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2 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA ANÁLISE DAS REDES

2.2 Análise e governança das redes

2.2.4 Mecanismos burocráticos nas relações entre firmas

Na nova configuração das redes de fornecedores de autopeças surgem estruturas de controle altamente institucionalizadas entre os atores, pois o mercado é o resultado de um projeto de institucionalização equivalente à concepção de controle disseminada entre os atores produtivos (FLIGSTEIN, 1996). Como colocado por PFEFFER (1992), o controle burocrático institucionaliza o processo de controle. A socialização entre os atores é facilitada pelo sistema burocrático de controle. Segundo Edwards apud PFEFFER (1992, p.38), “o controle burocrático estabiliza as forças impessoais das regras da companhia como a base do controle”.

Durante o sistema de produção em massa, os mecanismos burocráticos eram facilmente identificáveis dentro das restrições internas das organizações. O papel do

(DAFT, 1999). A burocracia organiza, de forma estável e duradoura, a coordenação de um grande número de indivíduos, cada qual tendo uma função especializada (MOTTA & VASCONCELOS, 2002). O papel da burocracia é uma questão atual e que traz discussões interessantes aos estudos organizacionais e à análise das redes. Uma questão intrigante diz respeito à possibilidade dos mecanismos burocráticos se estenderem a ponto de controlar os atores e as relações externas às organizações.

Os limites das organizações tornaram-se mais tênues devido à complexidade das transações entre as organizações. Os atores do ambiente externo à organização (clientes, fornecedores e concorrentes) passaram a influenciar de forma intensa na forma, no projeto organizacional e nos mecanismos de controle entre os atores. Dentro do contexto desta pesquisa, a compra de matérias-primas (componentes e autopeças) pelas montadoras adquiriu um papel estratégico em busca de diminuição de custos, riscos, melhoria da eficiência, entre outros diversos aspectos. Esse fato fez com que as montadoras criassem novos mecanismos de controle e de comportamento dos fornecedores em busca de relações estáveis e douradoras.

Esta colocação está de acordo com as afirmações de PFEFFER & SALANCIK (1982) em The external control of organizations, livro explica que as organizações passaram a controlar e alterar as atividades de outras organizações como um mecanismo para minimizar a vulnerabilidade e a dependência. Os atores sociais tentam manipular as condições de negociações para exercer controle. Esse controle está ligado ao conjunto de recursos que um ator possui. O controle dos atores sociais do ambiente também se consolida através de fusões, aquisições, cooperação, troca de recursos ou até mesmo através do movimento de troca entre profissionais da organização (HALL, 1990).

Nesse sentido, há uma intensa “racionalização16” das relações entre montadoras e autopeças, tema esse presente no âmago dos sistemas burocráticos.

Conforme a colocação de ESCRIVÃO FILHO (1997), a racionalidade das organizações passou de “racional legal”, no sistema de produção em massa, para “racional competitiva”, no sistema de produção enxuta e com isto houve uma mudança no papel e

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Conforme HOUAISS (2001 p.2373), uma das definições de racionalizar é “organizar (atividade econômica) de forma racional a fim de obter o máximo de rendimento com um mínimo de custo”.

nos limites em que o sistema burocrático atua. A figura 8 ilustra as diferentes fases do pensamento administrativo e a mudança das racionalidades ao longo dos sistemas.

Max Weber preocupava-se em responder quais são as principais formas de autoridade na sociedade e como estas se legitimam. Weber define então três tipos de autoridade, segundo MOTTA & VASCONCELOS (2002): a autoridade tradicional, que se baseia nos costumes de uma cultura (patriarcas, anciãos, senhor feudal); a autoridade carismática que se baseia nas características e qualidades pessoais (profetas, guerreiros, líderes) e a autoridade racional legal, que baseia-se em regras e normas estabelecidas por um regulamento. Foi essa autoridade que fundamentou as estruturas burocráticas do Estado moderno (MOTTA & VASCONCELOS, 2002) no início do sistema capitalista. A formalização e a impessoalidade passaram a regular a vida social nas organizações. Weber mostra em seus estudos que a sociedade racional-legal passa a desempenhar um papel fundamental para o surgimento da sociedade industrial.

