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A atitude do jornal frente aos Estados Unidos foi ambígua. Embora o país ajudasse materialmente a Inglaterra, não se en­ volveu no conflito até dezembro de 1941. Entre as críticas feitas aos norte­americanos, o editorial “Fatores de vitória e de derrota”, no qual se analisa as reações de jovens americanos e alemães ante ao serviço militar, pode ser considerado exemplar.

Merecem reflexão demorada, porque estão cheias de ensina­ mentos, as notícias sobre a reação do povo norte­americano contra o serviço militar obrigatório. Todos os meios são bons para evitar a caserna. [...] Ontem, só num distrito de Nova York os casa­ mentos aumentaram em proporções de cem por cento e isso porque, ao que parece, a futura lei de serviço militar não atingirá os casados. [...] Isso revela, seja como for, um desfibramento notá vel exatamente da mocidade que nessas ocasiões, em outros países, vibra de amor pátrio e canta hinos de entusiasmo. Moci­ dade amolecida pelo excesso de bem­estar, sem élan, sem von­ tade, sem cuidados pela defesa de seu país. [...] Como é expressiva a fisionomia dessa mocidade germânica que venceu nos campos da Polônia e nas planícies das Flandres! A pátria antes de tudo, a sua defesa, a sua inviolabilidade, a sua vitória! [...] Ninguém, da­ queles lados, se quis refugiar no subterfúgio dum casamento apressado para fugir aos deveres patrióticos. Fator de vitória. Nestas bandas resulta um flagrante desconcerto entre as vozes oficiais que conclamam às armas e a tendência da juventude – o núcleo dos exércitos – orientada para o tranquilo gozo das doçuras do lar. Fator de derrota. (Meio-Dia, 13/8/1940, p.2)

No texto, a suposta falta de vontade em servir à pátria é tomada como amolecimento do caráter da juventude dos Estados Unidos, acostumados com as facilidades de uma vida simples e sem compli­ cações. Tal atitude configuraria a corrupção do próprio país, pois seus jovens não estariam preocupados com a defesa do território

norte­americano, e os casamentos apressados eram a melhor forma de se escapar ao dever, atestado da falta de combatividade do país. Já os alemães eram cônscios do seu dever para com a pátria e contri­ buíam para o esforço de guerra da melhor forma possível, acredi­ tando na vitória da Alemanha. Se os alemães estavam preparados para todos os sacrifícios, o mesmo não ocorria com os norte­ameri­ canos, pois haveria dissonância entre o governo, que exaltava os jovens a se alistar, e a desobediência destes, patente nos estrata­ gemas para fugir ao serviço militar.

Inojosa foi além quando atacou dura e diretamente a política norte­americana. Trata­se de texto importante para a trajetória do

Meio-Dia, graças às consequências que gerou. Inojosa refere­se a

Sumner Welles, subsecretário de Estado de Franklin Delano Roo­ sevelt até 1943. O diretor do Meio-Dia acusava Welles por oferecer suporte aos britânicos, além de atacar a política japonesa. Acusava­ ­o, ainda, de orientar os países da América Latina a apoiarem os ingleses, o que significava romper com a neutralidade acertada nas conferências de Havana e do Panamá e envolver­se no conflito. Para Inojosa, todavia, as repúblicas latinas não precisavam ser ca­ pitaneadas pela vontade estadunidense e deveriam manter­se neu­ tras em relação aos beligerantes.39

39. “Em declarações ontem publicadas, afirma Sumner Wells que os Estados Unidos continuarão a cooperar com a Inglaterra, prestando­lhe ‘todo o auxílio material, mediante o abastecimento de provisões e munições’. Censura depois o Japão. Tenta defender os ‘interesses históricos’ dos Estados Unidos no Ex­ tremo Oriente. Repete a desacreditada cantilena de que a guerra atual repre­ senta um esforço destruidor da ‘barbárie contra a civilização, da treva contra a luz’. Linguagem de orador popular para enternecer ou exaltar as multidões – como é de uso nos países democráticos. Não fosse o sr. Sumner Wells sub­ secretário de Estado e nós o chamaríamos de porta­voz da demagogia ame ricana... [...] Depois de falar nesse tom, esse outro Wells, nos arroubos de sua fantasia primaveril, apela para a solidariedade americana. [...] Eis aí em que parece enganar­se o subsecretário americano. Os Estados Unidos conti­ nuam a querer impor os seus pontos de vista exclusivos, como, por exemplo, o de que os demais governos da América lhe devam aplaudir a intervenção em favor de um dos beligerantes, numa quebra ostensiva dos princípios de neutra­ lidade firmados nas Conferências de Panamá e de Havana. [...] Política de so­

