• Nenhum resultado encontrado

5.7 A Comunicação entre pais e filhos e o Envolvimento Parental

5.8.3 Análise de Cluster

A análise de Cluster ou análise de Conglomerados é uma técnica multivariada que permite que os dados coletados sejam organizados em estruturas que agrupem subconjuntos com homogeneidade dentro do agrupamento e heterogeneidade entre eles. Utilizando por critério as quatro dimensões do Inventário de Envolvimento Parental - Desempenho e Domínio Parental na Orientação sobre assuntos acadêmicos, Envolvimento Parental em Casa e Percepção Parental sobre a quantidade de Comunicação dos Professores - os participantes foram arranjados em três grupos por meio do Cluster Analysis. A partir dessa segmentação foi possível a caracterização dos grupos. A Tabela 17 a seguir apresenta os escores que cada grupo alcançou nas sete dimensões avaliadas e a classificação destes escores em baixo, indiferente e alto para cada grupo dentro de cada dimensão.

135 Tabela 17: Classificação dos escores alcançados pelos três grupos nas dimensões totais de envolvimento parental, percepção parental sobre coerção e comunicação entre pais e filhos

DIMENSÕES GRUPO 1 Dedicados e Contentes n=25 GRUPO 2 Terceirizadores Desmedidos n=9 GRUPO 3 Dedicados e Exigentes n=10 Classificação Escore Classificação Escore Classificação Escore

Desempenho Indiferente 25,44 Indiferente 21,67 Indiferente 26,40

Domínio Alto 21,64 Baixo 15,55 Alto 21,60

Envolvimento Alto 30,36 Baixo 17,56 Alto 28,40

Comunicação Alto 33,28 Baixo 17,11 Baixo 21,40

Coerção Indiferente 10,56 Alto 11,44 Baixo 9,50

Comunicação negativa

Indiferente 12,96 Indiferente 12,00 Indiferente 11,90

Comunicação positiva

Indiferente 14,12 Baixo 12,55 Alto 15,10

Pela classificação apresentada na Tabela 17 é possível perceber que o grupo 2 obteve pior desempenho quando considerado o conjunto das dimensões. Este grupo foi o único a apresentar percepção parental sobre a coerção do professor com escore alto, ou seja, estes pais apresentam altos níveis de aprovação de tais práticas. Este grupo apresenta ainda escores baixos em três das quatro dimensões de envolvimento e em comunicação positiva, indicando um padrão parental mais distante do cotidiano escolar dos filhos e pouco autoritativo na comunicação. O terceiro grupo apresenta os menores escores de percepção sobre coerção, alta comunicação positiva com os filhos e escores altos em duas dimensões de envolvimento parental. Esse grupo parece ter o melhor conjunto de escores considerando o total das dimensões. Estes pais tendem a ser mais exigentes em relação ao comportamento do professor e mais parceiros em relação à educação dos filhos. A pontuação baixa no domínio Comunicações do Professor pode reforçar a classificação desse grupo de pais como exigentes ao expor seu descontentamento com a frequência com que o professor se comunica com eles sobre o desenvolvimento de seus filhos na escola. Por fim, o grupo número 1 tende a ser bem envolvido, mas inexpressivos em relação a sua percepção sobre possíveis comportamentos coercitivos do professor e a sua comunicação com os filhos. O que sugere que estes pais se envolvem na vida escolar dos filhos, mas são menos preocupados com práticas coercitivas docentes. Os três grupos aglomerados pela análise de cluster serão discutidos individualmente a seguir.

Grupo 1 – ‘Dedicados e contentes’: Este grupo reuniu 25 participantes, que em relação à amostra desta pesquisa apresentaram elevados índices de envolvimento parental em três das quatro dimensões, mantiveram-se semelhante à amostra na dimensão desempenho e na percepção sobre coerção do professor. Também ocuparam posição média na comunicação

136 parental. À inspeção, tendem a ser mais velhos (idade média 37,4), ter condições econômicas ligeiramente piores e seus filhos tendem a relatar menores escores de percepção sobre coerção do professor (tendências essas que não apresentaram significância estatística, respectivamente F=0,38, gl=29, p=0,69; F=0,08, gl=30, p=0,92 e F=0,56, gl=43, p=0,57). Somente neste grupo houve registro de responsáveis solteiros ou divorciados (16,0%, 2=3,17, gl-4, p=0,53).

