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5 DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES ENTRE AS PRÁTICAS DAS OFICINAS E DA SALA DE AULA DE MATEMÁTICA

5.4 Alunos, monitor e professor: a oscilação dos papéis assumidos

Uma característica que ficou bastante visível no capítulo anterior foi a oscilação na representação que os alunos construíam sobre o papel do monitor nas oficinas quando comparado ao papel do professor na sala de aula e sobre o papel deles próprios como alunos das oficinas e da sala de aula. A nosso ver, essa oscilação se relaciona com algumas das aproximações e alguns dos distanciamentos estabelecidos pelos alunos entre as práticas da sala de aula e das oficinas.

Durante o período em que estivemos acompanhando os alunos na sala de aula percebemos que o papel que eles atribuíam às professoras era bastante claro. Em nosso material empírico percebemos que a maioria dos alunos reconhecia como papel das professoras: a) garantir a ordem na sala de aula, b) possuir respostas corretas relativas aos conteúdos da matemática e c) indicar o momento correto de se manifestar.

Identificamos na situação que originou o diálogo 5, um bom exemplo, de como os alunos reconheciam na professora a função de conduzir a organização da turma. Durante um trabalho em grupo Alisson pediu autorização à professora para alterar a composição de seu grupo. Ele insistiu com a professora Joana, diversas vezes, para que um de seus colegas se mudasse para seu grupo. A professora não transigiu e, então, ele mesmo contrariado, acatou a decisão dela. Alisson que, na ocasião, não se objetou à negação da professora nos passou a impressão de que identificava nela a autoridade para organizar os grupos, e portanto a sala de aula.

O estudante Tiago passou por uma situação (diálogo 2) que exemplifica a forma com que os alunos agiam com a professora em situações envolvendo o conteúdo da

aula. Tiago, que fazia a leitura de um número de cinco ordens, seguiu as instruções da professora, com a finalidade de ler o número em questão. Ele repetiu as falas da professora, apresentou respostas em forma de pergunta (esperando que a professora dissesse se estava correta ou não), mas em nenhum caso ele questionou a validade das respostas da professora. O diálogo só terminou quando a professora validou, publicamente, a resposta do aluno Tiago. Em nossas observações não encontramos exemplos de alunos que agissem de um modo diferente ao do Tiago, ou seja, não encontramos exemplos de alunos que criticassem ou invalidassem as respostas da professora. Em geral, eles reconheciam as professoras como pessoas aptas a responder as questões referentes ao conteúdo.

A terceira das características que apresentamos acima (as professoras é que eram responsáveis por indicar o momento correto para a manifestação dos alunos) pôde ser observada, em pelo menos dois diálogos. No diálogo 2, enquanto a professora corrigia um exercício, um dos alunos tentou ajudar o colega Tiago e foi advertido, pela professora, a ficar em silêncio. Ele aceitou a advertência da professora, sem demonstrar oposição, parecendo compartilhar a ideia de que naquele momento não deveria se pronunciar e sim, ouvir Tiago. No diálogo 1, a aluna Késia também durante uma correção de exercícios, manifestou-se dizendo que não gostava de falar em público. Por essa manifestação, ela recebeu uma advertência da professora e dos próprios pares; a professora criticou-a como se não competisse a ela a decisão de escolher falar (ou não) em público, durante as aulas, e os colegas a advertiram sobre uma possível penalidade.

Késia, na situação descrita no parágrafo anterior, é um exemplo de que existem alunos na sala de aula que resistem às regras ali existentes. Ela, entretanto, embora não tenha respondido à pergunta da professora, abaixou sua cabeça na carteira, como se concordasse que estivesse infringindo uma regra. Outro exemplo interessante, identificado em nosso material empírico, foi observado em uma situação envolvendo a aluna Isamara. Durante uma conversa entre ela e a professora Marli (diálogo 3), a aluna foi advertida pela professora por não estar copiando a correção de um exercício no caderno. Na ocasião a Isamara, embora tenha resistido bastante, acabou sendo convencida pela professora, a registrar a correção dos exercícios no caderno.

