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Capítulo IV – Apresentação, análise e discussão dos resultados

4. Análise da categoria Dificuldades

Na categoria dificuldades o objectivo principal consistia em identificar as dificuldades vividas pelos cuidadores no exercício da sua profissão, questionando sobre as dificuldades do dia-a-dia, momentos mais complicados vivenciados ao longo da profissão e sobre a possibilidade da vida profissional influenciar a vida pessoal.

4.1 Dificuldades no cuidado ao idoso

No que diz respeito às dificuldades vivenciadas podemos destacar, com base nas respostas dadas, três grupos de dificuldades apresentadas. O primeiro remete-nos para a perda/ falecimento do idoso como algo que é difícil para o cuidador:

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69 “(…) a dificuldade que eu sinto é uma pessoa estar a cuidar deles e depois

chega a um ponto que vai perdê-los (…) é o que mais… mais me choca, tem de ser mas é complicado.” (CF1)

“(…) é mesmo a perda, porque nós somos cuidadores, eles são os nossos idosos e há sempre afecto porque se não houver afecto o serviço não pode correr bem (…)”(CF2)

No segundo grupo destaca-se o relacionamento com o idoso ou entendimento de que o mesmo deveria ser diferente. Este aspecto do relacionamento com o idoso já foi mencionado na categoria Cuidado ao idoso, porém assumiu-se como uma dificuldade bem presente neste grupo de cuidadores pois a sua referência voltou a constar nas respostas a uma nova questão, referindo casos mais concretos, como é o caso deste:

(…) quando a gente não faz mal nenhum e os idosos nos acusam de alguma coisa injustamente, custa um bocadinho, mas temos que saber também lidar com isso. Ou às vezes pode surgir alguma situação que eles se estejam a sentir mal e a gente não saber como reagir (…) mas o que me magoa bastante é ser acusada. Também muitos estão contrariados, deixam a casa deles, deixam tudo para… não sei, mas acho que é uma das coisas que me magoa mais, a gente vai-se habituando a tudo e sabendo lidar com as situações” (CF5)

É de ressalvar que nos parece haver um entendimento do porquê da ocorrência de certas situações, que os cuidadores atribuem a um descontentamento por parte do idoso perante a sua nova situação (a institucionalização), havendo por parte do cuidador uma habituação e modo de lidar com a situação. Ainda neste grupo destaca-se o testemunho de um cuidador que realça a falta de tempo para atender a todos do modo desejado, como factor identificado como gerador de dificuldade profissional:

(…) às vezes pensamos que queremos sempre mais, achamos que faltou qualquer coisa , por nossa culpa ou porque não tivemos tempo ou… se calhar porque simplesmente no sentido da atenção que nem sempre temos e que desejamos, porque a verdade é que eles também são muitos não é? E depois as pessoas idosas não são pacientes, não é que não haja excepções, mas na maioria não são muito pacientes e então querem todos ao mesmo tempo e daí que por vezes é nos impossível e também nos cria algum stress, também há as partes negativas (…) mas por vezes também nos traz uma certa insatisfação por ver que eles não compreendem muito bem a nossa parte” (CF7)

Esta falta de tempo é apontada no estudo de Colomé et al. (2011) que faz alusão ao facto dos trabalhadores em Instituições de Acolhimento de Idosos referirem constantemente a falta de tempo para desempenhar as actividades de que estão

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encarregues, o que se vai repercutir no atendimento ao idoso, prejudicando esse atendimento assim como a sua própria qualidade de vida.

Por fim, o terceiro grupo assenta sobre as dificuldades físicas que enfrentam: “ (…) é basicamente o posicionamento. Mexe mais com a parte física e custa mais um bocadinho!” (CF4)

“ (…) às vezes são muito, muito pesados (…).” (CF5)

Podemos verificar que é inevitável a existência de dificuldades na profissão de cuidador formal, sendo estas de vária ordem. Porém parece-nos que os profissionais entendem-nas como algo com que se habituaram e que embora não seja agradável, não acarreta graves problemas.

