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4. ESTUDO DE CASO

4.1 ANÁLISE DE CONGRUÊNCIA

 

Tudo é mais complicado do que se possa imaginar e, ao mesmo tempo, mais complicado do que se poderia conceber.

Johann Goethe

Não existe vento favorável à quem não sabe onde deseja ir.

Arthur Schopenhauer

Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.

Friedrich Nietzsche

 

A análise de congruência é um tipo de estudo de caso que trabalha com casos únicos. Conforme Yin (2010, p. 69), "[…] todos os tipos de projetos incluirão o desejo de analisar as condições contextuais em relação ao caso". Yin (2010) diferencia os estudos de caso entre casos únicos e múltiplos. A análise de congruência aplica-se aos estudos de caso único, já que de certo modo busca testar a aplicabilidade de uma ou várias teorias a um determinado caso.

Para Yin (2010), uma das primeiras escolhas de um projeto de estudo de caso deve ser se ele será múltiplo ou único. Uma das principais justificativas para o uso do estudo único seria a capacidade dele ser um caso crítico no teste de uma teoria já formulada. Assim, ele teria condições de confirmar, desafiar ou ampliar essa teoria. As observações empíricas seriam capazes de apresentar quais das proposições teóricas são corretas e quais são as alternativas a elas (YIN, 2010).

Essa forma de se realizar estudo de caso deve partir de uma compreensão teórica a partir de uma prévia estrutura interpretativa. Nesse trabalho, a estrutura teórica vai estar representada no capítulo posterior a esse que leva o nome de quadro teórico. Após essa construção, o que se faz é testar empiricamente a relevância e a capacidade das teorias para explicar e compreender casos específicos (BLETTER ; BLUME, 2008).

A análise de congruência parte de observações concretas, correspondendo a descobertas empíricas e expectativas retiradas do núcleo das teorias. Para a sua prática, é necessário que o caso tenha certa relevância e que as teorias tenham relativa capacidade para explicá-lo. Uma das precondições para o desenvolvimento dessa tipologia de estudo de caso é certa pluralidade de teorias que sejam coerentes com o caso estudado e certa pluralidade e diversidade de observações disponíveis empiricamente (BLETTER ; BLUME, 2008).

Para Benett (2004), a análise de congruência gera uma generalização contingente. Isso por que ela não é capaz de tirar conclusões do específico para o universal como acontece com estudos de caso que fazem uso da covariação. Ao contrário, parte-se da realidade concreta por

meio de observações para testar a relevância do abstrato que compreende conceitos, teorias e paradigmas. Então, o que se tem é uma espécie de organização vertical do conhecimento.

Yin (2010) apresenta modelos de estudos que testam teorias a partir de dois exemplos memoráveis. Em um deles, o autor mostra como a partir de uma única teoria Gross et al., na obra Implementing organizational innovations, demonstraram que a percepção teórica de que somente as barreiras da inovação seriam responsáveis pelo fracasso de um processo de inovação dentro de uma organização não era completa, já que em certas circunstâncias falhas de implementação é que eram determinantes.

No outro exemplo, é marcante o uso de mais de uma teoria, no caso três. A obra em questão é Essence of decision: Explaning the Cuban missile crisis, de Graham Allison. Nesse estudo de caso, busca-se testar entre as teorias dos atores racionais, burocracias complexas e grupos de pessoas motivadas politicamente, para saber qual delas consegue explicar melhor o curso de eventos na crise entre Estados Unidos e União Soviética na década de 1960. Esse trabalho conseguiu trazer grandes contribuições para o estudo de decisões na área da ciência política e das relações internacionais. Conseguiu também a partir de um único caso ser generalizável no que diz respeito à teoria (YIN, 2010). A partir dos exemplos citados, fica claro que "[…] o caso único pode representar uma contribuição significativa para a formação do conhecimento e da teoria." (YIN, 2010, p. 71).

4.1.1 Quadro teórico  

Diferentemente da etnografia e da teoria fundamentada, o estudo de caso é uma técnica de pesquisa que requer uma construção teórica preliminar relacionada ao tópico de estudo. As duas outras metodologias citadas, por exemplo, obedecem a uma lógica indutiva e aproximam-se do assunto sem uma teoria a ser testada a partir de uma contínua interação entre coleta e análise de dados. Isso não ocorre com os estudos de caso, já que o contato com o campo depende do entendimento prévio da teoria. Assim, a teoria em um estudo de caso deve ser desenvolvida e posteriormente testada (YIN, 2010).

O capítulo 2 desse trabalho, intitulado como Pesquisa Bibliográfica, apresenta uma extensa revisão de obras que levaram também a separação de três grupos os quais serão utilizados aqui como modelos teóricos a serem testadas.

Quando se trata de modelo teórico não deve ser necessariamente considerado como tal uma grande teoria das ciências sociais nem os teóricos estudados precisam ser magistrais em suas construções. No caso, a teoria tem um objetivo até mesmo simples, que é o de criar um

mapa ou direcionador que seja suficiente ao estudo que está sendo realizado. Através de construções teóricas sobre o porquê ocorrem os atos, eventos, estruturas e pensamentos, os modelos seriam capazes de auxiliar o pesquisador a visualizar circunstâncias que não seriam possíveis sem o uso deles (YIN, 2010).

