• Nenhum resultado encontrado

Amazônia “multifuncional”: política ambiental, conflito de uso da terra e exclusão social no Oeste do Pará (Brasil)

No documento Smart and Inclusive Development in Rural Areas (páginas 196-200)

Felipe da Silva Machado Plymouth University

felipe.dasilvamachado@plymouth.ac.uk

RESUMO

Para além da dimensão econômica, a Amazônia atende a outros interesses globais, relacionados às questões ambientais que, ao alterar a organização espacial impondo limites e restrições de uso, incidem diretamente nas questões territoriais e influenciam diretamente nas ações locais. O presente estudo alinha-se ao pressuposto de que a multifuncionalidade e a sustentabilidade, processos que estão na base do desenvolvimento territorial, demandam foco maior na diversidade e história regional e no reconhecimento das diferentes trajetórias do processo de reestruturação espacial. Através de pesquisas de campo realizadas na região de Santarém e em pequenas comunidades ribeirinhas incluídas na área da Floresta Nacional do Tapajós, Oeste do estado do Pará, a comunicação pretende apresentar as múltiplas direções do processo de reestruturação espacial em uma região de fronteira agrícola no vale médio do rio Amazonas e no vale do rio Tapajós e revelar a complexidade da Amazônia Brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Multifuncionalidade; políticas ambientais; Amazônia brasileira; Pará; Brasil.

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a geografia tem contribuído para a compreensão da gestão territorial da Amazônia. Através de abordagens multidimensionais, pesquisas acerca dos processos espaciais têm demostrando a complexidade e a variação espacial da região. Por muitos anos interpretada como um espaço homogêneo, atualmente, estudos apresentam a Amazônia como um território complexo e heterogêneo, com diferenças tanto nos aspectos da sua geografia física quanto nas dinâmicas sociais dos diferentes atores e agentes espaciais. Assim, a geografia tem realizado estudos nos seus diferentes campos, por exemplo, investigações sobre a urbanização da Amazônia e gestão territorial a partir da centralidade exercida pelos núcleos urbanos (Becker, 1990), conflitos sociais na fronteira agrícola (Hoefle, 2012), construção de capital social na várzea amazônica (Bicalho, 2009), dinâmica da agricultura nas áreas rurais próximas ao mercado urbano regional (Bicalho, 2008). Poderíamos citar muitos outros estudos que vêm contribuindo para a compreensão dos processos espaciais nessa região do Brasil e da América do Sul.

A oportunidade de pensar a complexidade da Amazônia no debate contemporâneo acerca do quadro da multifuncionalidade espacial e os exemplos de áreas visitadas em atividades acadêmicas e expedições ao estado do Pará estimularam a ideia de escrever essa reflexão teórica com impressões de experiências empíricas. Assim, a comunicação é resultado

de diferentes visitas à região amazônica, em especial, a última viagem ao Oeste do Pará (em outubro de 2013), quando o grupo de pesquisa percorreu durante duas semanas o rio Tapajós, com foco nas áreas incluídas na Floresta Nacional do Tapajós (ICMBio – Flona/Tapajós), e buscou investigar a dinâmica das comunidades ribeirinhas e a sua interação com os últimos processos desencadeados pelas políticas ambientais e pela urbanização de Santarém. Para o entendimento das diferentes dinâmicas espaciais, que ultrapassam a escala local, o estudo buscou incluir as relações com o debate internacional sobre conservação de áreas florestais e multifuncionalidade espacial e os projetos nacionais de desenvolvimento territorial da Amazônia.

2. MULTIFUNCIONALIDADE E AMAZÔNIA

Para além da dimensão econômica, a Amazônia atende a outros interesses globais, relacionados às questões ambientais que, ao alterar a organização espacial impondo limites e restrições de uso, incidem diretamente nas questões territoriais e influenciam diretamente nas ações locais. Políticas ambientais de preservação nas escalas nacional e regional também repercutem diretamente na dinâmica espacial da Região Amazônica e, consequentemente, nas ações dos atores locais. Assim, a Amazônia Brasileira tem sido palco ativo de interesses ambientais que restringem e conflitam com outros usos da terra, ao mesmo tempo em que fomentam novos usos e funções espaciais. A multifuncionalidade torna-se um conceito-chave para compreensão da complexidade espacial na dimensão dos diferentes usos e funções desencadeados pela ação de diversos atores e agentes espaciais.

