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3. FUNDAMENTOS TEÓRICOS: ANÁLISE CONTRASTIVA, ANÁLISE DE ERROS E ANÁLISE DA INTERLÍNGUA

3.3 ANÁLISE CONTRASTIVA (AC)

O modelo de investigação linguística, chamado Análise Contrastiva, desenvolveu-se a partir dos trabalhos de Charles C. Fries e Robert Lado, professores da Universidade de Michigan, os quais propuseram a metodologia da comparação sistemática de dois sistemas de línguas (LM ou L2 como línguas de partida e LE como língua alvo da aprendizagem) como estratégia para o ensino e aprendizagem das línguas estrangeiras. Fries em 1945 afirmava que os materiais didáticos das línguas estrangeiras se deveriam basear na descrição científica da LM e da LE; esta declaração orientou os estudos sucessivos de Robert Lado, que conseguiu desenvolver uma metodologia correspondente a esta afirmação com pressupostos behavioristas e estruturalistas79.

77 MARTÍNEZ 2004.

78 Wingfield e Byrnes no mesmo ano elaboraram uma distinção parecida, falando de Interferência Proativa (transferência de substrato) e de Interferência Retroativa (transferência de empréstimo) (MARTÍNEZ 2004).

A comparação sistemática dos dois sistemas linguísticos pode determinar os pontos de contacto (semelhanças) e os pontos de afastamento (divergências) entre as línguas, que permitem assim a individualização das áreas mais críticas da aprendizagem, prevendo onde os aprendizes enfrentarão mais problemas, e usando os resultados da análise para a correção e preparação do material didático e das estratégias de ensino:

prever e descrever quais estruturas causarão dificuldades na aprendizagem e,

ao contrário, quais não o fazem, através [do contraste sistemático] entre a língua e a cultura objeto de aprendizagem e a língua e a cultura nativa do aluno80.

A AC é um estudo sincrónico e binário dos pontos de contacto e de afastamento de duas línguas, em níveis horizontais, com o objetivo de criar uma gramática contrastiva, baseada na descrição das semelhanças e divergências de dois sistemas linguísticos diferentes, e que pode hierarquizar as correspondências dos distintos níveis de uma gramática, com o fim último de classificar as dificuldades na aprendizagem e as possibilidades de interferência.

A comparação das línguas é analisada segundo esta ordem: 1. Descrição estrutural da língua de partida e da língua de chegada. 2. Confronto das descrições.

3. Elaboração de uma listagem preliminar de estruturas não afins.

4. Agrupamento das mesmas estabelecendo uma hierarquia de dificuldades. 5. Previsão e descrição das dificuldades.

6. Preparação dos materiais didáticos.

A AC surge, como já exposto, das teorias behavioristas e estruturalistas, reputando a aprendizagem de uma LE como a formação de hábitos; o hábito antigo (LM) facilita a formação dos novos (LE) de acordo com a distância interlinguística81. Segundo Lado, a influenciar a produção da LE não estão apenas hábitos da LM mas também os hábitos culturais; a falta de compreensão intercultural pode prejudicar a aprendizagem e produção da LE.

Conceito base desta análise é o transfer linguístico, que é analisado segundo os

80 LADO 1957.

81 Distância percebida entre a língua nativa e a língua meta; quanto mais distância existe mais difícil será a aprendizagem.

critérios de Interferência82 Fonética, Interferência Morfológica, Interferência Sintática e Interferência Lexical. As hipóteses fundamentais da AC foram reformuladas em 1970 por R. Wardhaugh83 que diferencia entre hipótese forte e hipótese débil; a primeira centra-se na possibilidade de previsão das problemáticas do aluno mediante a comparação dos dois sistemas, enquanto a segunda constata que é possível apenas explicar os erros cometidos. Não obstante, a primeira versão foi recusada, porque não aplicável sendo o erro um elemento de natureza variável e subjetiva.

A correção formal dos erros linguísticos desempenha uma função-chave desta análise; os estudos psicológicos negam o valor central da correção formal, sugerindo atividades de autocorreção onde o aprendiz pode ter uma maior noção das lacunas e das formas corretas, criando as suas hipóteses da aprendizagem, do funcionamento da língua em exame e, por consequência, do seu leque linguístico como afirmava Selinker (1992)84, “limpando” o erro da sua conotação negativa.

Na Europa, os estudos contrastivos deram origem a projetos muitos significativos, financiados pelo Centro de Linguística Aplicada de Washington D.C., tais como:

Projeto Jugoslavo: inglês e servo-croata. Projeto Romeno: inglês e romeno. Projeto Húngaro: inglês e húngaro. Projeto PAKS: inglês e alemão. Projeto Poznàn: inglês e polaco.

Os projetos Poznàn e PAKS tiveram uma perspetiva generativista, o Romeno encaminhou-se mais no sentido da Análise de Erros e do Psicolinguismo, o Húngaro foi o mais eclético mas o Jugoslavo teve a orientação mais prática criando até materiais didáticos85. Tinham como desafio publicar uma gramática contrastiva mas, com exceção do Projeto Poznàn86e do Jugoslavo, não houve nenhum resultado. A AC foi empregue também como modelo para a criação do método didático áudio-oral.

A partir dos anos 70, graça à perspetiva chomskyana, a AC tornou-se objeto de várias críticas; fator comum é a forte limitação prática do modelo. Não resulta completamente esclarecido até que ponto as divergências entre os dois sistemas

82 Sendo transfer negativo. 83 GARGALLO 1993. 84 Ibidem.

85 Após de dez anos, por volta de 1970, surgiram mais dois projetos de análise contrastiva, o Projeto

SECS, entre o inglês e o sueco, e o Projeto Mannheim que agrupava alemão, inglês, espanhol e

japonês.

linguísticos podem gerar erros; em segundo lugar, a teoria de Lado não é completa, sendo as dificuldades de aprendizagem presentes também (e sobretudo) no estudo de línguas afins. De facto, não é possível prever todos os erros, cometidos ou não; estudiosos afirmam que a AC é mais eficaz em determinados níveis, como a fonologia, do que a sintaxe87.

Outras críticas direcionadas à AC foram a falta de decisão na escolha da teoria linguística em que vai operar88, confusão entre o plano teórico e o prático, exclusão da componente psicológica e pragmática e ambiguidade no conceito da tradução89.

Está comprovado que a interferência causa apenas 30%-50% dos erros (Gargallo 2004: 395); exemplo-chave é o resultado da análise de erros de falantes espanhóis durante a aprendizagem de inglês, segundo a qual apenas 5% dos erros resultavam de transferência da LM (Ellis 199:52). Mais relevante é a conclusão derivada de vários estudos sucessivos que demonstram, como o de Fernández (1997), que existe uma ocorrência da interferência com uma frequência maior nas línguas mais próximas, ao contrário do que postulava a AC.

A AC lançou as bases e deixou espaço à Análise de Erros (AE), que não se limita a investigar apenas a transferência mas também os erros ligados à própria LE.