Durante o sistema de produção em massa, o papel da burocracia era controlar e 1940 Movimento Clássico Movimento Estruturalista Movimento das Relações Humanas Movimento da Contingência 1955 1970 1985 1900 TEORIAS DE ADMINISTRAÇÃO SISTEMA DE PRODUÇÃO EM MASSA SISTEMA DE PRODUÇÃO ENXUTA ORGANIZAÇÃO TRADICIONAL ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA (RACIONAL-LEGAL) ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA (RACIONAL-COMPETITIVO) SISTEMA DE PRODUÇÃO ARTESANAL

racionalidade da burocracia era “racional legal”, por utilizar regras impessoais uniformemente aplicadas a todos os funcionários. No sistema de produção enxuta, há uma mudança da ação organizacional para “racional competitiva”, isto é, as ações da organização passam a estimular as relações competitivas e também cooperativas entre os atores do ambiente externo; a competitividade e a cooperação se definiriam de acordo com os interesses. Assim, além dos mecanismos internos burocráticos, a ação da organização e seu projeto organizacional passam a ser influenciados também pelos atores do mercado.

É possível afirmar que há uma intensa racionalização das relações das montadoras com os fornecedores de autopeças e uma extensão do papel burocrático das firmas para além dos seus limites internos. As montadoras criam novas formas de controle e estabilidade em suas redes de fornecedores.

O que leva as organizações a criarem estruturas de controle no ambiente organizacional? Os gerentes e executivos não têm acesso a todas as informações do ambiente organizacional, devido a sua racionalidade limitada; isso faz com que as organizações desenvolvam mecanismos para o controle e influência do ambiente organizacional (DAFT, 1999). Essa influência pode se efetivar através de atividades de relações públicas, atividades políticas e associações de classes, com o objetivo de influenciar os atores, clientes, governos, fornecedores, parceiros e competidores. Com a mudança da racionalidade mencionada acima, os mecanismos burocráticos se estendem para além dos limites das firmas, isto é, alcançam as relações de troca nos mercados e também as relações com os fornecedores, que é o foco deste estudo.

A idéia de que as organizações exercem autoridade nas relações de mercado foi anteriormente apontada por Max Weber. Conforme colocado por WEBER (1999, p.190), “em certas circunstâncias, todas essas relações (família, burocracia e mercado) podem assumir traços autoritários. E não apenas a troca no mercado, mas também as relações de troca da vida social produzem ‘dominação’ naquele sentido mais amplo... ...em todos esses casos, trata-se de formas de poder baseadas em situações de interesse, idênticas ou semelhantes à relação de poder que reina no mercado, mas que, no decorrer de um desenvolvimento, podem facilmente transformar-se em relações de autoridade formalmente regulamentadas, ou mais correto: numa heterocefalia, baseada numa relação associativa, do

poder de mando e do aparato coativo.” Assim, as relações de mercado podem assumir traços autoritários através dos diversos mecanismos de coordenação entre as firmas.

2.2.5 Interdisciplinaridade da análise das redes

Nessa pesquisa adotou-se como ponto de partida que os fornecedores de autopeças têm ocupado diferentes posições estruturais na estrutura da rede. Essas posições condicionam a difusão do conhecimento técnico e gerencial, a capacidade de controle da montadora sobre os fornecedores e ainda as relações de poder entre os atores (processos decisórios). Por esse fato, foram incorporadas contribuições de diversas disciplinas teóricas para entender os processos de troca em mercados complexos e a configuração do macrosistema organizacional, descrito e explicado no capítulo 2.

Este trabalho foi concebido dentro dos parâmetros da interdisciplinaridade. Atualmente, há grandes esforços teóricos para ampliar o entendimento dos fenômenos organizacionais e interorganizacionais. Essa ampliação depende da construção de pontes entre as diferentes escolas de pensamento. Conforme observado por FLIGSTEIN (1985), “cada escola de pensamento tem a tendência de conceber sua teoria como uma explicação causal total dos fenômenos organizacionais. Uma das tarefas centrais da teoria das organizações é reorientar as áreas de uma maneira que vemos as teorias competidoras como contribuintes ao entendimento dos fenômenos organizacionais”.