Os exemplos citados anteriormente – tanto os dos alunos mais resignados como os dos alunos mais resistentes - apresentam indícios de que os alunos compreendem o

que se espera deles (e da professora) na prática da sala de aula e, a partir disso, constroem uma identidade de aluno (e de professora) relativa àquela prática. Essa construção ocorre com interferência dos próprios pares e com interferência da professora. Até mesmo os alunos que são mais resistentes às regras da sala de aula, parecem reconhecer a existência de uma relação entre eles e a professora que demanda tanto dela quanto deles alguns papéis a serem cumpridos. Em síntese, esses exemplos ajudam a caracterizar algumas das dimensões – regras e papéis assumidos- que compõe a prática escolar (FRADE, WINBOURNE e BRAGA, 2009).

Já nas oficinas percebemos que, em alguns momentos, os alunos recorriam ao modelo de aluno e professor da sala de aula para elaborar os papéis que eles e o monitor deveriam adotar. Identificamos, nesses momentos, aproximações que eles estabeleciam entre a prática da sala de aula e das oficinas. Em outros momentos percebemos que os alunos agiam diferentemente da forma com que faziam na sala de aula tanto em relação aos seus pares quanto em relação ao monitor. Identificamos, nesses momentos, distanciamentos que eles estabeleciam entre a prática da sala de aula e das oficinas.

O primeiro exemplo por meio do qual identificamos aproximações entre a prática da sala de aula e a prática das oficinas ocorreu durante a “corrida de cavalos”. Nessa oficina o telefone celular do monitor começou a tocar e, em função disso, o aluno Simão disse, em voz alta, que o monitor não poderia atendê-lo porque estava em “horário de aula”. Pareceu-nos que Simão adotou o parâmetro que tinha da professora da sala de aula ao advertir o monitor sobre a inadequação do uso do telefone. Ou seja, ele estabeleceu, a nosso ver, uma aproximação entre as práticas da sala de aula e as práticas das oficinas.

Encontramos ainda, outros dois exemplos, nos quais identificamos aproximações estabelecidas pelos alunos entre a prática das oficinas e prática da sala de aula. Durante a oficina do ábaco, houve um momento de muito barulho, no qual os alunos se dispersaram bastante. Isso fez com que a aluna Lara ficasse irritada e cobrasse do monitor uma ação, que a nosso ver, foi importada do modelo que ela tinha de professor da sala de aula. A aluna bateu na mesa, imitando um possível gesto de professor, e disse: “Ô professor, ordem em cada classe”. Nessa mesma oficina, a aluna Anne percebendo que o monitor não havia feito a chamada, marcou na lista quais alunos estavam ausentes e quais estavam presentes. Esse fato despertou um incômodo na aluna

Lara (que denunciou a colega ao monitor) e no próprio monitor (que considerou a ação da aluna Anne inadequada). A nosso ver, o que provocou o estranhamento na aluna Lara e no monitor Mateus é que ambos esperavam que a Anne agisse como aluno da sala de aula, ou seja, que esperasse o monitor fazer a chamada. Em ambos os casos o que ocorreu, a nosso ver, é que os alunos (e o monitor) estabeleceram aproximações entre a sala de aula e as oficinas.

Nos três exemplos que acabamos de citar, pareceu-nos que os alunos enxergaram semelhanças entre as práticas da sala de aula e as práticas das oficinas, de tal modo que agiram na segunda como estão habituados a agir na primeira. Observamos, entretanto, outras situações das oficinas, nas quais os alunos agiram com o monitor e com os próprios pares de um modo diferente do que faziam respectivamente, com o professor e com os colegas, na sala de aula. Eles pareciam recorrer a experiências oriundas de outras práticas de tal forma que eles estabeleciam, a nosso ver, distanciamentos entre as práticas das oficinas e as práticas da sala de aula de matemática.

