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Prisão de Henriques, Inojosa e outros funcionários do Meio-Dia

A crescente vigilância exercida pelo Dops atingiu seu ápice um mês depois da declaração de guerra aos países do Eixo, em setembro de 1942, quando Inojosa foi preso e levado à Polícia Central. Em suas memórias, assim se referiu ao episódio:

15. “Consta, nos círculos jornalísticos, que o Snr. Joaquim Inojosa está em nego­ ciações para vender a maquinaria e demais pertences do jornal ‘Meio­Dia’, já tendo recebido, nesse sentido, três propostas. – Elementos ex­empregados no aludido jornal recorreram à Justiça do Trabalho, reclamando o pagamento de seus salários, motivo pelo qual o Snr. Inojosa foi chamado ao órgão compe­ tente, a fim de esclarecer a situação. Esses mesmos elementos, por intermédio do Snr. Vargas Neto, dirigiram um memorial ao Snr. Presidente da República, solicitando outras colocações. S. Excia. teria determinado ao Major Coelho dos Reis que aproveitasse, na medida do possível, os elementos em questão. O dire tor do DIP, apesar de haver prometido atendê­los, não pretende, ao que consta, colocá­los no órgão que dirige, receoso de que venha a ser taxado de simpatizante do ‘Eixo’, em virtude das comprovadas tendências ‘germanó­ filas’ do ‘Meio­Dia’ e da maioria de seus serventuários.” (Dops, 4/12/1942)

Tratava-se, entanto, do seguinte: já havia o Brasil quebrado a sua neutralidade, quando a polícia, invadindo os escritórios da organi- zação de Plínio Salgado – com quem eu jamais tivera contato –, encontrou aos milhares páginas do jornal Meio­Dia contendo o úl- timo discurso do ministro alemão Von Ribbentrop. Dedução: o jornal estava imprimindo discurso de um inimigo da pátria... Somente que se tratava de página impressa quando ainda o Brasil era um país

neutro, liberado pelo DIP e até divulgado também pelo jornal A

Noite, propriedade do Governo. Justificou isto que pelas 17h me chegasse o delegado encarregado da heroica diligência e me pe­ disse desculpas:

O Sr. desculpe. Foi um equívoco. Isto por aqui é assim

mesmo...Tome papel. Escreva o que quiser.

Ora, é evidente: bastava que o cel. Etchegoyen houvesse con­ ferido a data do jornal e confrontado com a coleção deste, para co­ nhecer a verdade, sem tanto aparato e violência...

Guardei cópia do que escrevi, em que me limitei apenas a assu mir responsabilidade de tudo quanto houvesse ocorrido no jornal, relatando o fato nas minúcias destas palavras:

– Relativamente à página do Meio-Dia que se apresenta sob o título de “Discurso pronunciado pelo barão Von Ribbentrop” etc., e que tem a data de 28/11/1941, página 5, devo declarar o seguinte:

Trata­se da página 5 de uma das edições do Meio-Dia, de 28 de novembro de 1941. [...]

“Relativamente à aludida página do Meio-Dia, trata­se de um discurso proferido pelo Ministro das Relações Exteriores da Ale­ manha, publicado pelo Meio-Dia e presumo que noutros jornais brasileiros, pois sua divulgação se achava autorizada pelo DIP. Sendo o Brasil neutro relativamente à guerra europeia naquele mês de novembro de 1941, e mantendo relações diplomáticas com a Alemanha, esses discursos podiam publicar­se com maior ou menor destaque, dependendo da feição discreta ou sensacionalista do jornal, ou do interesse que tivesse, de servir ao seu público. [...]

– Perguntado sobre se, em novembro de 1941, lhe fora solicitada

a impressão do discurso publicado no jornal Meio­Dia, de 28-11-

1941, do Ministro das Relações Exteriores da Alemanha, o signa- tário respondeu que não se recorda, nem se fora feita tal encomenda, nem por quem teria sido feita, nem se fora executada ou não.

