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No que diz respeito à metodologia de análise da informação recolhida, optámos pela análise de conteúdo. Embora o nosso objectivo seja o discurso — ou os discursos — não pretendemos fazer uma "análise de discurso", conquanto possa, hoje, estar mais em voga do que a própria análise de conteúdo, como afirmam Ghiglione et. ai. (1980). O nosso objectivo não é produzir conhecimentos sobre a "análise de conteúdo", sobre a linguagem ou sobre a Língua.

Portanto, para nós, a análise de conteúdo é, antes de mais, um instrumento de organização do texto, de forma a sistematizar um pouco mais as questões e as ideias referidas nas entrevistas. O(s) sentido(s) substanciais dos discursos estão já na transcrição que foi feita nas entrevistas. A nossa pretensão, porque estamos também implicadas nesta problemática, é devolver esse(s) sentidos, trazê-los à luz, na forma de um texto que possa englobar as regularidades, os consensos, assim como as particularidades, os desacordos.

Ou como refere Peniche (2007), a "análise de conteúdo faz emergir as diferentes camadas de significações, (...) mas, (...) fora de qualquer atitude positivista para a qual os objectos de análise são entidades perfeitamente definidas e transparentes e os correspondentes sujeitos analisadores seres descomprometidos e possuidores de olhares lavados de qualquer preconceito ou interesse" (Peniche, 2007: 89)

Poderíamos afirmar em consonância com Ghiglione et. ai.:

"Para nós, a análise de conteúdo é, antes de tudo, uma prática inscrita numa pragmática. Com isto queremos dizer que uma análise de conteúdo participa de um processo de investigação em que, num dado momento, estão implicados actores sociais. Ela é apenas uma parte deste processo que a ultrapassa e sobredetermina, conferindo-lhe, assim, os seus critérios de

pertinência. Com efeito, o jogo dos actores e das finalidades sociais

implicam uma procura, um início, um desenvolvimento, um fim, e efeitos e avaliações." (1980:4)

Assim, a análise de conteúdo insere-se numa prática social. Investigadora e entrevistadas, fazem parte de um contexto social, onde os diversos actores em presença jogam aí os seus interesses e têm, por isso, a sua própria noção de verdade, a sua

Como afirmam Ghiglione et. ai.:

"... o analista interveniente está dentro desta prática. E, por conseguinte, tem de se acomodar a uma noção de eficácia que tenha em conta as verdades, muitas vezes contraditórias, dos diferentes actores sociais, de que ele próprio é uma das componentes. Enquanto tal, tem a sua própria verdade. Enquanto profissional, tem que responder a uma procura. A sua eficácia nortear-se-á, então, nos termos de confrontação da sua verdade com a procura, entendendo-se que, do começo até ao fim da intervenção, assistir- se-á a ajustamentos da oferta de um e da procura do outro." (Ghiglione et. ai. 1980:5).

A escolha desta metodologia na procura do discurso sobre cidadania, baseada em recolha de informação viva — memórias, ideias, experiências, percursos — conduziu- nos a um caminho enriquecedor da problemática. O carácter individualizado da recolha de dados permitiu recolher muito mais informação do que o que se esperava.

No que diz respeito ao tratamento da informação, a análise de conteúdo é, regra geral, dividida em três tipos: a) dedutivo, em que a preocupação fundamental se situa na verificação da teoria, numa linguagem hipotética definida previamente e aplicada depois ao material empírico; b) indutivo, em que a análise consiste em abstracções sucessivas partindo do material empírico, fazendo agregações de significado; e c) interactivo, aquela análise que se situa entre a linguagem teórica e a linguagem dos discursos das respostas empíricas (Correia 1993).

