• Nenhum resultado encontrado

Para Castells (2013), o Facebook, mais do que uma ferramenta para comunicação, é uma forma organizacional para expressões culturais e plataformas políticas. Nesta rede social, movimentos ciberativistas vêm conseguindo difundir conceitos de cidadania e democracia que propõem “uma nova utopia no cerne da cultura da sociedade em rede: a utopia da autonomia do sujeito em relação às instituições da sociedade” (CASTELLS, 2013, p. 166):

Desta maneira, propõe-se entender o ciberativismo como um conjunto de práticas realizadas em redes cibernéticas, com o objetivo de ampliar os significados sociais através da circulação na rede de discursos e ferramentas capazes de colaborar na defesa de causas específicas. Assim, o que observamos no contexto atual é a formação de coalizões temporárias por causas específicas, com as motivações mais variadas possíveis. Ou seja, observamos uma cultura de mobilização difusa, horizontalizada, heterogênea e abrangente, que já não cabe na dicotomia de conceituações herméticas (MONTARDO; ARAÚJO, 2012, p. 185).

É preciso ressaltar que o ciberativismo não está circunscrito ao Facebook, pois suas práticas presumem usos individuais e coletivos de diversas redes ou plataformas,

como Twitter, YouTube, Whatsapp, Instagram, e-mail, mensagens instantâneas (SMS), transmissão ao vivo por livestream37 e sites de promoção de protestos, entre outras.

Além disso, as redes não são as produtoras das mobilizações, e sim os canais que servem para “reunir membros, defender posicionamentos ideológicos, realizar eventos políticos e protestos, difundir mensagens e discutir temas de interesse de uma causa ou movimento” (BEZERRA, 2016, p. 136).

O Facebook, no caso brasileiro, acabou sendo a rede preponderante das ações ciberativistas, como veremos na sequência do trabalho. Já nas revoltas do Oriente Médio, o Twitter mostrou-se mais eficaz.

Segundo Bezerra (2016), a primeira rede ciberativista construída no Brasil foi o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, no ano de 2001. Na ocasião, movimentos sociais, grupos políticos, partidos e sindicatos se reuniram na capital do Rio Grande do Sul para organizar debates e ações anticapitalistas. Um dos resultados foi a consolidação do Centro de Mídia Independente (CMI ou IMC)38 no país.

Nos moldes do Indymedia39, nascido no final de 1999, durante os protestos

ocorridos em Seattle, nos Estados Unidos, contra um encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), ele foi ao ar pela primeira vez em 23 de dezembro de 2000 (ALMEIDA, 2006) e ampliou-se no Fórum Social Mundial.

A iniciativa consistiu num site em que diferentes órgãos de mídia alternativos e ativistas publicaram relatos, entrevistas, análises e imagens do evento. No mesmo espaço virtual, chats e listas de discussão abertas conclamaram as pessoas a se manifestarem contra as políticas neoliberais locais e globais e a influência dos veículos de comunicação tradicionais. As páginas funcionaram em plataformas de software livre:

Apesar de não fazer parte oficialmente de nenhum movimento específico, o IMC começou seu trabalho a partir da prática de protesto nas ruas. De fato, os voluntários do grupo comumente são integrantes de movimentos sociais, membros dos grupos de Ação Direta – manifestações sem a presença de instituições intermediárias, como partidos e sindicatos – e comumente participam dos Dias de Ação Global. [...] Os primeiros sites que vieram com o nome de Independent Media Centers começaram a produzir conteúdo a partir

37 Como o fez a Mídia Ninja, nos protestos de 2013, no Brasil. 38 O seu lema era Odeia a mídia? Seja mídia!

das coberturas de eventos pontuais. [...] Em pouco tempo, no entanto, o que se viu foi um prolongamento das atividades de cada centro em trabalhos centrados no cotidiano de seus respectivos lugares (ALMEIDA, 2006, p. 23).

O CMI conseguiu, com uma organização horizontal, descentralizada e participativa, agregar internet e movimentos sociais como nunca havia ocorrido até então no Brasil (ALMEIDA, 2006). Sua proposta de lutar por um mundo melhor vai ao encontro do discurso ciberativista atual. Seu jeito de agir, também:

A participação dos voluntários da rede nas manifestações de rua e mesmo nas atividades internas dos movimentos sociais que eles apoiam é uma prática que, de nenhuma forma, é desencorajada, muito o oposto disso (ALMEIDA, 2006, p. 41).

Na política editorial do CMI Brasil, a rede acredita “estar rompendo o papel de espectador(a) passivo/a e transformando a prática midiática. Para isso, [...] funciona com um mecanismo de publicação aberta e automática” (CMI Brasil). Entre suas pautas, estão “relatos de novas formas de organização (como o Movimento Passe Livre); denúncias contra o estado e as corporações; análises sobre a mídia; análises sobre movimentos sociais e formas de atuação política” (CMI Brasil).

A partir do CMI e do Fórum Social Mundial, movimentos sociais e grupos ativistas enxergaram, na internet, uma possibilidade diferente de reverberação de suas causas e ideias. Foi como se “a evolução do conceito de militância ao ativismo oferecesse uma esperança de ocupação do espaço público capaz de rearticular a resistência e fazer circular demandas” (OLIVEIRA, 2016, p. 61). O que antes exigia, quase que obrigatoriamente, a vinculação com partidos políticos, sindicatos ou organizações não governamentais (ONGs), alterou-se pelo contato oportunizado pela internet. Pelo menos três novas formas de mobilização despontaram:

a) A rede serve como meio de convidar pessoas para atuarem numa dada ação fora da rede, seja por meio de e-mails, sites ou redes sociais que divulgam eventos com data, local e horário; b) A internet torna-se veículo de um chamamento para ação em situações em que os eventos políticos acontecem geralmente offline, mas em que a articulação pode ser mais eficiente se executada online; c) A internet também pode ser usada para promover a organização e mobilização de indivíduos em um tipo de ação online, como, por exemplo, em campanhas para bombardeamento de e-mails com spams para

saturar um servidor-alvo. Esta categoria de prática ciberativista esteve no centro dos eventos políticos recentes pelo mundo (BEZERRA, 2016, p. 137).

Com isso, as redes virtuais revigoraram a capacidade de mobilização social, abrindo espaço para o ressoar de uma polifonia de exigências impensável antes da popularização da internet. Grupos organizados e indivíduos isolados têm agora um arsenal de ferramentas para atacar, por diversos lados, os poderes tradicionais constituídos, que se veem acuados e recorrem à repressão quando os movimentos tomam as ruas, na tentativa de abafar as demandas.

Essa tensão, em vez de silenciar o ciberativismo, converte-se em combustível para que sua mensagem circule com mais força e tenha maior penetração social, alimentando um ciclo que pode ocasionar, desde a queda de ditaduras e governos corruptos, até violentos embates entre os aparatos de coerção do Estado e a população civil.