Na oficina da construção do gráfico, o monitor Mateus havia instruído os alunos a escolherem apenas uma equipe para coletarem as informações que serviriam de base para a construção do gráfico. O aluno Cirilo, ignorou a instrução do monitor, parecendo não perceber nela qualquer relação com a construção do gráfico. Ele então, se manifestou, dizendo que escolheria duas equipes na coleta de dados. Destacamos esse exemplo porque os alunos, em sala de aula, pareciam aceitar todas as informações que a professora passava o que não era percebido com o monitor nas oficinas. Tivemos a impressão de que, por mais que o monitor tivesse, para eles, um papel de professor, eles recorriam a outras práticas para compor as atribuições do “professor das oficinas” e, nesses momentos, ocorria um distanciamento entre as práticas da sala de aula e as práticas das oficinas.

Na oficina do cartão simétrico algumas situações também chamaram nossa atenção. Durante o desenvolvimento das atividades, a aluna Isamara colocou óculos de sol e começou a correr ao redor da mesa em que os alunos faziam os cartões. Por mais que o monitor insistisse, ela continuava correndo. Na mesma oficina, o estudante Álvaro embolou a folha que deveria ser utilizada para fazer o cartão e se recusou a fazer a oficina. Em ambos os casos, os alunos tomaram decisões com referência em outras práticas diferentes da sala de aula. Afirmamos isso porque eles respectivamente:

deslocarem-se no local da oficina sem autorização do monitor e recusaram-se a fazer a tarefa que estava sendo proposta naquele dia. Vale lembrar que na sala de aula eles sequer fechavam as cortinas sem a autorização da professora. Tanto a Isamara (no primeiro caso) quanto o Álvaro (no segundo), a nosso ver, estabeleceram distanciamentos entre as práticas da sala de aula e as práticas das oficinas.

Percebemos que os alunos relutavam bastante com o registro escrito nas oficinas, o que não acontecia na sala de aula. As alunas Kamilla e Késia, por exemplo, se opuseram publicamente, na oficina do ábaco, a responder às questões de um roteiro de atividades que exigia registro escrito. O fato das alunas manifestarem objeção em realizar o registro, exigido pela atividade, parece indicar que elas percebiam que o papel de aluno das oficinas lhes concedia abertura para tal manifestação. Na sala de aula, a própria professora agia (pressionada inclusive por exigências externas à escola) de tal modo a valorizar e até mesmo exigir o registro escrito (ver, por exemplo, diálogo 3) o que, a nosso ver, influenciava bastante na elaboração dos papéis esperados para o aluno da sala de aula. Entendemos, portanto, que as alunas Kamilla e Késia, nessa situação, estabeleceram um distanciamento entre as práticas das oficinas e da sala de aula.

Os exemplos, citados anteriormente, mostram a oscilação que os alunos apresentam ao elaborar o papel que devem assumir na sala de aula e nas oficinas e também os papéis que esperam que a professora e o monitor assumam. Entendemos que essa oscilação é o reflexo que as diferenças existentes entre as regras das práticas da sala de aula e das oficinas provocam nos alunos. Parece-nos possível inferir, a partir disso, que a flexibilidade das regras das oficinas propicia aos alunos uma maior interferência no papel que eles exercem nessa prática. Em contrapartida, na sala de aula como os papéis de aluno e de professor parecem bastante sólidos para os alunos (até mesmo para aqueles que se opõe a esses papéis), a margem de interferência dos alunos sobre o papel que vão assumir nessa prática, nos parece, bem menor.

Em suma, entendemos que essa categoria deu visibilidade, ao fato dos alunos já possuírem uma ideia mais clara sobre o que é esperado deles e do professor na sala de aula. Apontou ainda para o fato de que, nas oficinas, os alunos não sabem claramente, qual o papel que eles e o monitor devem assumir. Esse último apontamento, a nosso ver, pode ser interpretado de uma maneira positiva, uma vez que os alunos se arriscavam mais ao assumirem novos papéis na prática das oficinas.