Rio, 19­9­1942. Joaquim Inojosa de Andrade. (Inojosa, 1978, p. 89­90; grifo meu) O trecho chama a atenção por alguns detalhes importantes. O primeiro deles é a suposta célula integralista clandestina. No pron­ tuário de Inojosa, conservado no Aperj, há menção aos seus con­ tatos com integralistas. O diretor do Meio-Dia teria tido encontros com Raimundo Padilha, chefe do movimento integralista após o exílio de Plínio Salgado em Portugal. Padilha, tal como Inojosa, foi financiado pelos alemães, porém na tarefa de espião (Coutinho, 2001). Em 1940, uma visita do jornalista à sua residência chamou a atenção da polícia. O motivo do encontro teria sido um suposto pedido de Inojosa para que todos os integralistas remanescentes lessem o seu jornal, ao que Padilha teria respondido que essa deci são caberia aos mesmos (Dops, 13/12/1940, p.10). Caso a in­ formação esteja correta, Inojosa teria mantido contato com os inte­ gralistas, o que contraria suas alegações.16 Contudo, ainda segundo

relatórios da polícia, foram realizadas buscas na casa de Luiz Vieira Leitão, contínuo e vigia do Meio-Dia, onde foram apreendidos bo­ letins de propaganda nazista, impressos nas oficinas do periódico, e não eram, tal como havia afirmado Inojosa, simples páginas con­ tendo discurso de Ribbentrop.17

16. Além de Padilha não foram encontradas informações sobre contatos de Ino­ josa com outros chefes integralistas, como Plínio Salgado e Gustavo Barroso. 17. No interrogatório de Mário da Trindade Henriques, consta que “a respeito da

data: vinte e oito do onze de mil novecentos e quarenta e um (28/11/1941) – sexta­feira – página seis –, constante do impresso do discurso do Ministro do Exterior do Reich, declara que a referida data saiu no impresso porque o mesmo foi aproveitado da chapa da página seis do número do jornal daquele

A documentação policial assinala que foram detidos, além de Inojosa e Leitão, três outros envolvidos: o motorista Josué Cân­ dido da Silva, o fiscal do material e gráfica, Eustáquio Lino da Silva, além do gerente do vespertino, Mario da Trindade Henri­ ques. Tanto os dois primeiros quanto Henriques foram enfáticos em declarar que a gráfica do jornal imprimia propaganda para a Embaixada da Alemanha e Consulado Geral Alemão e que eram pagos para tanto. Eustáquio da Silva afirmou que foram três as remessas impressas para os germânicos (30, 50 e 80 mil boletins) (Dops, 21/9/1942, p. 27), e Henriques teria declarado à polícia que os boletins de propaganda nazista eram financiados pela Trans-

ocean e que todas as transações eram aprovadas por Inojosa (idem,

p.29). Dessa forma, há fortes indícios de que o diretor do Meio-Dia, ao relatar sua prisão anos depois, procurou defender sua repu tação e escamoteou sua ligação com os nazistas durante a década de 1940. O episódio demonstrou que a polícia já tinha prévio conhe­ cimento das atividades e da ligação do jornal com os alemães, razão pela qual monitorava a publicação há bastante tempo. De qualquer forma, fica patente que as relações entre Inojosa, seu jornal e os ale­ mães eram bem mais complexas, pois demandavam outros tipos de favores que não apenas a mera reprodução de propaganda nazista em artigos e editoriais.

dia, o que igualmente aconteceu com os demais impressos que neste ato lhe é mostrado, uma vez que estes mesmos impressos foram confeccionados tal qual saíram publicados no jornal, o que, facilmente, poderá ser constatado, se houver um confronto entre aqueles impressos e os exemplares do jornal exis­ tentes no seu arquivo; que, quanto à divergência havida no impressos de sexta­ ­feira, vinte e oito de onze de mil novecentos e quarenta e um (28/11/1941) e a página do jornal do mesmo dia da publicação do aludido discurso, declara que esta divergência deve ser de paginação, pois a matéria é a mesma, e a que inte­ ressava ao impresso encomendado pela mencionada agência telegráfica” (Dops, 21/9/1942, p.29).