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2 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA ANÁLISE DAS REDES

4.2 Análise das redes

4.2.3 Análise comparativa das redes estudadas

Embora ambas as montadoras operem no setor automobilístico produzindo caminhões e ônibus, elas apresentam estruturas de fornecimento e relações cliente/ fornecedor (montadoras e autopeças) bastante distintas. Por esse fato, a análise das redes foi o arcabouço teórico mais apropriado para o desenvolvimento deste estudo. A análise das redes contempla aspectos estruturais e relacionais (BURT, 1992; ROWLEY, BEHRENS, & KRACKHARDT, 2000; GRANOVETER, 1985). A estrutura contém canais onde os atores trocam bens e serviços, transferem recursos e informações. Nessa mesma estrutura, formam-se as relações entre os atores, onde são desenvolvidas relações de confiança, controle social, sistemas de alinhamento de interesses, formas de negociação, entre outros inúmeros aspectos.

Do ponto de vista estrutural, a questão da interdependência entre fornecedores e a montadora é uma questão central. A interdependência entre a montadora 1 e os seus fornecedores de autopeças é extremamente alta, pois são os fornecedores quem fornecem os módulos e montam o caminhão. No consórcio modular, os dois tipos de interdependência definidos por PFFEFER e SALANCIK (1982) acontecem de forma ampla. Como é alto o nível de terceirização no consórcio modular, a montadora mantêm mecanismos formais e

informais para controlar o resultado e o comportamento operacional dos fornecedores de autopeças. Este fato gera estruturas de coordenação distintas das estruturas tradicionais de compra e venda. A especificidade de um módulo fornecido é muito alta, gerando alta interdependência entre os atores, contratos idiossincráticos, relações de confiança comprometimento, lealdade entre outros aspectos.

A natureza das relações encontradas na rede 1 torna a montadora 1 extremamente dependente de seus fornecedores e vice versa. Como complementam ARGYRES & LIEBESKIND (1999), há uma inseparabilidade de governança mútua no consórcio modular, a qual tem efeitos positivos, mas também negativos, para os atores que participam dessa rede. A inseparabilidade de governança gera estruturas de confiança e comprometimento entre os atores, entretanto, esses mesmos atores podem estar impedidos de modificar a estrutura existente em prol da estabilidade das relações. Esse fato, segundo UZZI (1997), pode impedir as organizações de introduzir mudanças e inovações pelas relações já bem estabelecidas com esses atores.

Estruturalmente, a montadora 1 tem vantagens no que diz respeito às relações cooperativas entre montadora e autopeças, pois a montadora estabelece relações “fortes” com os fornecedores. As relações cooperativas encerram maior qualidade de informações, mecanismos para resolução de problemas e níveis mais elevados de confiança (aspectos relacionais).

Na montadora 2, há um nível de integração vertical elevado, e os fornecedores fornecem basicamente componentes para o caminhão, dentro de uma relação tradicional de compra e venda. A montadora 2 tem vantagens advindas de uma rede difusa. É a contrapartida da inseparabilidade de governança acima mencionada. A rede difusa garante uma maior autonomia da montadora para relacionar-se com outros parceiros internacionais ou nacionais, isto é, menor dependência dos fornecedores e das relações estabelecidas com estes. Essa característica pode garantir um fluxo amplo de informações e contatos que podem se traduzir em inovações tecnológicas e/ou gerenciais. A tabela 16 mostra as principais diferenças estruturais das redes pesquisadas:

coordenação entre os atores. Além da rede 1 ser menor que a rede 2, a primeira têm estruturas das conexões densas, compreendidas pelo grau de interdependência entre os atores. Já na rede 2, as relações são mais difusas e com menor interação entre fornecedores e montadora.

Os limites da rede 1 também são mais elevados, isto é, é mais complicado um novo fornecedor fornecer para a montadora 1 do que para a montadora 2, principalmente os fornecedores de primeiro nível. O grau de restrição é compreendido pelo amplo conjunto de regras, acordos operacionais e os níveis de eficiência que são empregados.

Aspectos estruturais Rede 1 Rede 2

Grau de terceirização Alto nível de outsourcing. Adota o consórcio modular. Toda a

montagem é realizada pelos fornecedores dentro da planta. Alta especificidade dos ativos fornecidos pelos módulos.

Baixo. Adota integração vertical. Monta motores, câmbios e cabines. Capacidade exportadora

ampla. Baixa especificidade dos componentes fornecidos pelos

fornecedores. Tamanho da rede

(Número de fornecedores)

Sete módulos coordenam a logística e a qualidade de outros

400 fornecedores de segundo nível

Aproximadamente 500 fornecedores diretos. Não tem

informação do número de fornecedores de segundo nível Estrutura das conexões

(densas ou difusas)

Densa no primeiro nível, (módulos) contando com apenas

sete fornecedores que estão interligados o tempo todo trocando informações, problemas

comuns, formando relações densas e altamente

interdependentes.

Difusa pelo número de fornecedores e pelas características das relações. Os

fornecedores pouco interagem entre si, formando relações difusas

na rede.

Limites da rede (restrita ou acessível)

No primeiro nível, é extremamente restrita e no segundo nível, é acessível. Amplo

conjunto de regras, acordos operativos, níveis de eficiência

são empregados.