Do ponto de vista metodológico dos estudos organizacionais, a interdisciplinaridade entre as perspectivas contribui para enxergar o fenômeno organizacional de diversos ângulos que são, inclusive, complementares. HALL & TAYLOR (1996) comentam que as abordagens racionais e culturais têm um espaço de diálogo, uma vez que o comportamento dos atores é condicionado ora por uma visão estratégica, ora por uma visão cultural. Os autores discutem um possível intercâmbio nas análises institucionais entre as perspectivas históricas, racionais e sociais, mas ressalvam limites para tal integração, em função de diferenças básicas da dimensão humana e os efeitos que as instituições podem gerar no comportamento dos atores. Essa reflexão teórica torna-se importante à medida que existe

sociológicas, estruturais e racionais e entre teorias institucionais e ecológicas (NOHRIA & GULATI, 1994).

A ambigüidade dos conceitos nos estudos organizacionais encoraja a contínua desconstrução de conceitos e pressupostos para a construção de novos referenciais (HATCH, 1997). Por esse fato, a análise das redes goza de um espaço em franca expansão pelo seu caráter meso-analítico, isto é, os atores agem dentro dos limites da estrutura social em que participam. A questão meso-analítica é um caso clássico dentro da teoria social (FLIGSTEIN, 1998); a discussão central nessa perspectiva busca entender o modo como os atores agem dentro da estrutrura de relações.

Nos estudos sociológicos contemporâneos sobre este tema, GIDDENS é um dos autores que trata de forma muito particular esta relação entre a estruturas e os atores. Suas análises buscam “maneiras de dar conta de uma das mais tenazes dualidades da teoria social: aquela entre a estrutura (vale dizer, os arranjos persistentes e cristalizados em normas de ação que respondem pela continuidade e reprodução da organização social) , por um lado, e, por outro, a agência (capacidade dos agentes sociais de produzir por seus próprios meios ações que respondam, também inovadoramente, às molduras estruturais em que se encontram)” (COHN, In: GIDDENS, 1998).

Outros autores como FLIGSTEIN (1998), GRANOVETTER (1985), UZZI (1997), ROWLEY, BEHRENS & KRACKHARDT (2000) GNYAWALI & MADHAVAN (2001), ZUKIN & DIMAGGIO (1990), entre outros, também vêm buscando estruturas de análise alternativas, muitas baseadas na sociologia econômica. A sociologia econômica é a linha teórica que buscou pressupostos teóricos alternativos àqueles praticados dentro dos estudos econômicos clássicos e que contribuiu de forma indiscutível para a análise das redes.

A análise das redes desenvolve suas análises em um ponto intermediário entre a estrutura e as escolhas estratégica dos atores (meso-análise). Diversos autores têm concebido as redes como um nível de análise apropriado para compreender as complexas relações de troca entre os atores (UZZI, 1997; BAUM & DUTTON, 1996; ROWLEY, BEHRENS & KRACKHARDT, 2000; GRANOVETER, 1985; POWELL, 1996; GRANDORI & SODA, 1995; GULATI, NOHRIA & ZAHEER, 2000).

Todas as questões levantadas neste capítulo fornecem parâmetros analíticos para a compreensão da rede de fornecedores da indústria brasileira de caminhões. As análises estruturais e relacionais das redes de fornecedores serão tratadas no capítulo 4.

CAPÍTULO 3

Configuração da indústria automobilística mundial e brasileira

O objetivo deste capítulo é apresentar um panorama da indústria automobilística mundial, tratando da internacionalização do setor, da distribuição geográfica, da divisão internacional do trabalho, das estratégias da indústria e das relações cooperativas na indústria automobilística mundial. Posteriormente, este capítulo trata das relações cooperativas no Brasil, da reestruturação do complexo automotivo brasileiro, das diversas conseqüências para o setor de autopeças, dos novos arranjos de produtivos e por fim do desempenho da indústria de caminhões no Brasil.