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CAPÍTULO IV: Índice cronológico comentado do corpus da pesquisa: aspectos estruturais, contextuais e notacionais

16. Memórias I Op

Data: Bahia, 12 de julho de 1977.

Meio de expressão: Coro (SATB), com três cantores por cada naipe e instrumentos (flauta,

oboé, clarinete, fagote, trompa, trompete, trombone, tuba, harmônio, piano e percussão - agogô, bumbo, caixa clara, 2 pratos, prato suspenso, surdo, tam-tam, tímpano, temple block e

woodblock).

Contexto: Obra de caráter experimental composta para o XI Festival de Inverno de Ouro

Preto.

Texto: Frases soltas e fonemas vocálicos. Duração: ca. 9’.

Edição: Cópia xerográfica de manuscrito autógrafo (13p.)

Estreia: 1977, Auditório do Instituto de Educação da UFMG, Belo Horizonte, Conjunto de

alunos do XI Festival de Inverno, Afrânio Lacerda, regente (Nogueira, 2009, p.42)

A obra é dividida em 10 seções, com 10 letras de ensaio correspondentes, escrita toda em notação mista, com uso predominante de notação aproximada. Observamos passagens com caráter mais tradicional - em relação à notação, ao tratamento harmônico, rítmico e melódico - e momentos com caráter mais experimental, com uso de elementos aleatórios e exploração tímbrica não usual, que se sobressaem em relação aos elementos tradicionais.

Em relação ao título e à proposta temática, identificamos três momentos da peça que nos sugerem algumas hipóteses. O primeiro é o uso pontual do texto sacro Kyrie eleison na letra B de ensaio. O segundo localiza-se na a letra I de ensaio, em que um tenor solo canta uma melodia com característica regional acompanhado de violão (há indicação do compositor para o cantor cantar como um sertanejo). Em seguida, como terceiro elemento, na mesma letra de ensaio, os coralistas falam nomes de super-heróis de histórias em quadrinhos. Podemos supor que a obra se relacione à memória afetiva do compositor, por conta da presença da religiosidade, do regionalismo e de elementos da infância, como personagens de quadrinhos.

Sobre o uso dos materiais musicais, como primeiro acorde da peça, na linha do harmônio/piano e nas vozes, o compositor utiliza o acorde dos sinos da igreja de Livramento, com abertura bastante similar à obra Dona Nobis Pacem Op. 28 (já citada em nosso catálogo), porém, aqui o coro inicia a peça com três divisi por naipe, somando 12 linhas.

A letra A de ensaio apresenta uso de alturas determinadas com durações indeterminadas, mas não cronométricas. Por meio da notação, o compositor sugere sons curtos e prolongados, mas não há relação de proporção. Podemos destacar aqui a criação de uma massa sonora com o coro e o harmônio, com sons longos, em contraste à textura pontilhista resultante dos sons em

staccato executados pelos outros instrumentos.

Na linha das vozes, além do uso de sons prolongados, no decorrer da peça verificamos a exploração de sons extremos, diferentes contornos melódicos sem altura determinada, uso glissandos e da voz falada. A sobreposição desses contornos melódicos, bem como a exploração de sons vocálicos com dinâmicas contrastantes geram diferentes efeitos de textura e densidade. Diferente de outras peças, os sons consonantais são pouco explorados. Identificamos um momento, na letra D de ensaio, que após um lento glissando com a vogal <a>, o coro produz um som sustentado com a consoante fricativa <s>.

Contudo, os fonemas vocálicos são explorados em quase todas as suas possibilidades. Como exemplo disso, destacamos a letra J de ensaio, em que há um retorno à ideia inicial da peça. Retomando o acorde dos sinos da igreja de Livramento, com a proposta de sons prolongados, as linhas das vozes exploram os sons das cinco vogais (a,e,i,o,u) de forma aberta (como pronunciado no dialeto baiano), nasalizada e fechada, com indicações fonéticas feitas a partir do uso do acento circunflexo e de indicação de nasalização usando o til. Outro trabalho do compositor, sobre o qual já discorremos e que podemos observar o mesmo procedimento é o Método de Educação Musical, em que Lindembergue Cardoso propõe exercícios de improvisação coletiva utilizando os fonemas vocálicos em suas diferentes formas.

Figura 39: Exploração dos fonemas vocálicos em Memórias I Op. 48.

17. Saudade

(Título atribuído por Lucy Cardoso)

Data: Salvador, outubro de 1977.

Meio de expressão: 67 vozes e instrumentos (piano, flauta doce, folha de zinco e pífano) Contexto: Música experimental composta para alunos.

Texto: Fonemas e palavras soltas. Duração: Sem informações.

Edição: Compilação do manuscrito autógrafo. Cópia xerográfica (17p.) - A princípio eram 67

páginas pequenas, pois cada uma continha um fragmento da obra. Os fragmentos foram compilados por Lucy Cardoso, gerando um arquivo único de 17 páginas.

Esta obra foi composta para 67 alunos de um curso que L. Cardoso lecionou em Fortaleza, Ceará, e, a princípio, não continha título, sendo que este foi atribuído posteriormente por Lucy Cardoso. A página de capa da partitura apresenta uma dedicatória com instruções de execução da obra:

Essa composição é o sinal de que fiquei gamado por vocês. Ela começa no n°1, e termina no n°67. Para conhecer toda a peça, é preciso procurar as outras pessoas e fazer uma reunião. Cada pessoa tem somente um fragmento. Saudade de Lindembergue Cardoso. Out. de 77. (CARDOSO, 1977, página de rosto da partitura de Saudade).

A peça tem como principal caraterística o uso da aleatoriedade. Cada fragmento representa um evento musical e conforme o número de participantes aumenta, os eventos são adensados numericamente. Os fragmentos são escritos em folhas em branco e quando há uso de notação tradicional o compositor escreve manualmente a pauta, qualificando o que chamamos de notação gráfica (que não utiliza o espaço do pentagrama), na qual insere-se a notação aproximada, com uso da clave de regiões tanto para o piano quanto para as vozes. Os cantores manipulam os instrumentos solicitados. Em relação ao material musical utilizado, há grande exploração de movimentos melódicos ondulatórios, indicações de alturas extremas, uso da voz falada, cantada com alturas determinadas e indeterminadas. Por vezes há escrita rítmica métrica, cronométrica e em alguns eventos não há indicação de duração. Verificamos também o aproveitamento de grandes fermatas de silêncio. Nos últimos fragmentos todos executam as propostas juntos e a palavra “saudade” é explorada sonoramente, terminando com um aparente “caos”.

18. A voz colérica do megafone