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Amplas oportunidades tecnológicas da biotecnologia agrícola

TrAJETóriA TECNolóGiCA E APrENdiZAdo No SETor AGroPECuário

3.1 Amplas oportunidades tecnológicas da biotecnologia agrícola

Pode-se descrever a trajetória tecnológica da biotecnologia a partir dos desenvolvimentos científicos da biologia molecular. Conforme mostra Campos (2007), as oportunidades tecnológicas foram sinalizadas a partir de um incentivo dado pelas possibilidades geradas por conhecimentos científicos radicalmente novos.9

A trajetória tecnológica do melhoramento genético vegetal, iniciada cerca de 50 anos antes das descobertas científicas atribuídas a Watson e Crick, baseou-se nos conhecimentos da estatística, da genética mendeliana e da arte da agricultura.

9. Para uma fonte básica sobre biotecnologia, ver CIB (2009). Também o sítio <http://www.cib.org.br> fornece referências atualizadas sobre questões técnicas, jurídicas e econômicas do tema.

Neste sentido, a aplicação da biologia molecular na agricultura gera inovações que rompem as limitações impostas pelo melhoramento genético convencional, mas não eliminam e nem mesmo reduzem sua importância. Do ponto de vista da ciência, ela significa ruptura; do ponto de vista das trajetórias tecnológicas, ampliação do paradigma iniciado pelo uso sistemático do conhecimento científico ao melhoramento genético (CHIAROMONTE, DOSI e ORSENIGO, 1993).

Explicando melhor, os conhecimentos acumulados em blocos que vão formando o corpo de conhecimento em torno da moderna biotecnologia colocam em questão a noção de trajetória biotecnológica. Compondo com as técnicas de biotecnologia molecular, os blocos estão relacionados à bioinformática, à identificação de marcadores moleculares, às técnicas de verificação da capacidade de expressão genotípica, aos mecanismos reguladores da expressão gênica, às técnicas de biobalística e aos outros mecanismos de transferência de genes, amparados em conhecimentos da bioquímica, dos mecanismos de fisiologia celular, da botânica, da microbiologia e da física – por exemplo, do uso de raio laser.

Este corpo amplo de conhecimento tem que se articular com técnicas de melhoramento genético convencional, envolvendo estudos estatísticos de agronomia, entomologia e saúde humana. Alguns destes blocos de conhecimento operam na forma de mecanismos de retroalimentação, apontando, por exemplo, que um conceito pode ser equivocado por ser potencialmente causador de alergias em certos grupos de consumidores. Outros são essenciais para a viabilização do projeto, criando potenciais barreiras ao seu sucesso (KLINE e ROSEMBERG, 1986; FONSECA et al., 2004).

A combinação desses blocos amplia o paradigma tecnológico em uma velocidade elevada, parte induzida por desafios – como aqueles colocados pela bioenergia no Brasil, ou pela mudança da forma da pirâmide populacional, que favorece o consumo de alimentos funcionais, ou ainda pela emergência da ferrugem asiática na soja –, parte pela exploração das oportunidades criadas por novas combinações dos blocos de conhecimento – como a possibilidade de criar biofábricas a partir de animais recombinantes.

Assim, uma trajetória tecnológica (TT) bem definida, como a dos transgênicos, não garante a convergência tecnológica do conjunto de possibilidades abertas pela biotecnologia e pela combinação de seus blocos de conhecimento e das tecnologias intermediárias (enabling technologies), que são corporificadas em mercados especializados. A competição tecnológica é ampla e não se limita a um conjunto de técnicas bem-sucedidas que criam expectativas tecnológicas bem definidas, como parece ser o caso da transgenia atual.10

10. Costuma-se dividir em três as fases pelas quais passam os organismos geneticamente modificados por transgenia: i) fase 1, em que caracteres monofatoriais são incorporados em organismos-alvo (soja, por exemplo), expressando

Para a formulação de estratégias e políticas, é vital para os agentes manterem- se diversos tipos de ações de antecipação de tendências tecnológicas (technological foresight), combinadas com a análise crítica do portfólio de conhecimento científico e técnico, o que inclui variadas formas de proteção intelectual, de segredo ao uso de patenteamento (e também as formas sui generis de proteção intelectual), passando por acordos entre inovadores e seus clientes e contratos de cooperação pré-competitiva (DAL POZ e BARBOSA, 2008; BONACELLI et al., 2007). Empresas públicas e privadas que fiquem presas em algum processo com dependência de caminho (ou seja, lock in) podem amargar futuras perdas de competitividade ou simplesmente serem deslocadas do mercado.

Não se trata, conforme apontado na seção 2, de questões restritas ao conhecimento tecnológico contido apenas nas empresas ou nas organizações. As oportunidades tecnológicas abertas pelos blocos de conhecimento em biotecnologia correspondem a arranjos institucionais que geram trajetórias regionais e locais da biotecnologia. A literatura recente sugere que as combinações de oportunidades geradas pela tecnologia podem ser vinculadas às dotações e capacitações acumuladas em áreas estratégicas.

