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3. NOÇÕES PRELIMINARES SOBRE O DIREITO AO ESQUECIMENTO

3.1 Análise conceitual

Inicialmente, é importante ressaltar que o a nomenclatura “direito ao esquecimento” não é uniforme, sendo também conhecido como “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”.

Essa diferenciação terminológica também se verifica ao analisar outros idiomas.

Em inglês, por exemplo, utiliza-se a expressão right to be forgotten, já em alemão usa-se o

termo Recht auf Vergessenwerden ou, diferentemente, Recht auf Vergessen e em espanhol

utiliza-se a nomenclatura derecho al olvido, não havendo correspondência exata com o que se

usa no Brasil.55

Para melhor analisar o campo de abrangência do direito ao esquecimento, torna-se fundamental diferenciá-lo de outros dois direitos que são: o de ser deixado em paz e o de

apagar dados pessoais. Segundo Rodrigues Júnior56, tais direitos, por vezes, são tratados como

sinônimos, pois as diferenças entre eles são bastante sutis.

O direito de ser deixado em paz está relacionado com o direito que o indivíduo tem de ter protegida a sua vida privada em face da atuação de repórteres, fotógrafos,

paparazzi ou de qualquer pessoa que faça uso de aparelhos tecnológicos para a gravação ou reprodução de imagens e sons. É importante ressaltar que essa proteção pode ser mitigada quando a própria pessoa autoriza ou quando esteja relacionada com o exercício de uma função pública.

Quanto ao direito de apagar dados pessoais, Rodrigues Júnior57 ressalta que

A ideia de apagar símbolos, registros, imagens, monumentos e textos históricos não é algo novo. Muitos tiranos, ditadores e revolucionários, tão logo chegaram ao

55 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Não há tendências na proteção do direito ao esquecimento. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2013-dez-25/direito-comparado-nao-tendencias-protecao-direito- esquecimento#_ftn1>. Acesso em 24 mar. 2015.

56 Idem. Direito a ser deixado em paz, a ser esquecido e de apagar dados. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2014-jun-04/direito-deixado-paz-esquecido-apagar-dados> Acesso em 08 abr. 2015. 57 Ibidem.

poder, trataram de destruir ou recontar a história. Na Revolução de 1789, estátuas dos reis franceses, placas e monumentos do Antigo Regime foram deitados abaixo. No período soviético, a técnica de eliminação da imagem e dos registros históricos de personagens políticas caídas em desgraça pode ser observada pela comparação de fotografias anteriores e posteriores à demissão ou à execução de comissários do povo, militares e assessores políticos. O fascismo de Mussolini tentou reescrever a História com a mudança do calendário e com a eliminação de referências a determinados indivíduos.

O direito de ter os dados pessoais apagados está relacionado à possibilidade que é dada à pessoa de excluir informações privadas e que foram expostas ao público, mas que não são de interesse popular.

Cabe ressaltar que essa exposição de informações ficou muito mais intensa com a popularização do uso da internet, pois a facilidade e a rapidez em expor a vida de outras pessoas tornou-se muito maior. Além do mais, com o desenvolvimento dos motores de busca, todas as informações disponibilizadas no mundo virtual podem ser facilmente acessadas, fazendo com que aumente o número de interessados a terem seus dados apagados.

Agora, voltando a atenção especificamente para o direito ao esquecimento,

importante contribuição conceitual é feita por Salo de Carvalho58 que, ao realizar uma análise

do pensamento nietzschiano, afirma que:

Na concepção de Nietzsche, o esquecimento é uma força inibidora positiva e ativa, não correspondendo a uma força inerte, cuja qualidade seria a de impedir que determinadas experiências penetrassem na consciência humana. O esquecimento atuaria como o guardião da porta da consciência, o zelador da ordem psíquica. A força viva produzida pelo esquecimento possibilitaria à humanidade condições de felicidade, pois bloquearia os efeitos da presentificação do passado.

O esquecimento atua como uma proteção psicológica, um filtro da memória para situações que aconteceram, mas que não se deseja relembrar no presente, permitindo ao indivíduo construir um futuro sem marcas de acontecimentos passados, cujas recordações acarretariam sofrimento particular e, até mesmo, dificuldades de socialização.

Como o Direito é dinâmico, outros direitos vão surgindo de acordo com a necessidade de tutelar novos bens jurídicos, sempre objetivando uma maior proteção da dignidade da pessoa humana.

Assim sendo, o direito ao esquecimento nasce como um dos meios de garantir tal dignidade, de forma a proteger o indivíduo da divulgação pública de acontecimentos passados, que, mesmo sendo verídicos, possam acarretar grande sofrimento ou transtornos quando relembrados.

Conforme afirma Anderson Schreiber59,

Cumpre registrar que o direito ao esquecimento não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou de reescrever a História (ainda que se trate tão somente da sua própria história). O que o direito ao esquecimento assegura é a possibilidade de se discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

Ainda de acordo com o referido autor, o direito ao esquecimento enquadra-se como um direito à personalidade, sendo decorrente dos direitos à vida privada, intimidade e

honra.60

A partir dessa classificação, embora o direito ao esquecimento não esteja expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, ele encontra aparato

constitucional e legal nos artigos art. 5º, X, da Constituição Federal61 e no art. 21, do Código

Civil62.

Cabe destacar que a criação de avançadas tecnologias e a formação de uma mídia cada vez mais invasiva na vida das pessoas têm, por vezes, afrontado esses direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, principalmente, os que se referem à personalidade.

A veiculação de notícias sobre crimes pretéritos acarreta, geralmente, sofrimento às partes envolvidas, além de dificultar a ressocialização do condenado, que, apesar de já ter cumprido sua pena, continua tendo sua imagem publicamente associada ao delito praticado.

Após o término da pena e o retorno ao convívio social, embora o encarcerado não se veja mais em tal situação, as pessoas não esquecem o delito realizado, sendo demasiadamente cruel não oportunizá-lo uma nova chance por eternizar o erro cometido,

ocorrendo sempre uma espécie de fixação do passado.63

Sobre essa perpetuação da condição de “ex-encarcerado”, Carnelutti64 afirma que

[...] as pessoas crêem que o processo penal termina com a condenação e não é verdade; as pessoas crêem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas crêem que o cárcere perpétuo seja a única pena perpétua; e não é

59 SCHREIBER, Anderson. Os direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 171. 60 Ibidem.

61 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

62 Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

63 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução de José Antônio Cardinalle. Campinas: Conan, 1995.

verdade. A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca. Quem em pecado está é perdido. Cristo perdoa, mas os homens não.

Tentando amenizar tal situação, o direito ao esquecimento, pautando-se na ideia de regenerabilidade da pessoa humana e afirmando-se verdadeiramente como um direito à

esperança, é invocado como meio de preservar a imagem do individuo, garantindo que

acontecimentos indesejados do passado não sejam relembrados e vivificados na memória das pessoas, viabilizando, assim, a melhor integração social do ex-apenado.

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