Desse grupo fazem parte pais que despendem uma considerável quantidade de tempo e atenção à vida escolar dos filhos, mas posicionam-se neutramente em relação à possibilidade de seus filhos serem expostos à coerção em sala de aula. Percebe-se, porém, que seus filhos aprovam menos o uso de coerção pelo professor. Sugere-se a hipótese de que os níveis de percepção parental sobre coerção mantiveram-se na classificação indiferente em função de uma confiança depositada pelos pais na equipe escolar, impedindo-os de hipotetizar que seus filhos pudessem ser expostos a tais práticas. Quanto aos filhos, o suporte emocional e as demonstrações de afeto providas por pais com altos escores de envolvimento podem tê-los habituados a práticas educativas positivas, levando-os a reprovar de forma mais intensa comportamentos coercitivos do professor. Sugere-se, neste sentido, ocorrer o fenômeno oposto daquele que pode ser constatado com crianças que são expostas à coerção em casa. Gomide (2003) diz que quando a criança experiencia práticas parentais coercitivas ela se torna mais vulnerável à coerção. Adicionalmente, Weber e cols. (2004) pontuam que o enfrentamento da criança à coerção pode aumentar a intensidade com que essa prática é exercida. Nesse sentido, vivenciar coerção em casa pode contribuir para maiores níveis de aceitação da coerção do professor pela criança e também para a esquiva dos filhos de relatar tais casos para os pais. Assim, na análise do presente grupo, conforme já mencionado, sugere-se que ao sugere-ser exposta a práticas positivas na família, os filhos podem perceber que existem maneiras alternativas à coerção de educar uma criança.

Grupo 2 – ‘Terceirizadores desmedidos’: Este grupo reuniu nove participantes da pesquisa. Ao contrário do primeiro, os participantes desse grupo apresentaram baixos índices em três dimensões de envolvimento e ainda alto escore de percepção sobre coerção do professor e baixo escore de comunicação positiva. Parecem estar na contramão das boas práticas. O fato de não apresentarem maior uso de comunicação negativa, mas de apresentarem maior escore de percepção sobre coerção e baixos níveis de envolvimento levam a considerar que podem estar delegando exclusivamente à escola o papel da educação. Tendem a ser mais novos (idade média 33,7), ter condições econômicas ligeiramente piores do que os participantes dos outros grupos e seus filhos tendem a relatar menores escores de percepção sobre coerção. Nesse grupo, com maior frequência o responsável participante foi mulher (89,0% enquanto para a amostra geral desta pesquisa correspondem a 77,0%, 2=5,57,

137 gl=2, p=0,06). Entre os respondentes houve o menor índice de ocupação profissional (67,0%, enquanto para a amostra geral desta pesquisa correspondem a 77,0%, 2=0,72, gl=2, p=0,70). Neste grupo também há maior incidência de repetência escolar (33,0% enquanto para a amostra geral desta pesquisa correspondem a 14,0%, 2=5,28, gl=2, p=0,07).

