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AMILCAR CABRAL: UM EDUCADOR CUJO OFICIO LIBERTOU MENTES E CORPOS

No documento ANAIS – Mostra Científica 2019 (páginas 134-138)

EIXO 1 – Interlocuções entre Conhecimento e Saber no Campo da Docência RESUMO:

2 AMILCAR CABRAL: UM EDUCADOR CUJO OFICIO LIBERTOU MENTES E CORPOS

Filho de Juvenal Lopes Cabral (cabo-verdiano de ascendência guineense), professor, e de Iva Pinhel Évora (guineense de ascendência cabo verdiana), Amílcar Cabral nasceu na cidade de Bafatá, então Guiné Portuguesa, em 12 de setembro de 1924. Por causa de seu elevado desempenho escolar, aos 21 anos foi contemplado com uma bolsa de estudos para cursar Engenharia Agrônoma no Instituto Superior de Agronomia – ISA, em Lisboa. Em 1951, casou-se com Maria Helena Rodrigues, uma portuguesa natural de Chaves, sua colega no Instituto Superior de Agronomia, uma das primeiras mulheres agrônomas em Portugal. Nesse período, frequentou a Casa dos Estudantes do Império e a Casa da África, ambientes onde desenvolveu atividades artísticas focalizando a identidade negra, atividade que faz parte do que ele designa como sendo a reafricanização dos espíritos. (SPAREMBERGUE, 2011)

Mais adiante retornaremos a esse tema, que é tão importante para os fundamentos da estrutura pedagógica de Cabral, mas, por ora, convém dizer do sujeito do discurso, posto que seu local de fala é significativo para compreender seu pensamento. Em 1952, Cabral concluiu o curso de agronomia e retornou para Guiné-Bissau, passando a assumir o cargo de diretor do Posto Agrícola Experimental de Pessubé, ocasião em que ficou responsável pela realização do primeiro recenseamento agrícola do país. Essa oportunidade lhe permitiu conhecer de perto a realidade da população guineense. Foi fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde – PAIGC - e principal “arquiteto” da independência da Guiné Bissau e de Cabo Verde e um dos mais prestigiados dirigentes da gesta libertadora em África. Sua vida teve fim em 20 de janeiro de 1973 em Conacri, Guiné, vitimado por um homicídio praticado, e ainda não esclarecida a autoria. Após a morte de Cabral, a luta armada se intensifica e a independência de Guiné-Bissau é proclamada, unilateralmente, em 24 de setembro de 1973. Seu irmão, Luís de Almeida Cabral, é nomeado o primeiro presidente do país.

Apresentado o sujeito que nomina este estudo, convém agora dizer das razões pelas quais ele é tão relevante para a educação. Durante a atividade de recenseamento, Cabral conhece estudantes que, assim como ele, demostravam preocupação com a colonização europeia em África e a necessidade urgente da manutenção dos valores africanos. Eles perceberam que pertencia à sua geração a responsabilidade histórica de denunciar a situação de opressão colonial portuguesa e de assumir o compromisso e o engajamento na luta pela libertação nacional. A partir dessa percepção, diversos encontros envolvendo debates políticos tornaram-se uma constante; Cabral, Agostinho Neto, Mário de Andrade, Marcelino dos Santos e Francisco José Tenreiro fundaram clandestinamente o Centro de Estudos Africanos, contudo a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), o fechou em 1951. Naquela época, em plena guerra fria, a situação dos países de colonização portuguesa era demasiadamente complexa, pois Portugal estava sob a truculência de António Salazar, considerado o ditador mais violento da história do país e totalmente contrário à descolonização. (CORREA,2018)

Esse posicionamento de Cabral é alinhado com o fato de ele ser um militante panafricanista201, por isso sempre esteve comprometido com a unidade dos povos africanos e compreendia que a luta e, consequentemente, a educação possuem dimensão e atuação política.

O pensamento crítico que envolve as duas esferas precisava levar consciência de luta face à colonização, de forma a assegurar que a organização da luta fosse necessariamente fruto de uma análise concreta da própria realidade. Para Cabral, a luta precisaria estar pautada em condições materiais e concretas e não abstratas, por isso a mobilização foi possível. Era necessária uma causa de prospecção futura e real, assim lutaram para alcançar a efetivação de viver melhor e em paz.

O significado de nossa luta, não é só em relação ao colonialismo, é também em relação a nós mesmos. Unidade e luta. Unidade para lutarmos contra o colonialista e luta para realizarmos a nossa unidade, para construirmos a nossa terra como deve ser. (CABRAL, 1978, p. 8).

201 O Panafricanismo nasceu da luta de ativistas negros em prol da valorização de sua coletividade étnico-racial.

Sua marca original é a construções de visões positivas e internacionalistas acerca desta identidade, entendida como comunidade negra: africana e afrodescendente. Entre seus representantes, destacam-se intelectuais como E.

