• Nenhum resultado encontrado

Ambiguidades e símbolos não identificados

CAPÍTULO III: Práticas de notação musical de Lindembergue Cardoso

3.2. Tabelas com os símbolos notacionais utilizados por Lindembergue Cardoso em suas obras corais

3.2.1. Ambiguidades e símbolos não identificados

Em relação às práticas de notação de Lindembergue Cardoso, realizamos o levantamento de todos os símbolos utilizados pelo compositor, de acordo com as obras que constituem o corpus de nossa pesquisa. Tendo por referência o catálogo produzido por Stone (1980) e as tabelas apresentadas por Widmer (1972), elaboramos tabelas explicativas, organizadas por temáticas abordadas, nas quais explicamos os símbolos expostos e apontamos as obras em que foram localizados.

Observamos que a maioria dos símbolos utilizados pelo compositor são previamente convencionados, com incidência relativamente pequena de símbolos criados por ele. As ambiguidades localizadas, bem como os símbolos não identificados foram justamente os que não condiziam com padrões convencionados, que ele criou.

Durante as análises preliminares da pesquisa, identificamos em duas peças diferentes,

Captações Op. 9 e Caleidoscópio Op. 40, o emprego de um mesmo símbolo para significados

opostos. Crespo afirma que com possibilidades infinitas de notação, é comum isso acontecer nesse tipo de repertório. “Frequentemente o compositor cai em ambiguidade ou redundância, ao empregar o mesmo sinal com diferente sentido de uma obra para outra” (Crespo, 1983, p. 27). Nas análises voltadas para elaboração da tabela identificamos mais uma obra, Réquiem em

Memória de Milton Gomes Op. 32, em que o mesmo símbolo foi utilizado.

Os símbolos em questão referem-se a um som produzido a partir da abertura dos lábios. Na peça Captações Op. 9, para conjunto vocal e instrumentos, composta em 1969, vemos, de acordo com a figura abaixo, nas linhas das vozes, acima da letra <x> e <s>, símbolos que não indicam notas, mas sim a posição da abertura labial (figura 18 – símbolos destacados em vermelho), conforme apresenta a bula (figura 19) o símbolo circular sem corte representa a boca aberta e o cortado, boca semiaberta.

Figura 18: Excerto da peça Captações Op. 9.

Figura 19: Trecho da bula da peça Captações Op. 9.

Na peça Caleidoscópio Op. 40 (1975), para coro misto a cappella, vemos no primeiro compasso do trecho apresentado (figura 20), setas que indicam um efeito de glissando, partindo de regiões frequenciais específicas para cada voz, mas com alturas indefinidas, do mais agudo possível para o mais grave possível ou vice-versa. Esse glissando deve ser feito com o fonema

/s/36 e, segundo o compositor “começar fechado, abrindo pouco a pouco”, o oposto do significado do símbolo apresentado em Captações. Cada símbolo acima da letra <s> tem um sentido, como define a bula (figura 21). Os eventos musicais estão separados por compassos, porém a medição do tempo não é métrica, como a leitura tradicional pressupõe, mas cronológica – vemos a duração de cada compasso acima do pentagrama (15’, 5’ e 5’, respectivamente).

Figura 20: Exemplo do uso da notação musical na peça Caleidoscópio Op. 40.

Figura 21: Bula da peça Caleidoscópio Op.40

A obra Réquiem em Memória de Milton Gomes Op. 32, para dois coros e orquestra, composta em 1974, diferentemente das obras anteriormente apresentadas, não contém nenhum tipo de bula ou qualquer explicação quanto à notação utilizada37 - o que dificultou a compreensão dos símbolos escolhidos pelo compositor. Durante a análise desta obra,

36 Estamos utilizando <a> para grafemas, /a/ para fonemas e [a] para transcrição fonética.

37 Consultamos a mesma obra no acervo da Biblioteca da ECA-USP e no acervo do compositor. Não foram

observamos o uso de diversos materiais musicais incidentes também na obra Caleidoscópio, localizados principalmente na introdução do Réquiem. A partir de uma análise comparativa, pela proximidade da escrita e da proposta musical, chegamos a conclusão de que o compositor utiliza a mesma sequência de abertura labial no Réquiem e em Caleidoscópio. Nos símbolos relacionados à abertura labial, apenas um deles difere, o que indica “boca mais ou menos fechada”38. Interessante ressaltarmos a data da composição das peças, com apenas um ano de

diferença: o Réquiem foi composto em 1974 e Caleidoscópio em 1975.

