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4.3 Do Zapatismo às revoluções árabes

4.3.2 Primavera Árabe

Pouco mais de uma década separa Seattle da onda de manifestações que definitivamente coloca o ciberativismo no protagonismo do ativismo político global. Entre o final de 2010 e o início de 2011, três grandes movimentos, cuja internet teve papel fundamental, eclodem na Europa, nos Estados Unidos e no Oriente Médio: Os Indignados, Occupy Wall Street e Primavera Árabe. Os três tiveram como pano de fundo as consequências da crise econômica de 2008, mas à Primavera Árabe somou-se

42 Organizadas pelo Movimento Passe Livre. Também foram chamadas de Manifestações dos 20 centavos e

o desejo por democracia, liberdade de expressão e pelo fim dos abusos de governos ditatoriais e déspotas.

O gatilho foi apertado em 2009, na Islândia, com a Revolução das Panelas (BEZERRA, 2015). Sofrendo os efeitos do capitalismo especulativo, que ocasionou a desvinculação dos créditos bancários da economia produtiva e jogou o país em uma forte recessão, a população islandesa pediu a renúncia dos políticos e uma nova eleição, ocupando diariamente a frente do Parlamento, com panelas e frigideiras. O movimento “manteve desde o começo sua vinculação com o aspecto viral, imagético e irônico da internet” (BEZERRA, 2015, p. 187), conseguindo forçar a antecipação do pleito para o parlamento.

Um ano depois, explodiu o mais impactante entre todos os fenômenos ciberativistas registrados até agora: a Primavera Árabe. Desencadeada em países cujos governos historicamente costumam silenciar seus opositores com tortura, sequestros e mortes, ela mostrou a força de uma grande rede de mobilização impulsionada pela internet.

A simbologia da estação que marca o início de um novo ciclo, após o inverno, fez com que a palavra fosse empregada por analistas para ilustrar este e outros importantes momentos de transformação política do mundo, como a Primavera dos Povos43, de 1848, e a Primavera de Praga, de 196844 (MARQUES; OLIVEIRA, 2013).

Segundo Araújo, de modo análogo ao que levou à revolta do século XIX, o Oriente Médio e o norte da África sofriam, antes da Primavera Árabe, “com os impactos de uma prolongada crise econômica mundial, com governos autoritários, comandados por líderes que procuram prolongar a sua permanência no poder indefinidamente, apesar da insatisfação popular e das frequentes acusações de corrupção” (2011, p. 28).

Para Castells, a Primavera Árabe só foi possível porque pessoas comuns, oprimidas pela violência, ditadura e pelo totalitarismo, finalmente encontraram, na internet, “seu meio apropriado de organização [...] e desenvolveram novas avenidas de troca social que, por sua vez, aumentaram o papel da internet como sua mídia

43 Série de revoluções na Europa Central e Oriental, que abalou as monarquias do continente e suas tentativas de

reformas políticas e econômicas excludentes.

44 Período de liberalização política vivido pela então Tchecoslováquia, durante a época em que integrou a União

privilegiada” (2013, p. 115). Ressaltamos, entretanto, que grupos e facções políticas antidemocráticas também aproveitaram as rebeliões e ocuparam espaços de poder, dando início a novos ciclos de opressão e de abusos.

O estopim da Primavera Árabe se deu na Tunísia, em dezembro de 2010, quando um jovem chamado Mohamed Bouazizi ateou fogo contra si próprio. Desempregado, ele ganhava a vida como vendedor ambulante, mas teve a mercadoria apreendida pela polícia. A história de Bouazizi circulou rapidamente no país, onde 90% da população utiliza a telefonia móvel (WAINBERG, 2016). Nas redes sociais, em blogs e em transmissões livestream, fornecidas por manifestantes à TV Al-Jazeera, toda a região foi contaminada com a ideia da subversão (WAINBERG, 2016):

A difusão em vídeo dos protestos e da violência policial pela internet foi acompanhada de convocação à ação nas ruas e praças das cidades de todo o país, começando nas províncias centro-ocidentais e depois atingindo a própria Túnis. A conexão entre comunicação livre pelo Facebook, YouTube e Twitter e a ocupação do espaço urbano criou um híbrido espaço público de liberdade que se tornou uma das principais características da rebelião tunisiana, prenunciando os movimentos que surgiriam em outros países (CASTELLS, 2013, p. 25).

Da Tunísia, o vírus das manifestações se espalhou rapidamente para Egito, Argélia, Líbia, Síria e Jordânia, infectando todo o mundo árabe. Hosni Mubarak, presidente do Egito havia 30 anos, e Ben Ali, mandatário da Tunísia, não resistiram e perderam o poder.

A Líbia e a Síria, inspiradas pelo Egito e pela Tunísia, levaram em frente suas primaveras com o apoio de exércitos, ingressando em guerras civis sangrentas. Na Líbia, a reação violenta de Muamar Kadafi a protestos pacíficos, organizados através das redes sociais, gerou uma revolta subsequente da população que culminou no assassinato de Kadafi na rua, registrado em vídeo por smartphones, e compartilhado no YouTube.

A Primavera Árabe não teve influência apenas de ciberativistas. Entidades de direitos humanos de diversos países participaram das ações. A TV Al-Jazeera colaborou trocando informações com os manifestantes e levou para todos os continentes as imagens das rebeliões populares, aumentando a pressão internacional por mudanças na região. Grupos políticos, como a Irmandade Muçulmana, agiram nos bastidores e

foram determinantes para a instituição de novas ditaduras em países que recém experimentavam um regime democrático, caso do Egito.

Os eventos da chamada Primavera Árabe foram um clássico exemplo de mobilizações sociais com objetivo definido e com uma missão específica a cumprir: a derrubada dos regimes de ditadura e instalação de um regime democrático. Ali estavam setores da sociedade que não necessariamente compartilham ideais em comum, porém, naquele momento, estavam juntos em prol de um objetivo que, após atingido, desfez o movimento (DONADON, 2016, p. 25).

Na tentativa de conter o vírus, os detentores do poder “atacam os vetores de sua disseminação (blogueiros, polemistas e a imprensa, por exemplo)” (WAINBERG, 2016, p. 177), mas quando o contágio avança, a tendência à derrocada do sistema aumenta: “O momento mágico em que a inovação vence finalmente a resistência é o que retrata a cena da débâcle, algo que foi visto, por exemplo, na Praça Tahir45, na

cidade do Cairo em 2011” (WAINBERG, 2016, p. 177).

As revoluções nos países árabes contagiaram outras culturas e demonstraram para o mundo que nenhum governo, por mais poderoso e sanguinário que seja, está imune na era das redes sociais virtuais.