4.2 Momento(s) mais complicado(s) no decorrer da profissão

Apesar das dificuldades já referidas quisemos questionar os cuidadores sobre momentos mais complicados que tiveram de enfrentar ao longo dos anos de experiência a cuidar de idosos. Porém, constatou-se que as respostas consistiram em situações já referidas – o falecimento/perda e situações de mal-entendimentos, destacando-se um momento enfrentado por um cuidador:

“Talvez uma queda, uma queda de um cliente, que assustei-me um bocadinho, mas felizmente não correu assim tão mal” (CF4).

Um outro que embora refira o falecimento, transparece através da emoção que demonstrou o eventual carinho que se sente pela pessoa que se cuida e a dificuldade de ver essa mesma pessoa sofrer:

“O falecimento custa muito, não tenho muita coragem não (…) no outro dia quando a Dona X estava assim mal, custava-me imenso mesmo, então os últimos dias que ela… (emociona-se) porque é tanto sofrimento (…) nós pensamos será que vale a pena sofrer tanto para morrer. Uma pessoa tenta- lhes dar a melhor qualidade de vida até ao fim, faz o que pode.” (CF3)

Assim, nesta subcategoria destacaram-se apenas estes dois testemunhos, pois tal como já referido os momentos mais complicados no decorrer da profissão referidos iam de encontro a aspectos já mencionados noutras subcategorias.

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4.3 Profissão como factor que influencia a vida privada

Embora não seja o objectivo da investigação estudar casos de síndrome de Burnout nos cuidadores, considerou-se pertinente verificar se o aspecto evidenciado por Haley (2001) que nos diz que a afectação proveniente das tarefas inerentes à sua profissão levará a dificuldades ao nível pessoal e familiar e como tal irá incidir no acto de cuidar. Assim, com base nos seguintes testemunhos, podemos referir que este aspecto não se verificou:

“(…) consigo separar bem [a vida profissional da pessoal], pois à partida estou a fazer uma coisa que gosto (…) sendo uma realidade nesse campo, também se transmite pela positiva no ambiente familiar.” (CF4)

“Consigo separar bem as duas [a vida profissional da pessoal], e uma parte não tem nada a ver com a outra (…).” (CF7)

Porém um aspecto importante refere-se ao facto da influência da vida profissional na pessoal apresentar-se nos primeiros tempos, sendo depois ultrapassada (salvo situações pontuais):

“ É assim, os primeiros anos a gente ía para casa e fazia uma ligação, era um cansaço (suspiro), não era saudável, mas agora há distanciamento, o trabalho é o trabalho e a casa é a casa. É óbvio que num bom ambiente familiar não se faz preocupação nem de casa para o trabalho, nem do trabalho para casa, tem de haver ambiente bom nos dois sítios é o que me acontece nestas situações, no início claro … agora também é o hábito, é a experiência, é diferente… acho que só se mistura os problemas se nos sítios houver problemas.” (CF2)

“Antes ainda ia para a casa a pensar, mas agora saio do portão faço tudo por esquecer. Penso fazer isso, não é que sempre consiga, as vezes vem-me coisas à cabeça, mas tento fazer… mesmo, não sei… no princípio era mais sensível não sei… e levava muito para casa mas agora tento não levar” (CF6)

O facto do cuidador conseguir distanciar a vida pessoal da profissional assume-se como uma mais-valia para a qualidade de vida do mesmo. Assim, encontra-se presente a capacidade de resiliência referida por Carvalho et al. (2006), destacando-se que os cuidadores mais resilientes têm a capacidade de sobrepor a sua energia e comprometimento profissional às dificuldades provenientes das suas tarefas (Howard e Johnson , 2004, citados por Carvalho et al., 2006) o que nos parece ser o caso particular do nosso grupo de participantes no estudo.

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