Figura 22: Excerto 1 da peça Réquiem em Memória de Milton Gomes Op. 32 (símbolo de abertura labial).

Figura 23: Excerto 2 da peça Réquiem em Memória de Milton Gomes Op. 32 (símbolo de abertura labial).

38 Para uma melhor comparação entre os símbolos utilizados nas três peças apresentadas, sugerimos consulta à

Figura 24: Bula da abertura labial da peça Réquiem em Memória de Milton Gomes Op. 32, feita após análise comparativa.

Ainda sobre a peça Réquiem em Memória de Milton Gomes, localizamos mais um símbolo aparentemente criado por Lindembergue Cardoso, cujo significado não pudemos identificar. Este símbolo não é recorrente em nenhuma outra obra coral do compositor ou nos manuais consultados. O símbolo aparece ao final da primeira página, na entrada de número 10, para o coro I. Como pode ser visto na figura 26, cada linha representa um naipe, respectivamente, de baixo para cima: baixo, tenor, contralto e sopranos. Como todas as vozes vinham executando alturas indeterminadas, excluímos a possibilidade de o símbolo indicar um diapasão, pois também não há nenhuma indicação de altura ou mesmo região frequencial. O que percebemos é que o símbolo é acompanhado das entradas de vogais, como anteriormente o coro havia executado apenas sons consonantais e estalos de língua, talvez o sinal possa representar algum indício de som cantado. Tivemos acesso a um registro em áudio amador da peça, possivelmente da estreia, porém a gravação inicia na segunda página da peça, cortando a introdução que está na primeira página onde os símbolos sobre os quais discorremos aparecem, o que também dificultou nossa investigação.

Figura 26: Excerto da peça Réquiem em Memória de Milton Gomes Op. 32 (símbolo não identificado).

Dentre todos os símbolos levantados para elaboração da tabela apenas dois não tiveram seus significados identificados, ambos ocorrentes apenas nas obras em que foram localizados. Além do símbolo apresentado no Réquiem também identificamos um símbolo presente na obra

Carinhinho a Diamantina Op. 72, para barítono solista, coro misto e instrumentos, composta

em 1981. Incidente em três momentos da obra, diferente do símbolo do Réquiem – que não nos sugere nenhuma interpretação clara – podemos sugerir que nesta peça a grafia se relacione a sons curtos, emitidos em alturas indeterminadas:

Figura 27: Primeiro momento do símbolo sem significado identificado na obra Carinhinho a Diamantina Op. 72.

Figura 28: Segundo momento do símbolo sem significado identificado na obra Carinhinho a Diamantina Op. 72.

Figura 29: Terceiro momento do símbolo sem significado identificado na obra

Como no Réquiem, Carinhinho a Diamantina também não contém nenhuma bula explicativa. No primeiro momento em que a grafia aparece, podemos interpretar que se deva executar os sons com o fonema /s/.No segundo momento, supomos que esses sons possam ser emitidos com os fonemas /t/, /x/ e /c/, pois há um primeiro som sustentado acima que vem com o fonema /z/ e um segundo, indicado com vogais. Porém, no terceiro momento que o símbolo é utilizado, não temos nenhuma indicação, porque antes do símbolo aparecer, o coro fala as palavras “sempre-vivas!” e “diamantes!”.

Nos manuais que tomamos como referência, já citados em nosso trabalho, também não identificamos o símbolo apresentado. O autor francês Aubigny (1998), em seu livro L’ensemble

vocal a cappela: de 1945 à nos jours, apresenta tabelas com símbolos presentes nas obras

analisadas por ele. Neste trabalho localizamos um símbolo similar ao encontrado em

Carinhinho a Diamantina:

Figura 30: Símbolos para estalo de língua, Sonate à 12 (1970), de Betsy Jolas.

Figura 31: Símbolo usado para estalo de língua nas obras corais de Lindembergue Cardoso.

Localizado na obra Sonate à 12, para coro misto a 12 vozes solistas, de Betsy Jolas, composta em 1970, ambos símbolos se referem a estalos de língua, o primeiro “como um trote de cavalo” e o segundo “batendo na lateral da língua”. Apesar da similaridade gráfica, Lindembergue Cardoso também criou um símbolo específico para o mesmo efeito sonoro, localizado em cinco obras corais do compositor, todas da década de 1970, mas posteriores à peça de Jolas. Portanto, vemos que a falta de bulas explicativas produz uma dificuldade interpretativa, embora no caso das obras de Lindembergue Cardoso, entendemos que não sejam impeditivas para sua interpretação, por serem questões pontuais.

3.2.2. Tabelas explicativas