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3.3 O semi-árido brasileiro

3.3.1 Ambiente e população

O semi-árido brasileiro apresenta algumas características particulares em relação a outras regiões semi-áridas do planeta: é um dos maiores, mais populosos e úmidos. Abrange 868 mil quilômetros quadrados, compreendendo as regiões do Norte de Minas Gerais e Espírito Santo, os sertões da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e parte do sudeste do Maranhão. Nele, vive uma população que ultrapassa 18 milhões de habitantes, sendo mais de 8 milhões na zona rural (POLETTO, 2001).

Celso Furtado, quando entrevistado por Tavares et al. (1998), relatou que o semi-árido é diversificado; parte dele já é considerada região árida; outras áreas estão em processo intenso de degradação, havendo regiões com terras úmidas que guardam água como esponjas o ano inteiro. Apesar das diferenças, a região apresenta certas características gerais. Os aspectos

que podem ser generalizados são: a predominância da vegetação de caatinga e de cerrado; a baixa cobertura vegetal; possui um índice pluviométrico médio de 800 mm anuais; apresenta formação cristalina do seu subsolo, que é coberto por uma camada rasa de solo, não favorecendo a retenção de água e a formação e o reabastecimento dos lençóis freáticos; além de possuir altos índices de evapotranspiração potencial, chegando a 2000 mm por mês (POLETTO, 2001; VIEIRA; GODIM FILHO, 2006). Além dessas características, Schistek (2001) afirma que há, na região, uma irregularidade na distribuição das chuvas, quase ausência de rios perenes, altas temperaturas, ventos fortes e baixa umidade do ar.

No semi-árido, esses fatores não favorecem a resistência e a qualidade da água. Por chover em curto período de tempo e a região apresentar altas temperaturas, cerca de 90% da água se perdem pela evapotranspiração, e os 10% restantes formam os rios e infiltram no solo, para abastecer os reservatórios. Cerca de 52% do subsolo da região são compostos por rochas cristalinas, que apresentam alto teor de salinidade, entre 350 a 25.000 ppm de sólido totais dissolvidos; as águas armazenadas em fendas dessas rochas recebem principalmente sais de cloreto de sódio e magnésio, fazendo com que a água se torne salobra e decaia a sua qualidade para consumo humano (SALATI et al., 2002).

Esse conjunto de condições naturais criou um ambiente com baixa disponibilidade de água e proporcionou uma condição de vida à população residente, pautada na convivência com a escassez desse recurso. Mesmo nos períodos da estiagem prolongada, quando acontece o fenômeno, denominado “seca”, a população consegue resistir.

Segundo Vieira e Godim Filho (2006), a idéia de seca está relacionada desde à falta de precipitação, à baixa umidade no solo agrícola, à perda de produção agropecuária, até a impactos sociais e econômicos negativos. Esses impactos afetam mais diretamente as populações rurais que sofrem com a falta de água para o consumo humano.

Ao contrário do que geralmente se pensa, que as secas no Nordeste são acontecimentos raros, estudos da história das secas no Nordeste, realizados por Gomes (2001), mostram que, nos últimos 300 anos, a seca é

uma regra, e não a exceção. O levantamento diz que ocorreram 85 anos de secas no Nordeste nesse período, ou seja, a cada dois anos e meio ocorreu um ano de seca.

Mesmo com as adversidades ambientais, a região sempre teve uma ocupação humana efetiva, antes compreendida pelas tribos indígenas e depois pela presença colonizadora. Esses povos aprenderam a conviver com as condições difíceis, impostas pelo ambiente e moldaram um modo de vida particular. Andrade (1980) descreve com clareza e com detalhes a vida da população do Nordeste. Quando se refere ao modo de vida sertanejo, dos que habitam os sertões nordestinos, esse autor considera como principal determinante o clima. A escassez de chuvas e as suas consequências no ambiente moldaram o sertanejo, que buscou retirar do meio a sua própria sobrevivência.

Nesse contexto, o sertanejo sempre teve como principais meios econômicos a atividade pecuária e a agricultura. A produção de alimentos ocorria prioritariamente na estação chuvosa, mas, na estação seca, também era realizada agricultura nas várzeas dos rios e em lugares de maior umidade. Em épocas em que os rios baixavam, utilizavam, principalmente, as vazantes do rio São Francisco e seus afluentes (ANDRADE, 1980).

O sertanejo criou estratégias de convivência com a seca, como admite Andrade:

Assim, o sertanejo, previdente, guarda para os meses de estio parte dos alimentos que adquire durante a estação chuvosa e recorre como alimentação suplementar para o gado o restolho das culturas do milho e do algodão, sobretudo, assim como utiliza, também, as cactáceas nativas – o mandacaru, o faicheiro, o xiquexique e a macambira, na alimentação de animais (ANDRADE, 1980, p. 38).

Mesmo conseguindo desenvolver estratégias de convivência com a falta de chuva e viver nessa região há mais de três séculos, nos anos de seca, o cenário não é agradável para a população do semi-árido, e também não o é para os que não vivem nessas regiões, principalmente os governantes.

A falta d’água leva à paralisação da produção, consequentemente à incapacidade de gerar alimento para a família e as criações. A morte dos rebanhos atinge quase a totalidade dos sertanejos e a emigração da população mais pobre é a única saída (GOMES, 2001).

Os principais problemas socioeconômicos relacionados à escassez de água, segundo Salati et al. (2002), são: a migração da população que vive em regiões com escassez de água, problemas de saúde humana, competição e conflito pelo uso da água, privatização das águas, entre outros.

Quando a seca se agrava, a ação governamental para combater os efeitos das secas sempre se faz presente. No entanto, como mostra Gomes (2001), sempre de forma emergencial e retardadamente. O autor retrata essa postura dos governos brasileiros para combater as secas e afirma que há falta de preocupação e de interesse, para a adoção de providências de longo prazo, para minimizar os efeitos da seca na região.

As ações governamentais para combater os efeitos das secas foram e ainda o são pautadas principalmente por intervenções emergenciais, focadas principalmente no estabelecimento de frentes de trabalho, na distribuição de alimentos, no estímulo à emigração, na abertura de linhas especiais de crédito e nas ações relacionadas à aquisição de água. Essa última ação é focada na perfuração e na instalação de poços, no fornecimento de carros- pipa e na abertura de açudes, como foi visto na seca de 1998 (GOMES, 2001; POLETTO, 2001). As ações desenvolvidas têm caráter emergencial. Quando as chuvas chegam, elas vão embora, não contribuindo para que a população possa se preparar mais para a próxima seca, que inevitavelmente virá.