O artigo recebeu críticas imediatas. Segundo o brasilianista Stanley Hilton,

Um artigo de Joaquim Inojosa, Solidariedade defensiva, publicado no Meio-Dia, de 30 de setembro, provocou uma queixa da embai­ xada (americana) junto ao DIP. Irritado porque teria dado “ins­ truções específicas” ao diretor do Meio-Dia para se abster de comentários abertamente favoráveis ao Eixo, Lourival Fontes re­ solveu suspender o jornal por cinco dias, decisão oficialmente to­ mada pelo Conselho Nacional de Imprensa. (apud Silveira & Moraes Neto, 1990, p.476­7)

O próprio Inojosa comentou o caso em suas memórias e citou um número do Diário Oficial de fins de 1940, no qual constava a decisão do Conselho Nacional de Imprensa (CNI) de suspender o jornal por cinco dias (Inojosa, 1978, p.78­9). Inojosa teria até es­ crito uma queixa a Lourival Fontes e ao Conselho, que não foi se­ quer respondida (idem, p.82). A publicação só voltou a circular em 7 de outubro de 1940 e, a partir daí, evitou toda e qualquer crítica de teor mais forte aos americanos.

Além dos problemas enfrentados por Inojosa com o DIP e o CNI, a mudança do tom dos editoriais e artigos de Inojosa não passou despercebido. A embaixada norte­americana, segundo Stanley Hil­ ton, monitorava a situação da imprensa pró­nazista no Brasil e se preocupava com o avanço da Transocean entre os órgãos de imprensa. Segundo Hilton (apud Silveira & Moraes Neto, 1990, p.476),

lidariedade defensiva e não de solidariedade ofensiva é a que seguem os países americanos, isto é, que se acham unidos coletivamente contra qualquer agres são externa. Mas nenhum compromisso existe de que venham a acompa­ nhar este ou aquele governo que, destacando­se da comunidade, queiram en­ volver­se num conflito na Europa, ou na Ásia. Neste ponto repetirão a fórmula de 1914: entre na guerra quem quiser. Se Sumner Wells pensa o contrário, os fatos terão que desiludi­lo.” (Inojosa, 30/9/1940, p.2)

O Departamento de Estado estava bastante preocupado com a si­ tuação do Brasil em meados de 1940. Em julho, Sumner Welles (subsecretário de Estado) consultou a embaixada no Rio de Ja­ neiro sobre a extensão da propaganda alemã na imprensa brasi­ leira. O próprio Herbert Moses (presidente da ABI) forneceu um memorando sobre o esforço da Transocean junto a vários jornais, entre eles, naturalmente, o Meio­Dia. Em fins de agosto, a embai-

xada informou que o Meio­Dia já imprimia quinze mil exemplares

por dia, enquanto, antes, tivera uma tiragem de apenas três mil, fato que os observadores americanos atribuíam ao controle que os alemães teriam estabelecido sobre o jornal. (Idem, p.476; grifo meu)

Já em 1941, o jornal condenava a crescente intromissão norte­ ­americana no conflito europeu e elogiava figuras que defendiam o isolacionismo, como Lindbergh e o magnata da imprensa William Randolph Hearst. Além disso, a chamada Carta do Atlântico, assi­ nada por Winston Churchill e Franklin Delano Roosevelt, foi alvo de pesadas críticas e tomada como indício da entrada dos Estados Unidos na guerra. Inojosa fez questão de registrar sua estranheza mediante o fato do presidente de um país neutro assinar o docu­ mento. Igualmente criticado foi o encontro entre Churchill, Stálin e Roosevelt. O escritor vaticinou que, após as vitórias alemãs na Rússia e no norte da África, os norte­americanos teriam que acertar contas com a Alemanha vitoriosa, o que poderia desencadear um conflito em escala mundial cuja culpa era, de antemão, atribuída

aos Estados Unidos.40 Em mais de uma oportunidade, o vespertino

40. “A reunião de Moscou seria natural entre países envolvidos no conflito, mas não deixa de causar estranheza que a ela – conferência de beligerantes em terri­ tório beligerante – compareça potência neutra para debater problemas de guerra. Ao regressar a Washington, e com o intuito claro de desfazer a má im­ pressão da propaganda anglófila, o presidente Roosevelt declarou que o seu país continuava tão afastado da guerra como antes de seus entendimentos com Churchill. Mas convém em palestrar, não ao pé da lareira, mas ao canto de um subterrâneo, com o ditador ‘camarada’ do comunismo. Entre aquelas pri­ meiras afirmativas e esta última atitude, convenhamos que há contradição. [...]

carioca aconselhou Roosevelt a aplicar a Doutrina Monroe (A América para os americanos) para a situação europeia, ou seja, os problemas do velho continente diziam respeito apenas aos seus ha­ bitantes, o que estava em consonância com os interesses alemães, que desejavam os norte­americanos distantes de seu tradicional aliado, a Inglaterra.41