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MÉTODO: Contextualizando a pesquisa: desvendando os caminhos

Sistemas agroflorestais e cultura camponesa: um caminho para agricultura sustentável

2. MÉTODO: Contextualizando a pesquisa: desvendando os caminhos

A metodologia desse trabalho se valida ao entendermos as práticas familiares através dos modos de vida desses agricultores, das trajetórias e do habitus, a partir de seus depoimentos, mapas mentais, observações, registros fotográficos trazendo à tona as relações estabelecidas entre eles e o mundo que os cerca.

Neste trabalho buscamos apresentar e analisar as marcas da cultura camponesa, a partir da descoberta da natureza da organização e das relações das práticas familiares. Nesse contexto, entendemos a cultura camponesa como conhecimentos, sentidos, significados, imaginários, regras de relacionamento e códigos sociais e naturais. Brandão (1999) coloca como cultura camponesa a criação, a reprodução, os sentimentos, os pensamentos, os seus modos de se relacionar com a natureza, com o seu meio imediato, visível, trabalhável, passível de ser provisório ou definitivamente socializado, incorporado as experiências empíricas e ou simbólicas.

A pesquisa foi desenvolvida em duas áreas no estado do RS, no Brasil, envolvendo quatro famílias de agricultores do litoral norte e duas famílias de agricultores familiares assentados do Assentamento 19 de Setembro em Guaíba. A pesquisa de campo foi realizada com as seguintes atividades: visita para conhecimento das áreas de sistemas agroflorestais, das propriedades e lotes, coleta dos depoimentos e observações.

O caminho metodológico construído desvenda a trajetória desses agentes captando as experiências dos narradores. Trajetória entendida como uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente, num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações (Bourdieu, 1998).

Entendemos que as práticas familiares na trajetória destas famílias resultam da relação dialética entre situações descritas a partir de um habitus, o qual se atualiza concretamente na lógica específica de uma prática particular, no caso os sistemas agroflorestais.

Diante disso optamos pelo método da história oral, esta que decorre de toda uma postura com relação à história e as configurações sócio-culturais que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu (Alberti, 1989). Do quadro da história oral utilizamos como instrumento da pesquisa o depoimento.

3. RESULTADOS

A modernização do campo e o desenvolvimento econômico tendencioso e excludente se tornou o modelo imperante do desenvolvimento e acarretou um contradesenvolvimento social, mas mesmo assim as populações rurais têm e mantêm seus próprios códigos de conhecimento e suas próprias concepções de destino. Se eu tivesse que começar a usar o sistema

agroflorestal, claro, claro, eu não tenho mais volta, eu não vou voltar mais...A próxima geração eles vão ter, a comida só sai da terra né, e eles vão ter que viver. (Agricultor Ecologista Sr. A)

Nas duas diferentes áreas, com as seis famílias, os depoimentos dos agricultores nos levam a compreender o SAf’s como uma forma diferente de se relacionar com a natureza, é entendido não só como produção, mas como um plano de vida. É uma estratégia que permite a continuação da vida, algo que se mostra como a continuação de uma história e o se importar com os outros, com a terra, com o que plantar, com a vida é quando o habitus camponês se expressa, o nosso trabalho é por causa disso, por isso que eu disse pra vocês que nosso plano

é de vida (Agricultor Ecologista Sr. A).

A história é construída a partir de trajetórias incorporadas e com o habitus camponês tendem a se expressar na montagem das estratégias de reprodução, ou seja, num conjunto de ações ordenadas por indivíduos ou grupos (família) que objetivam, em curto ou médio tempo, reproduzir-se e reproduzir condições de reprodução, tendo sempre presente o estado dos mecanismos de reprodução disponível (o peso e a importância da tradição e sua vinculação ao processo moderno de [con]viver e produzir) (Tedesco, 1999, p. 16). Nesse sentido, o tipo de produção agrícola é mais que isso, é um “plano de vida”. Podemos relacioná-la as práticas

familiares, e ainda aos modos de vida desses agricultores que são balisados em afeto, solidariedade e persistência, característica da cultura camponesa.

Ao trabalhar a terra, o camponês realiza outro trabalho: o da ideologia, que, juntamente com a produção de alimentos, produz categorias sociais, pois o processo de trabalho, além de ser um encadeamento de ações técnicas, é também um encadeamento de ações simbólicas, ou seja, um processo ritual (Woortmann e Woortmann, 1997). Além de produzir cultivos, o trabalho produz um conjunto de elementos culturais que são formas de saber e construções simbólicas específicas.

As marcas da cultura camponesa aparecem nas práticas quando as famílias trabalham com as potencialidades vindas da natureza, dos recursos naturais disponíveis, que estabelecem uma relação de troca entre o homem e a terra, “[...] homem investe trabalho e em troca recebe

a produção, mas a natureza deve ser respeitada, não agredida com corretivos químicos, pois ela poderá se vingar envenenando o matimento” (Woortmann e Woortmann, 1997, p. 65).

O processo de trabalho é constituído de um lócus onde o homem e a natureza se encontram, e onde ciclos diferentes são integrados, no qual, a natureza viva não pode ser completamente planejada, nem controlada e é a arte de dominar essas surpresas e de transformá- las em práticas originais, equilibradas, um elemento chave. É nesse processo de trabalho são desenvolvidas aprendizagens e criadas novas formas de fazer as coisas. O processo de produção tem no seu âmago, os agricultores envolvidos que constroem, reconstroem e desenvolvem uma combinação de recursos específicos, equilibrados e harmonizados, construindo uma outra agricultura. Nas palavras de Woortmann e Woortmann (1997: 36) “o mundus camponês é ordenado e estável numa troca equilibrada com a natureza”.

Um ponto importante na realização do trabalho dessas famílias é o valor dado à matéria orgânica e às outras plantas, por exemplo, o mato é entendido de outra forma, é o lugar do trabalho, não um empecilho ao sistema produtivo; O que corrobora com dados das pesquisas de Woortmann e Woortmann (1997) sobre o significado do ambiente natural para grandes proprietários e camponeses, quando observaram um distinto entendimento. Para estes últimos o mato é algo a ser preservado como parte mesmo do espaço de trabalho, ou utilizado apenas à medida das necessidades de reprodução social. Já para os grandes proprietários, o mato é algo a ser removido, para ser substituído pelo capim.

A diversidade na produção é uma estratégia que possibilita a produção, a manutenção do seu modo de viver numa relação de respeito e complementaridade da natureza com o ser humano. Essas famílias foram as primeiras que conseguiram controlar “não doenças”, mas esses

que podemos entender enquanto indicadores de desequilíbrio, ao tratarmos dos princípios dos sistemas agroflorestais.

Conforme os agricultores analisados a mata é parte fundamental, extremamente importante de um sistema agroflorestal... eu acho que agroflorestal é que tu plantar as planta de

comida e deixar a mata crescer, eu imagino que seja isso, porque tem as duas coisas, tem a floresta e tem a comida, tem como tu tirar o sustento dali.” (Agricultora Ecologista Sra. Z)