Ao interpretar o desenvolvimento territorial da Amazônia em uma realidade de forte atuação de diversos atores e agentes nas diferentes escalas espaciais, torna-se fundamental reconhecer os processos de interação e integração entre as diversas dinâmicas espaciais. A multifuncionalidade, processo que relaciona diversidade e funcionalidade econômica, social e ambiental de áreas rurais, é um conceito aplicado a espaços em interações múltiplas e de múltiplos atores (Wilson, 2007; 2010), sendo um conceito-chave à investigação de processos na Amazônia, uma região com características rurais que apresenta novas demandas, acompanhando as mudanças contemporâneas da sociedade global.

No contexto da contemporaneidade, a geografia tem contribuído na análise e avalição da universalidade do conceito da multifuncionalidade e sua adequação na compreensão dos atuais processos de reestruturação do espaço seja em países e regiões de economias produtivistas ou pós-produtivistas face à presença disseminada de novos processos da sociedade

globalizada (Wilson, 2010; Woods, 2011). Atualmente, avalia-se a validade da multifuncionalidade para a compreensão da reestruturação espacial em sua diversidade econômica, social e ambiental e processos de governança local e regional. Para agenda de pesquisa no Brasil, investiga-se a correlação da multifuncionalidade nas políticas nacionais tendo em vista políticas globais assumidas pelo país em fóruns internacionais que influenciam no planejamento e gestão territorial. Palco de constantes debates sobre a importância do seu papel nos projetos político-econômicos nacionais e nas políticas ambientais globais, inclusive, considerada um ambiente do globo terrestre crucial nas mudanças climáticas, a Amazônia é um espaço geográfico que passa a ser compreendido a partir do quadro da multifuncionalidade. 3. POLÍTICA AMBIENTAL, CONFLITO DE USO DA TERRA E EXCLUSÃO SOCIAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA

Desde a década de 1970, em função da rápida sucessão de projetos de desenvolvimento, a Amazônia brasileira registrou mudanças estruturais importantes. A fase do desenvolvimentismo, cujo auge ocorreu durante o Programa de Integração Nacional, entre 1970 e 1985, provocou intensos conflitos sociais e ambientais na região amazônica (Becker, 1990, 2004). “À medida que os grandes eixos de estradas pioneiras eram construídos na terra firme, ou seja, nas áreas não inundadas, as frentes de povoamento invadiam a selva e novas aglomerações apareciam, muitas sob a forma de cidade” (Machado, 1999, p. 117). Atualmente, as mudanças estruturais para integração permanecem e são ampliadas, atuando em áreas que não se restringem a Amazônia brasileira, se estendendo à Amazônia Sul-Americana. Para Becker (2002) não será possível promover a integração sem internalizar seus benefícios para as populações locais, sob risco de afetar negativamente a governabilidade e a soberania.

Na Amazônia, os primeiros estudos críticos demostram que os pequenos grupos e as minorias sociais são os mais afetos no processo desenvolvimentista com a perda da floresta e da terra e com a exploração do trabalho. Nos últimos anos, estudos têm demostrando que o conservadorismo ambiental radical também pode desencadear a expulsão das populações tradicionais, perda de capital econômico e social e migração para as grandes cidades, resultando na intensificação da urbanização nas capitais regionais amazônicas. Através de abordagens não- lineares do processo de mudança, algumas pesquisas revelam que políticas ambientais de preservação de áreas florestais no Brasil têm sido acompanhadas de grande tensão social face à restrição à ocupação e limitação de uso dos recursos pela população local.

Bicalho e Hoefle (2015), em uma pesquisa acerca do conflito socioambiental na Amazônia Brasileira com ênfase nas unidades de conservação ambiental, refletem sobre as

questões agrárias surgidas com a delimitação e imposição de restrições às populações, desencadeando mobilização de movimentos sociais no enfrentamento das instituições gestoras das políticas ambientais. As políticas de preservação de florestas no Brasil têm sido indicadas como exemplos de imposições conservacionistas em comunidades tradicionais, porém ocorrem processos de resistência por parte das populações residentes que reivindicam seus direitos de uso da terra. Assim, observa-se um impasse entre o Estado e as populações resistentes. “Movimentos sociais nas unidades de conservação, como a ocorrida na FLONA Tapajós e no PARNA Amazônia, fez com que o Estado revisitasse sua atuação, atendendo ou acordando formas de atender reivindicações de populações locais atingidas pelas medidas preservacionistas” (Bicalho & Hoefle, 2014, p. 284).