Essa visão remete à discussão sobre concorrência e ao argumento do monopólio. Os críticos da transgenia11 argumentam, com alguma razão, que a corrida tecnológica (também chamada corrida de patente, em que o primeiro a se mover ganha tudo) provoca um movimento de aquisição de empresas de sementes que pode levar ao monopólio de um bem que é, de certa forma, público. Consideram-se as sementes um bem público, portadoras de recursos genéticos, os quais devem estar disponíveis a todos os pesquisadores, segundo estabelecido pela Union for the Protection of New Varieties of Plants (UPOV), em 1978, e pela Convenção da Biodiversidade, em 1992 (BIOTECSUR, 2009). A fruição de lucros de monopólio temporários advindos do pioneirismo é a base da competição schumpeteriana. A aquisição de empresas de semente não garante o monopólio, uma vez que as barreiras à entrada neste segmento, além de pequenas, somente são reforçadas por algum arranjo institucional que favoreça o monopólio local ou regional. Sempre é possível uma cooperativa organizar produtores para contestarem mercados que porventura disponham de material genético e tecnologia competitiva. Desta forma, a monopolização do mercado por uma empresa apenas ocorreria se os arranjos privados e públicos em torno da

características desejáveis do ponto de vista agronômico – esta fase em si gera uma TT, pelos seus desdobramentos para novas culturas, pelos novos eventos e pela piramidização de eventos (soja ao mesmo tempo resistente a insetos e tolerante a herbicidas); ii) fase 2, em que ocorre inserção de caracteres monofatoriais, visando-se obter enriqueci- mento alimentar, como a melhoria da qualidade do óleo de soja; e iii) fase 3, representada pelas biofábricas, como, por exemplo, cabras em cujo leite são produzidos fatores de sangue.

pesquisa biotecnológica e do melhoramento genético vegetal não existissem e se toda pesquisa fosse realizada internamente pelo agente monopolista.12

Conclui-se que o monopólio temporário em biotecnologia agrícola, em face das oportunidades tecnológicas criadas pelos blocos de conhecimento, somente se efetiva na presença de uma forte convergência no padrão tecnológico, como no caso do setor de aves (BIOTECSUR, 2009). Este ponto também origina uma linha de defesa da atuação de empresas públicas voltadas à pesquisa aptas a combinar os vários níveis da pesquisa agronômica e, com isto, gerar vantagens derivadas de economias de aprendizado e de capacitação (VIEIRA FILHO, 2009).

Ainda assim, existem fortes evidências de assimetria entre países e mesmo dentro de um bloco econômico, no que tange ao desenvolvimento da biotecnologia. Biotecsur (2009) mostra a existência de relevantes assimetrias entre os países do Mercosul no que se refere à capacitação e aos fluxos de informação em biotecnologia, inclusive no campo da biotecnologia agrícola. Fonseca et al. (2004) ressaltam a centralidade da interação entre o ambiente de financiamento e o desenvolvimento da biotecnologia, inclusive no campo da agricultura. Dal Poz e Barbosa (2008) enfatizam as limitações impostas pelo regime de propriedade intelectual para a formação de planos estratégicos em biotecnologia de ponta no Brasil. Traxler (2007) analisa a possibilidade de que arranjos institucionais, como acordos de cooperação entre países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento, permitam ampliar a oferta de biotecnologia agrícola. Biotecsur (2009) aponta para a importância das aplicações da biotecnologia no campo das energias renováveis enquanto uma área privilegiada de desenvolvimento em países cuja economia é baseada na potencialização tecnológica dos recursos naturais. Entre estas economias, estariam algumas do BRIC (sigla formada pelas iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China), e as de países desenvolvidos, como EUA, Canadá e Austrália.

Segue-se uma discussão focada na questão dos transgênicos na agricultura. Apesar de constituirem-se em uma pequena parte das possibilidades da biotecnologia, os transgênicos fornecem uma experiência que confirma as observações mais gerais feitas na seção 2: o desenvolvimento da tecnologia depende de arranjos institucionais e das formas de regulação dos mercados. O caso brasileiro, conforme indicam Silveira e Borges (2007), é paradigmático de como as questões institucionais afetam profundamente o ritmo e as características do processo de difusão da inovação tecnológica.13

12. Para uma discussão sobre a governança dos contratos de pesquisa, recomenda-se Aghion e Howitt (1998, cap. 13 e 14).

13. A transgenia, que não se limita aos cultivares GM, é bastante difundida na indústria de alimentos e em vários campos da saúde humana. Ver CIB <http://www.cib.org.br>.

3.2 Transgenia na agricultura: conceito, processo de difusão e