Este grupo valida um dos pontos principais elencados na análise das correlações mais fortes encontradas neste trabalho, que diz que pais que tendem a concordar mais com práticas coercitivas do professor tendem a ser menos envolvidos na vida acadêmica dos filhos. Considerando ainda que a maior parte dos componentes desse grupo é de mulheres, sugere-se que, de certa forma, os dados deste grupo concordam com outro ponto sugerido pela análise das correlações mais fortes que diz que mães que praticam mais frequentemente comunicações coercitivas com os filhos tendem a motivá-los menos sobre assuntos de sua aprendizagem escolar. Esse grupo apresentou menores níveis socioeconômicos e maiores níveis de aprovação de coerção docente. A literatura descreve uma tendência a pais com níveis socioeconômicos mais baixos utilizarem-se mais de práticas coercitivas (Carmo e Alvarenga, 2012). Nos resultados dessa pesquisa percebeu-se que os pais de escolas públicas legitimam mais a coerção do professor e apresentam níveis socioeconômicos mais baixos, as características neste grupo seguem também essa lógica. Também o fato de a esse grupo pertencerem pais com níveis socioeconômicos baixos e menores níveis de envolvimento parental apoia a literatura que aponta para a predominância de maiores níveis de envolvimento parental em famílias de classes mais favorecidas (Rocha, 2006).

Percebe-se ainda que nesse grupo os filhos legitimam menos o uso de coerção pelo professor, no entanto, seus pais legitimam de maneira mais intensa as práticas coercitivas docentes. Escores baixos de envolvimento destes pais associados a maiores níveis de aprovação de coerção podem sugerir que estes pais permitem ao professor uma maior autonomia nas suas práticas de interação professor/aluno e são a favor de demarcação mais rígida entre família e escola, terceirizando responsabilidades e esquivando-se do envolvimento na vida acadêmica dos filhos. Esses pais podem perceber a escola como um núcleo independente dos demais dos quais a criança faz parte, indo na contramão do alerta de Zenhas (2010) que diz que as responsabilidades dos pais não vão mais até a entrada da criança na porta da escola, reiniciando apenas quando ela se abre e a criança retorna ao eu lar. A rigidez na delimitação de territórios trabalha em detrimento da relação família e escola (Biesdorf, 2011; Chechia & Andrade, 2005; Oliveira, 2002; Varani & Silva, 2010; Viana, 2005), o que pode resultar em prejuízos acadêmicos por dificultar o envolvimento parental e a comunicação entre os principais atores da educação da criança. O fato de haver mais crianças que já tiveram reprovação nesse grupo parece reforçar essa hipótese.

138 Grupo 3 – ‘Dedicados e exigentes’: Este grupo reuniu dez participantes da pesquisa. Em relação à amostra, tem elevados índices de Domínio, Envolvimento e também de Comunicação positiva entre pais e filhos. Não apresentaram diferença em relação à amostra geral em Desempenho e Comunicação negativa entre pais e filhos. Na dimensão Comunicações do Professor e na percepção sobre coerção do professor apresentaram escores menores que o restante da amostra. Essas condições podem levar a pensar que são pais envolvidos e também exigentes, que têm expectativas elevadas em relação às práticas dos professores. Em relação à amostra, este grupo teve a maior proporção de responsáveis respondentes homens (50,0%). Este grupo também teve a maior proporção de evangélicos (60,0%, enquanto para a amostra geral desta pesquisa correspondem a 37,0%, 2=4,94, gl=4, p=0,29).

Esses pais apresentaram níveis altos em duas dimensões de envolvimento parental e baixo nível de percepção sobre coerção do professor, sugerindo que eles são menos complacentes em relação a possíveis práticas coercitivas do professor. Pode-se perceber que os pais desse grupo apresentam expectativas altas em relação ao professor no que se refere ao desempenho acadêmico dos filhos, em especial a manter-lhes informados sobre o assunto, e também à suas práticas de interação com os alunos. Adicionalmente, esses pais mantêm ainda altos níveis de comunicação positiva. Nessa presente pesquisa observou-se, dentre as correlações mais fortes encontradas, que mães que apresentam comunicação de caráter mais positivo com o(a) filho(a) tendem a se envolver mais frequentemente no seu cotidiano escolar e ainda que pais que concordam mais com práticas coercitivas do professor tendem a ser menos envolvidos na vida acadêmica dos filhos. A caracterização desse terceiro grupo parece concordar com estes dois pontos que sintetizam a seguinte equação: mais envolvimento parental, mais comunicação entre pais e filhos de características positivas e menos aprovação dos pais sobre coerção docente.