4. A COMPLEXIDADE DO TERRITÓRIO AMAZÔNICO ATRAVÉS DO TRABALHO DE CAMPO NO OESTE DO PARÁ

O presente debate alinha-se ao pressuposto de que a multifuncionalidade e a sustentabilidade, processos que estão na base do desenvolvimento territorial, demandam foco maior na diversidade e história regional e no reconhecimento das diferentes trajetórias do processo de reestruturação espacial. Através de trabalhos de campo realizados na região de Santarém e em pequenas comunidades ribeirinhas incluídas na área da Floresta Nacional do Tapajós (ICMBio – Flona/Tapajós), a pesquisa observou as múltiplas direções do processo de reestruturação espacial em uma região de fronteira agrícola no vale médio do rio Amazonas e no vale do rio Tapajós e complexidade das políticas ambientais na Amazônia brasileira.

A área de investigação das atividades de campo, a região de Santarém, está localizada entre as grandes cidades amazônicas de Manaus e Belém. A distância entre as duas capitais dos estados do Amazonas e do Pará e a posição no vale médio do rio Amazonas são fatores para a centralidade histórica que Santarém exerce no Oeste do estado do Pará. Sendo a capital da região do Tapajós e participando da dinâmica amazônica desde os primeiros séculos de ocupação pelos jesuítas, “Santarém mescla a exploração predatória primária como novas tendências urbano-industriais, constituindo-se como portal de ordenamento de múltiplas fronteiras históricas, visando mercados regionais, nacionais e globais, evoluindo de uma economia ribeirinha extrativa à economia agroindustrial” (Hoefle, 2013, p .46).

A oportunidade de conhecer as diferentes comunidades ribeirinhas do rio Tapajós revelou a diversidade da dinâmica espacial nessa porção do território brasileiro, vista até alguns anos atrás, exclusivamente, como uma grande área coberta por uma vegetação densa e por rios extensos e volumosos. A partir das entrevistas realizadas nas comunidade, não se restringindo

aos líderes comunitários, foi possível compreender as estratégias adotas pelos atores sociais no cenário de mudanças. Algumas comunidades ribeirinhas mais organizadas vêm resistindo às restrições de uso impostas pelos órgãos ambientais na delimitação de área para uso agrícola e área de preservação florestal. Os grupos sociais organizados apresentam criativas estratégias para sua manutenção na área ribeirinha e buscam se integrar às novas demandas regionais.

Entretanto, durante as atividades de campo, também foi possível encontrar comunidades que apresentam perda de capital social e econômico nos anos recentes. Por exemplo, jovens que não têm acesso aos últimos anos do ensino público na localidade onde reside ou nas comunidades próximas, o que estimula a saída desse grupo para a capital regional. Baixo nível de renda e empobrecimento da população com a redução do capital econômico oriundo da atividade agrícola, agora reduzida e limitada pelas regulações impostas. Em suma, a pesquisa empírica permitiu compreender a variação e a diversidade espacial das comunidades ribeirinhas do Tapajós e da região de Santarém, a complexidade do desenvolvimento territorial nessa porção da Amazônia com os seus desafios de acolher demandas externas da contemporaneidade e a necessidade de promover o desenvolvimento sustentável junto aos atores internos e externos. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inserção da Amazônia no contexto da globalização tem sido investigada nos últimos anos por diferentes abordagens. A região vem sendo analisada a partir do avanço da fronteira agrícola sobre as áreas de floresta, no seu posicionamento no debate global acerca das mudanças globais ou na urbanização como um processo mundial que também está em curso nas grandes cidades amazônicas. Nessa reflexão busquei inserir questões globais como a multifuncionalidade e os desafios do desenvolvimento territorial a partir de referências teóricas e impressões de viagens à Amazônia que revelam as dinâmicas internas em uma parte da região e as ações dos atores sociais locais no contexto de mudanças. Torna-se cada vez mais necessário que as investigações em geografia humana acerca das transformações desencadeadas pela globalização sejam tratadas nos diferentes níveis escalares, com ênfase na compreensão da complexidade do local nas suas diferentes dimensões.

Investigar a Amazônia é um grande desafio por ser uma região que mescla diferentes tempos e espaços. Para compreender a região em uma abordagem multidimensional e multidirecional, o pesquisador precisa conhecer a história regional e estabelecer contato com os diferentes atores e agentes (internos e externos). Ao mesmo tempo em que impõe dificuldades para sua compressão, a Amazônia revela urgência na construção de conhecimentos

No documento Smart and Inclusive Development in Rural Areas (páginas 196-200)