No primeiro nível é acessível. Menor conjunto de regras e

normas são atribuídos aos fornecedores o que torna a rede mais acessível, tanto no primeiro,

como no segundo nível Divisão do trabalho ou

especificidade dos ativos fornecidos

Alta especificidade de ativos. Fornecimento de módulos. Médio

nível de co-design. Alto nível de divisão de trabalho de montagem

Baixa especificidade de ativos. Fornecimento de componentes. Alto nível de co-design. Baixo nível de divisão de trabalho da

montagem

A divisão de trabalho também é bastante distinta. Na montadora 1, há um nível elevado de outsourcing e a montadora não integrou nenhum processo produtivo, isto é, os módulos fornecem peças de suas matrizes e montam os caminhões. Este fato gera uma divisão de trabalho na montadora 1 maior do que na montadora 2.

Toda rede encerra a estrutura e as relações entre os atores. Os aspectos estruturais condicionam de forma significativa a natureza das relações entre os atores produtivos. Conseqüentemente, do ponto de vista relacional há muitas diferenças no relacionamento entre montadoras e autopeças das redes 1 e 2. A tabela 17 ilustra as diferenças encontradas.

Aspectos relacionais Rede 1 Rede 2

Mecanismos para resolução de problemas

Reuniões de produção diárias, Auditorias diárias. Total abertura para sugestões dos fornecedores.

Contatos cara-a-cara.

Engenheiros residentes, IQTC, visitas a campo, uma reunião anual. Contatos via sistema e telefone e encontro esporádicos Tipo de informação Alto volume de informações na

produção e nos processos de negociação. Alta qualidade de

informações trocadas.

Alto volume de informações. As informações giram em torno das especificações dos componentes,

preço, dimensões, prazos e entregas.

Freqüência de interação Alta freqüência de interação. Fornecedores e montadora encontram-se duas vezes ao dia em

reuniões oficiais (reunião de produção e os Audits).

Média freqüência de interação. Fornecedores encontram-se através

do engenheiro residentes, Premio Interação (anual), em eventuais

visitas e em uma reunião feita anualmente através do IQTC. Intensidade emocional Alta intensidade emocional. Os

atores encontram-se em atividade cerimoniais, jantares.

Baixa intensidade emocional. Os atores pouco se encontram a não ser em atividades estritamente

profissionais. Comprometimento com

recursos

Alta intensidade de comprometimento com recursos

tecnológicos e de gestão.

Menor intensidade de comprometimento com os

recursos. Velocidade Maior flexibilidade de processos e

de abastecimento da linha produtiva. Exige menos

planejamento

Maior flexibilidade no mix de produtos. Exige maior

planejamento Formalidade/informalidade Presença de contratos como

mecanismos formais e presença das redes sociais como mecanismo

informal

Não tem contratos e tem pouco desenvolvimento das redes sociais.

Os atores não se encontram com freqüência

As formas de resolução de problemas são mais freqüentes na montadora 1 do que na montadora 2. Existem reuniões diárias entre os gerentes dos módulos e a diretoria de produção da montadora 1. Na rede 2, embora muitos fornecedores tenham engenheiros residentes na planta da montadora 2, o grau de contato é muito menor, conforme diversos depoimentos colocados. A interação e os contatos cara-a-cara se refletem em vários níveis de troca de informações na montadora 1. A qualidade das informações pode ser muito melhor trabalhada na montadora 1 do que na montadora 2, que tem menor velocidade do fluxo de informações.

A freqüência de interação é algo bastante distinto. A montadora 1 e seus fornecedores diretos se encontram duas vezes por dia em reuniões oficiais. Na montadora 2 os fornecedores se encontram via engenheiros residentes, embora muitas autopeças não disponham desse profissional. Assim, a freqüência de interação na montadora 1 é muito mais elevada.

A intensidade emocional é mais elevada na montadora 1, pois, conforme vários depoimentos, os gerentes desenvolvem contatos e relações de amizade, o que propicia o desenvolvimento da identidade coletiva entre funcionários de nível operacional e gerencial. Muitos funcionários de outros módulos se identificam como funcionários da montadora. Isso mostra a grande identidade criada entre os atores ali presentes. Na montadora 2 a intensidade emocional é bem menos desenvolvida do que na montadora 2.

Quanto ao comprometimento de recursos, ambas montadoras têm níveis elevados de investimentos em máquinas e equipamentos. A montadora 2 mostrou-se bastante favorável para desenvolver parcerias de comodato para a compra de máquinas e equipamentos. Já na montadora 1, os módulos é que inicialmente compraram as máquinas, as quais foram amortizadas ao longo de cinco anos.

A velocidade de processo da montadora 1 é muito mais elevada que na montadora 2. Entretanto, a montadora 2 tem maiores possibilidades de mudanças no mix de produção em função da estrutura produtiva que esta integra em sua planta matriz.

Na rede 1 existem contratos formais entre a montadora e fornecedores de primeiro nível. Entretanto, na montadora 1 existem diversos mecanismos informais entre os atores, presentes nas chamadas redes sociais. Nessas redes estão presentes as relações de confiança

e comprometimento, conforme os diversos depoimentos apontaram. Na montadora 2, em sua grande maioria, não existem contratos entre montadora e autopeças; embora haja essa informalidade no relacionamento entre os fornecedores e a montadora 2, não foram verificadas relações de comprometimento e dependência, como acontece na montadora 1.

Esta configuração estrutural e relacional das redes estudadas associada às questões teóricas colocadas no início deste trabalho fornecem as bases analíticas para compreender as hipóteses mencionadas no capítulo 1. As hipóteses serão analisadas e defendidas no capítulo seguinte.