São várias correntes e abordagens teóricas que tentaram explicar o OP, assim como outros tipos de arranjos participativos e instituições participativas. Em meio a essa diversidade de trabalhos, que são formados por inúmeras pesquisas teóricas e empíricas, será dado destaque a pelo menos três abordagens específicas. Cabe ressaltar que nenhuma dessas constitui-se no que anteriormente chamou-se de grande teoria da ciências sociais servindo apenas como ilustrações para a observação, a compreensão e o entendimento da realidade. Mais uma vez vale destacar que as mesmas são fruto da pesquisa bibiográfica realizada nessa dissertação anteriormente para dar conta das questões desenvolvidas e que podem ser vistas mais detalhadamente no capítulo desse trabalho que leva o nome de 1.Pesquisa bibliográfica.

Outro aspecto relevante sobre os modelos teóricos utilizados é que eles não são classificadas como tal de forma deliberada pelos autores que neles aqui são incluídos. As teorias aqui apresentadas são, então, construções realizadas a partir de uma gama diversificada de autores que de certo modo aproximam-se pela semelhança de foco e abordagem dada ao tema, o que gera agrupamentos relacionados ao interesse de estudo sobre participação política e consequentemente sobre o OP. Assim, é isso que será chamado aqui como tmodelo teórico: o conjunto de trabalhos de determinados autores que de certo modo apresentam linhas de pensamento e certas características em comum no desafio de explicação da realidade que compreende o objeto de estudo.

Os três modelos teórico que serão apresentadas foram escolhidas por demonstrarem capacidade de explicação sobre as questões de pesquisa e por apresentarem alinhamento com os objetivos gerais e específicos. Eles recebem o nome de Teoria da Aprendizagem Social, Crítica à Teoria Normativa da Sociedade Civil91 e Estrutura de Oportunidade Política.

        91

Entre as três teorias trabalhadas aqui, a Crítica à Teoria Normativa da Sociedade Civil é a única que não recebe deliberadamente por nenhum de seus autores esse nome. Assim, a nomenclatura passa a ser usada nessa pesquisa por uma questão de conveniência diante das ideias que os autores pertencentes a essa corrente defendem. Diferentemente das outras duas teorias, essa parece pertencer a discussões que se iniciaram mais recentemente e que ainda está em desenvolvimento. Porém, uma coisa parece bastante clara, na medida em que considera os arranjos participativos enquanto instituições participativas, ela advoga pela não separação entre sociedade civil e sociedade política, questiona certa visão romântica, idealizada e benevolente sobre a sociedade civil e levanta a necessidade do desenvolvimento de pesquisas empíricas de médio alcance. Cabe salientar que é composta por diversos autores que, apesar de apresentarem certas características em comum, também possuem suas particularidades.

 

Quadro 1 - Resumo dos modelos teóricos

Modelos Teóricos Características Autores Teoria da Aprendizagem Social

O OP seria capaz de gerar um processo educativo a todos os atores envolvidos. A aprendizagem compreenderia valores cívicos, coletivos e de cidadania. Esse seria um dos seus maiores ganhos, portanto, deve ser planejado e incentivado. O caráter pedagógico do OP criaria certo empoderamento de grupos marginalizados.

Avritzer (1994, 1997), Cohen e Arato (2000), Frey (2004), Lacher (1995), Pateman (1992), Pontual (2000), Santos e Avritzer (2002), Souza (2001) e Villas- Boas(1994). Crítica à Teoria Normativa da Sociedade Civil

As instituições participativas, assim como qualquer agrupamento da sociedade civil, não apresenta uma separação maniqueísta do Estado e da economia. Isso faria com que elas também tenham vícios característicos do jogo político. Dessa forma, não são um poço de virtudes e seu papel como responsáveis pelo projeto democrático, como se habituou pensar, deve ser repensado.

Avritzer (2011), Costa Sobrinho (2011), Franzese e Pedrotti (2006), Gurza Lavalle (1999, 2003, 2011a, 2011b), Gurza Lavalle et al. (2011), Maia (2010), Oxhorn (1995), Romão (2009), Silva (2006, 2011), Souza (2011), Tatagiba (2005, 2008), Vaz e Pires (2011) e Wampler (2011). Teoria da Estrutura de Oportunidade Política

As instituições políticas e as ações governamentais teriam potencial para estimular o associativismo. As características das relações entre o governo e a sociedade civil, além de estrutura institucional formal, os procedimentos informais, as estratégias vigentes e o contexto político, seriam determinantes para esse incentivo.

Araújo (2010), Baquero (2003), Fernandes (2002), Lowndes e Wilson (2001), Maloney, Smith e Stoker (2002), Monasterio (2000), Rennó (2003), Skocpol (1999), e Tarrow (1996a, 1996b).

No quadro 1 é possível observar o quadro resumido com a ideia de cada uma dessas teorias, além dos principais autores aqui estudados que as representam. Essas teorias já foram abordadas de forma detalhada no capítulo 1. Pesquisa Bibliográfica desse trabalho. A teoria da Aprendizagem Social é melhor demonstrada no subcapítulo 1.1 Aprendizagem social: a

função educativa do orçamento participativo, a Crítica à Teoria Normativa da Sociedade

Civil é apresentada no subcapítulo 1.2 Sociedade civil: da visão como esfera autônoma e

benevolente a uma abordagem crítica, já a teoria da Estrutura de Oportunidade Política pode

ser vista no subcapítulo 1.3 Capital social: de elemento da cultura cívica à política de

governo.