Blyden, W. E. Du Bois. M. Garvey, Franz Fanon e K. N´Krumah. (BARBOSA, 2012. p. 135)

Outro fator que chama bastante atenção na luta por libertação nacional, é o papel que Amilcar Cabral proporcionou às mulheres no PAIG, conforme afirma Gomes:

Nesse contexto, a contribuição das mulheres foi importante e permitiu alcançar objetivos em termos de organização das instituições nascentes. No seu Programa de Ação, o PAIGC estabeleceu a igualdade entre os homens e as mulheres, afirmando que os homens e as mulheres gozam dos mesmos direitos na família, no trabalho e nas atividades públicas. Se se considerar o contexto político sociocultural da época, estas palavras traduziram-se numa verdadeira inovação em relação ao estatuto da Mulher na esfera pública.

(GOMES, 2016, p.73).

A lucidez e o brilhantismo de Cabral despertaram, inclusive, a admiração do educador Paulo Freire que o chamou de Pedagogo da Revolução. Para o pedagogo da revolução, o processo educacional tinha como ferramenta fundamental a formação de uma consciência revolucionária, onde a denúncia da realidade opressora faria parte do processo de libertação por isso Amilcar conduziu o processo de emancipação através de uma luta cotidiana. Ele advogava pela educação como aporte para a emancipação do povo, nas reuniões da organização explanava com uma linguagem simples e didática, utilizava-se de exemplos cotidianos, que facilitassem a compreensão das ideias e dialogassem com a vivência dos militantes. (FREIRE, 1978). Então, a partir de tal perspectiva e como se relacionava a luta por libertação e os propósitos pedagógicos de Amilcar Cabral no PAIGC?

O PAIGC tinha como principais propósitos a união, a autonomia e a libertação do povo de Guiné e Cabo Verde. Isso, para o referido educador, dar-se-ia através da descolonização mental e descolonização física desses povos, conseguindo, dessa forma, extrapolar os limites de ser apenas um partido e se concretizar como ferramenta produtiva do bem fazer e pensar.

Entende-se que bem fazer estaria ligado à luta concreta por libertação e o bem pensar, à efetivação da descolonização mental na guerra anticolonial. Um dos objetivos alcançados pelo PAIGC foi o desenvolvimento das forças produtivas e luta contra a ignorância e pela promoção do conhecimento e da cultura. O papel da educação objetivava as transformações social, cultural e política que envolviam necessariamente os africanos daqueles países na luta anticolonialista.

Trazendo em dados, além de um partido político, exerceu um trabalho educativo importante, escolarizando crianças a partir dos dez anos. A idade mínima para admissão na

instrução primária se fez por conta das condições de guerra. No ano letivo de 1971-1972 o PAIGC tinha nas zonas libertadas um total de 164 escolas, onde 258 professores ensinavam a 14.531 alunos. Posteriormente, os melhores alunos eram selecionados para frequentarem os internatos do partido. Em dez anos, de 1963 a 1973, foram formados os seguintes quadros do PAIGC: 36 com o curso superior, 46 com o curso técnico médio, 241 com cursos profissionais e de especialização e 174 quadros políticos e sindicais. Diferente disso, o governo colonial português que vigorou de 1471 até 1961 formou apenas quatorze guineenses com curso superior e onze ao nível do ensino técnico. (FREIRE, 1978).

Convém salientar um episódio na vida de Cabral que serve para compreender essa preocupação com a educação em Guiné e Cabo Verde, sobretudo quanto à competência leitora das pessoas que frequentavam o ensino institucionalizado. Uma experiência feita por Cabral em 1949, quando do gozo das férias em Cabo Verde, ainda um jovem estudante de agronomia, percebeu que alguns indivíduos, cujo estudo havia parado no segundo grau (antigo 4º ano de escolaridade), liam o jornal e o resultado era que “não sabiam ler nada, porque leem, mas não sabem o que estão a ler”, pelo que os considerava “analfabetos que conheciam as letras”, remarcando, todavia, que isso não acontecia apenas ali, pois “há muita gente assim e até, às vezes, doutores” (ROMÃO; GADOTTI, 2012). O acesso à educação institucionalizada não conferia aos sujeitos serem de fato alfabetizados. Decodificar a escrita não é a mesma coisa que entender que é decodificado. A percepção dessa realidade reverbera em toda a sua contribuição para a educação em África e, porque não dizer, no Brasil, posto que o fato de ele ser objeto deste artigo já ratifica ser ele também importante deste lado do Atlântico.

Sendo assim, o entendimento para além da decodificação permite ao indivíduo sair daquilo que Paulo Freire (1996) chamaria de inércia intelectual, onde o indivíduo estaria moldando a sua realidade cognitiva num reflexo repetido daquilo que o impõe, num aprisionado e dependência, que o objetifica. A subjetividade do indivíduo neste processo de alienação mental o coloca sempre no lugar de inferioridade, quando a reprodução isenta de significados, produz um esvaziamento do saber, este, propício à colonização mental, muito comum nas ideologias de opressão e dominação. E é no combate à alienação mental que Amilcar Cabral constrói a sua atividade político-pedagógica, com um olhar humanizado para o outro, consciente de seu papel, transforma o sistema educacional alienante em instrumento de

conscientização, emancipação e libertação, incluindo aí a construção de instituições de ensino e a utilização das reuniões do partido para exercer também, o seu papel de pedagogo.

3 DESCOLONIZAÇÃO MENTAL: A PEDAGOGIA LIBERTADORA DE AMILCAR

No documento ANAIS – Mostra Científica 2019 (páginas 134-138)