A este respeito, podemos dizer que fizemos uma análise de tipo interactivo, de carácter intensivo. Com isto queremos dizer que, embora não perdendo de vista o nosso quadro teórico de referência, tivemos a preocupação de trazer para o nosso trabalho as categorias emergentes do discurso das entrevistadas, tentando restituir a sua lógica e sentido internos, ao mesmo tempo que fizemos algum esforço para trabalhar em profundidade a informação sobre um mesmo tema, incluindo as regularidades e as particularidades das respostas e as associações a outros temas. Procurámos, assim, que a nossa análise nos permitisse estruturar, numa démarche interpretativa e compreensiva, a construção de ideal-tipos, através da complementaridade dos diferentes discursos. Quanto à segmentação do discurso das inquiridas, optámos por grandes segmentos semânticos, no sentido de evitar a espartilhação muito fina que poderia levar a alguns riscos de interpretação. Seguimos, nesta análise, os critérios atribuídos como importantes para a análise de conteúdo: exclusividade, pertinência, exaustividade e

objectividade (Bardin 1977). Com exclusividade, queremos dizer que um excerto, incluído numa dimensão ou numa categoria, não foi utilizado para mais nenhuma outra. A pertinência reporta-se ao critério de escolher os excertos mais relevantes para a categoria, se esta vem do quadro teórico, ou para a categoria emergente do material empírico. Pensamos ter seguido este critério de pertinência, embora, em última análise, remeta para os nossos pressupostos, que pensamos ter deixado claro no capítulo do enquadramento teórico. Em relação à exaustividade, queremos dizer que a informação recolhida, através das entrevistas, foi toda passada naquilo que chamámos primeira análise, e que pode ser verificado no Quadro I - Pré-Categorias (Anexo 1). Infelizmente, não conseguimos tratar toda a informação nos outros níveis de análise, nomeadamente na sua interpretação e compreensão.

Partindo da primeira análise, os excertos foram divididos em cinco temas: 1 - Percursos de socialização informal; 2- Experiências de Educação Formal; 3 - Cidadania; 4 - Solidariedade e 5 - Agência.

No tema Percursos de socialização informal, as dimensões são as seguintes: 1. - A Família

1.1 - Famílias protectoras 1.2 - Famílias que rejeitam 1.3 - Famílias alternativas 2 - Os/as amigos/as 3 - As Brincadeiras 4 - Contextos de saúde

5 - Processo de Institucionalização

No tema Experiências de Educação Formal, as dimensões são as seguintes: 1 - A Escola

1.1- Diferenciação pela positiva ou paternalismo 1.2 - As professoras preferidas

1.3 - Experiências de sucesso/insucesso 2 - Ensino Superior

3 - A Escola Inclusiva 4 - Acessibilidades

No tema Cidadania, as dimensões são as seguintes: 1 - Sentimentos de exclusão

2.1 -Corpo

3 - Entraves à Realização Pessoal/dificuldades de autonomia 4 - Contexto de estágio

5 - Abandono do "eugenismo" para a aceitação das diferenças No tema Solidariedade, as dimensões são as seguintes:

1 - Cidadania adquirida 2 - Questões económicas

No tema Agência, as dimensões são as seguintes: 1 - Lidar com a deficiência

2 - Construir a Autonomia 2.1 - Realização pessoal

Completou-se esta análise com a integração da reflexão teórica e alguma análise documental de artigos de revistas, porque pensamos que os "dados" não falam por si e a teoria desempenha um papel importante na construção da mediação entre a narração e a sua interpretação em termos das ciências sociais.

Muitas das pré-categorias, das categorias e dos temas constituíram um processo heurístico porque não estavam sequer imaginadas no início da investigação. Um dos exemplos, foi a solidariedade. Noutros casos, ficámos pelas questões que as narradoras levantam. Não quer dizer que não exista teoria sobre o assunto, significa que não a conhecemos, sendo assim, mais uma vez, que a história de vida emerge como uma metodologia que por vezes desafia as concepções conceptuais existentes (ou conhecidas).

Capítulo 5

Os caminhos da cidadania na deficiência: ao