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5 DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES ENTRE AS PRÁTICAS DAS OFICINAS E DA SALA DE AULA DE MATEMÁTICA

5.2 O uso da linguagem

Durante a descrição realizada no capítulo anterior, encontramos situações que, a nosso ver, apresentaram indícios de que a linguagem utilizada pelos alunos para se comunicarem nas oficinas era diferente da linguagem que eles utilizavam para se comunicarem na sala de aula.

Frade, Winbourne e Braga (2009), ao definirem prática escolar, fazem uso do conceito de prática de Wenger (1998) adaptando-o ao contexto escolar e apontam a linguagem como uma das dimensões dessa prática. Essa dimensão da prática nos ajudou a perceber que a forma como os alunos se comunicavam estabelecia distanciamentos entre a prática da sala de aula e a prática das oficinas.

com os professores fazendo uso da norma culta da língua portuguesa. Ainda que nas aulas os alunos fossem instruídos a fazerem uso dessa modalidade da língua, pareceu- nos que, o que mais os influenciava eram as falas das professoras que pareciam se esforçar para fazerem sempre um uso formal da língua, utilizando-se pouco de gírias ou expressões informais.

Flagramos um exemplo no qual a professora Marli corrigiu uma fala do estudante Diogo (diálogo 4) na sala de aula. Na ocasião ele - que havia flexionado o verbo “trazer” de maneira incorreta – não apresentou resistência em aceitar a correção da professora. Percebemos que, assim como ele, a maioria dos alunos não oferecia resistência a essa regra, incorporada à prática da sala de aula.

Nas oficinas, por outro lado, os alunos faziam uso de um vocabulário repleto de gírias, expressões informais e, em alguns casos, faziam uso inclusive de “palavrões”. Até mesmo o monitor Mateus, fazia uso de gírias ou expressões menos formais, ao contrário das professoras do turno regular. Cabe destacar que em alguns casos, quando o monitor considerava, que as palavras utilizadas pelos alunos eram ofensivas, ele interferia dizendo que tal linguagem não era apropriada àquele lugar.

Identificamos, em todas as oficinas, momentos em que os alunos fizeram uso de uma linguagem menos polida que a utilizada, por eles, na sala de aula. Na oficina do cartão simétrico, Cirilo fazendo uso da palavra “cavalo” provocou uma de suas colegas, ao compará-la com esse animal. Na mesma oficina a aluna Késia se dirigiu a um grupo de alunos que estava próximo a ela dizendo que quem copiasse a ideia dela “ganharia

porrada”. O estudante Cirilo em outras duas oficinas – a construção de um gráfico e

corrida de cavalos – fez uso da palavra “b****” para discordar da opinião de seus colegas. Na oficina da corrida de cavalos, o próprio monitor fez uso de gírias durante os momentos em que se comunicava com os alunos.

Dentre todas as situações que serviram para exemplificar as diferentes formas de utilização da linguagem na sala de aula e nas oficinas destacaremos, a seguir, uma que envolveu o estudante Diogo, por considerarmos que ela oferece mais elementos para a discussão que está sendo proposta nesta seção.

No diálogo 26, registrado na oficina do ábaco, o monitor Mateus corrigiu o Diogo no momento em que esse aluno fez uso de uma expressão pertencente à forma coloquial da língua portuguesa (“Nóis faz”). O aluno, ao ser corrigido, se manifestou

defendendo a linguagem que estava utilizando, sem demonstrar desconforto ou vergonha, e se opondo a fazer a correção sugerida pelo monitor. O Diogo pareceu não perceber inadequação no uso dessa linguagem informal na prática das oficinas. Na sala de aula, ao contrário da oficina, o mesmo aluno, agiu de modo diferente quando, em uma situação análoga (diálogo 4), acatou a correção da professora Marli. Isso aponta para o fato de que o Diogo atribuiu valores diferentes a uma mesma dimensão das duas práticas. Ele pareceu entender que o uso coloquial da língua era válido nas oficinas e que, opostamente, na sala de aula significava a quebra de uma regra, ou seja, o uso era inadequado.

Os exemplos identificados tanto na sala de aula como nas oficinas caracterizam o uso de diferentes linguagens conforme a prática observada. Essas diferentes formas de utilizar a linguagem, a nosso ver, são indícios de que os alunos estabelecem distanciamentos, por meio da linguagem, entre as práticas das oficinas e as práticas da sala de aula de matemática.

Acreditamos que o uso de linguagens diferentes possa contribuir, em alguma medida, para que os alunos estabeleçam um relacionamento diferente com as duas práticas. Alguns exemplos que encontramos no campo de pesquisa vão ao encontro dessa afirmação. Além do exemplo do Diego, acima apresentado, encontramos situações envolvendo dois outros alunos que nos parecem apontar para essa mesma direção.

Lara revelou atribuir à oficina uma imagem mais descontraída (“É que

brincadeira hoje?” – diálogo 17) do que a imagem que ela tinha da sala de aula (“[na sala é comum] escrever, responder pergunta” – apêndice D). Além disso, em uma

ocasião não registrada em áudio, ela mencionou que na sala os alunos escreviam mais que nas oficinas. Tudo isso contribuiu para que percebêssemos que ela estabelecia relacionamentos diferentes com as oficinas e com a sala de aula. O Álvaro também chamou nossa atenção porque, ao ser questionado sobre a sala de aula e as oficinas, apresentou certa preferência pela prática das oficinas (apêndice D). A manifestação de preferência por uma das práticas em detrimento da outra, a nosso ver, indica que ele também estabelecia um relacionamento diferente com as duas práticas. Para nós ficou evidente, especialmente pelos exemplos da Lara e do Álvaro, que os alunos estabeleciam um relacionamento diferente com as duas práticas.

uma linguagem mais informal, exista a possibilidade de se criar um ambiente no qual aqueles alunos, que se sentem intimidados com a sala de aula (em particular com a formalidade da linguagem) sintam-se mais a vontade. O que, a nosso ver, pode contribuir para que eles verbalizem mais suas impressões e concepções sobre as atividades desenvolvidas. A externalização dessas impressões e concepções pode ajudar a dar mais visibilidade às dificuldades que os alunos possuem sobre o conteúdo trabalhado. Dessa forma, pode-se entender esse distanciamento (da linguagem) como uma potencialidade para o ensino da matemática.

Antes de seguirmos para a próxima categoria explicitamos que, ao atribuirmos um valor positivo à flexibilidade da linguagem utilizada nas oficinas, não estamos criticando o uso de uma linguagem mais formal na sala de aula e nem tampouco que estamos discordando do uso dessa linguagem. Nossa intenção foi apenas chamar a atenção para o fato de que a criação de um espaço que permita aos alunos expressarem suas ideias mais livremente (sem uma preocupação excessiva com a linguagem formal) pode oferecer àqueles alunos que possuem resistência às regras da sala de aula, a possibilidade de estabelecer um relacionamento diferente (e talvez mais positivo) com o conhecimento discutido nesse novo espaço.