pelo que ele continuava dedicado a uma aproximação à Alemanha.

A 27 de janeiro, um artigo no jornal britânico “News Chronicle”, – que seria integralmente publicado no jornal soviético Pravda - assinado por um jornalista que tinha ligações próximas ao embaixador soviético que usava-o regularmente para transmitir as opiniões soviéticas, declarava que os britânicos e franceses tinham ignorado deliberadamente os soviéticos, enquanto os alemães e polacos tinham iniciado conversações para acordos comerciais. Nesse artigo, declarava-se ainda que a União Soviética não tinha intenções de dar qualquer ajuda ao Reino Unido e à França caso estes entrassem em conflito com a Alemanha e a Itália. A União Soviética concluiria acordos com os seus vizinhos na condição de estes a deixarem em paz. Terminava ainda dizendo que do ponto de vista do governo soviético, não havia grandes diferenças entre a França e Reino Unido de um lado, e a Alemanha e Itália do outro. O facto de Estaline ter reproduzido o artigo no Pravda indiciava que não estava apenas a preparar o mundo para uma alteração de postura nas relações internacionais, mas também a preparar a própria população da União Soviética para uma alteração da política que até 1938 vinha sendo seguida.

A resposta, de Hitler veio três dias depois, no seu discurso de comemoração do sexto aniversário da sua ascensão ao poder. Ao contrário dos outros discursos que fazia, onde atacava de uma forma prolongada a União Soviética e o comunismo, neste

(33)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 33 discurso, e pela primeira vez, não inclui qualquer ataque ao comunismo ou à União Soviética, numa demonstração de reconhecimento das intenções de uma aproximação entre os dois países.

Esta aparente disposição de aproximação entre os dois líderes, não parou a caminhada de Hitler. Durante o mês de fevereiro, a Alemanha celebrou uma série de acordos com os países da Europa Oriental, fechando o cerco à União Soviética. Hitler aumentava a propaganda contra o que restava da Checoslováquia, novos governos pró-Alemanha surgiam na Roménia e Jugoslávia, iniciando acordos de vendas de armas. A 24 de fevereiro, a Hungria junta-se ao Pacto Anti-Comintern, ao passo que a Bulgária demonstrava vontade de se seguir à Hungria. No início do mês de março, as negociações dos créditos iniciadas no início do ano tinham chegado a um impasse enquanto notícias da chegada de uma delegação britânica a Berlim para negociações sobre comércio entre os dois países chegavam a Moscovo. A União Soviética não se encontrava numa posição confortável. Estaline, no seu discurso do 18º Congresso do Partido Comunista Soviético a 10 de março, reitera as afirmações feitas em janeiro em que condenava o Reino Unido, França e Estados Unidos por terem sido incapazes de castigar a Alemanha, Japão e Itália pelos seus atos agressivos. Acusa-os de não se comprometerem à segurança coletiva apesar de terem condições económicas e militares para o fazerem, ao mesmo tempo que afirma que a União Soviética iria em assistência às vítimas de agressão que viam a sua independência em risco. Ainda relativamente às potências capitalistas liberais, Estaline acusava-as de, ao intervirem, estavam a incentivar os agressores a continuarem com as suas políticas expansionistas, dando a entender que ao permitirem que o Japão se envolvesse com a União Soviética, ou a Alemanha nos assuntos dos países europeus, apenas estava a criar condições para que estes se enfraquecessem mutuamente, para depois, nos “interesses da paz” imporem as suas condições nos beligerantes enfraquecidos.

Estaline neste discurso enviava mensagens tanto à França e Reino Unido, como à Alemanha. Em primeiro lugar, avisava os primeiros que ao seguirem a política de não-intervenção e ao permitirem à Alemanha que seguisse o seu caminho sem

(34)

Manuel António Ferreira de Almeida Porfírio 34 oposição, estariam a jogar um jogo perigoso que poderia resultar num duro golpe para eles mesmos. Em segundo lugar, fazia notar à Alemanha que a União Soviética estava disposta a ter relações de paz e comércio com todos os países. Essa era a sua posição e permaneceria assim desde que esses países não atentassem a paz da União Soviética ou fossem contra os seus interesses. Estaline deixou ainda a entender que o partido “deveria ser cuidadoso e não permitir que o nosso país fosse empurrado para conflitos por países que procuram a guerra e que estão habituados a que os outros tirem as castanhas do lume por eles”. Esta frase viria a ser bastante a usada no futuro, e fazia referência a uma passagem do Mein Kampf que falava no incómodo da Alemanha em ter de tirar “as castanhas do lume” pela Inglaterra do virar do século.

No final desse mês, Hitler continuava a sua política expansionista na Europa, sendo o alvo desta vez a Lituânia e uma faixa de terra que lhe tinha sido dada após a Primeira Guerra Mundial: Memel e o seu porto. A 20 de março, cinco dias após a invasão sem qualquer resistência do que restava da Checoslováquia, Hitler faz um ultimato à Lituânia para cedesse de imediato essa faixa de terra. Sem esperar por uma resposta, Hitler inicia viagem pessoalmente para tomar controlo a Memel. Para Estaline isto representava um perigo real de Hitler iniciar agora uma expansão para os países bálticos, que ele considerava na órbita de influência da União Soviética, para além do facto de, caso Hitler iniciasse uma anexação destes países, a Alemanha se aproximar demasiado do coração da Rússia, nomeadamente de Leningrado ou mesmo de Moscovo.

Pelo fim do mês, os britânicos tinham finalmente mudado de estratégia e assumido o perigo que representava o expansionismo alemão, que teria de ser enfrentado e não apaziguado, após rumores de um ataque iminente alemão à Polónia e à Roménia. A 31 de março, o Reino Unido e França comprometiam-se a garantir por completo a independência da Polónia. Com esta garantia Estaline tinha tido uma vitória sem nada ter feito por isso. Isto significava que caso a Alemanha atacasse a Polónia, o Reino Unido e França teriam de entrar em guerra em defesa da Polónia, o que significava que Hitler teria de dedicar as atenções à frente ocidental e não à União

Referências

Documentos relacionados

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Relatos sobre a sociedade (lembre-se de que representação e relato referem-se à mesma coisa) fazem mais sentido quando os vemos num contexto organizacional, como

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Se a pessoa do marketing corporativo não usar a tarefa Assinatura, todos as pessoas do marketing de campo que possuem acesso a todos os registros na lista de alvos originais

Nos tempos atuais, ao nos referirmos à profissão docente, ao ser professor, o que pensamos Uma profissão indesejada por muitos, social e economicamente desvalorizada Podemos dizer que

Nos termos da legislação em vigor, para que a mensagem de correio eletrônico tenha valor documental, isto é, para que possa ser aceito como documento original, é necessário existir

nado a 3 de julho sobre a reação da união Soviética face à possibilidade de um governo liderado pelo Solidariedade, declarou que Moscovo iria manter relações com qualquer governo

o licenciamento compulsório do governo — considerando que os fornecedores de servi- ços de saúde (afinal de contas, serviços de saúde são serviços como quaisquer outros)