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CAPÍTULO 5 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.2 Análise das entrevistas

5.2.1 Análise da Entrevista – P1

Para melhor contextualizar esta experiência, avaliou-se ser útil relatar que, como primeira entrevista, esta ficou marcada não só pela ansiedade inicial, como pelo grande interesse em conhecer, mediante uma conversa - tão de perto! – as construções, de

sentimentos e ideias, de alguém que viveu, e vive, a construção de um Instituto, cujas ações e produções, servem-me como referência e estímulo. O resultado construído a partir de minhas distinções está apresentado no Quadro 4, a seguir, lembrando que para tanto foram usadas minhas primeiras impressões pós entrevista e a leitura exaustiva da transcrição feita, produzindo um relato onde são organizadas estas construções iniciais, aqui denominadas de memos.

Categorias Subcategorias Elementos

História

Motivações - Influência do Pensamento Sistêmico: “Dos sistêmicos ao Construcionismo”; “ampliando ações”; “chegando aos grupos”

Passos iniciais - Trabalho “com equipes em instituições”, “priorizando relações” - Terapia familiar e de casal

Expansão - Multiplicadores reflexivos - Mediação

- Terapias grupais – “pelo aumento da demanda”

Estrutura

Estratégias e ferramentas

- “Construção de conhecimento na relação e na linguagem” - “Foco nas relações”

- “Construção de empoderamento” na relação - “Desenvolvimento de relações colaborativas” - Relacionamentos “mais inclusivos” das equipes com clientes “Qual o discurso que não os deixa de fora?”

- “Inclusão do saber leigo” – “legitimação de diferentes

saberes”

- “Legitimação da produção em grupo” – “Produção sem hierarquia”

Adesões teóricas - “Construtivistas / Construcionistas”

Concepções

Relações com a clínica psicológica

- Clínica: quando “buscando a mudança humana”

- O terapêutico “além da clínica tradicional” – “o consultório não é o único espaço terapêutico” – “saindo do setting esterilizado”

- “Entrar em diálogo de outras formas”

Relações da clínica com o social

- Social: “maior que o assistencialismo”

- “Terapia social” – “trabalha o desenvolvimento humano buscando a mudança social” – “a pessoa constitui o grupo e se constitui no grupo”

- “Clínica social”: “para atender a necessidade de prática e demanda da população de baixa e média renda”

- “Psicologia social”: “Ao dar voz, empodera”

Responsabilidade social

- “Responsabilidade relacional, inclusiva” - “crença no saber deles”

Categorias Subcategorias Elementos Acompa-

nhamento e Avaliação

Limites e dificuldades - “A realidade não inclusiva” – “não acesso a bens e serviços” - “Descrédito dos que nos contratam”

Viabilidade - “Ações que necessitam de muito pouco”

Quadro 4: Categorias temáticas construídas a partir da análise da entrevista realizada com P1

Na história deste instituto, o Pensamento Sistêmico ganha destaque como importante influência, tendo gerado um movimento que P1 chamou de “ampliando ações”, levando-os aos trabalhos grupais, tendo como primeiros passos ações “com equipes em instituições”, de forma coerente com a declarada “priorização das relações”. A expansão, dos trabalhos com grupos, com foco nas relações, se deu com o desenvolvimento de Multiplicadores Reflexivos e o trabalho de Mediação, confirmando o “ampliar de ações” em que se viram envolvidos.

Destaca-se o fato de que o termo terapia foi utilizado de forma associada à “família e casal”, talvez como referência à clínica tradicional, o que também justificaria o uso de “terapias grupais” quando o tema foi o “aumento da demanda”, estando no lugar de uma terapia que poderia ser individual ou de casal ou família. Neste contexto surge a ideia de que quando a clínica se amplia para diferentes contextos, é designada como “ações”, e quando fica no contexto da clínica privada, é designada como “terapia”.

Ações e terapias, como designadas aqui, conservam sua configuração clínica? A resposta é positiva se forem consideradas as concepções apresentadas por P1 ao tratar da clínica psicológica, quando associou a clínica à “busca por mudanças” e ao “entrar em diálogo de outras formas”, ou quando considerou a existência do terapêutico possível “além da clínica tradicional”. Já quando foi convidada a pensar as relações da clínica com o social, sugiram elementos que os associaram de diferentes formas. Primeiramente, por meio da “clínica social”, criada tanto para dar conta da necessidade de prática para os alunos em formação no instituto, como para atender “a população de baixa e média renda”, mas de uma forma declarada como “não assistencialista”, confirmada pela preocupação, que se apresentou como própria da “Psicologia Social”, de “empoderar“ e “dar voz” à população atendida, escapando da possibilidade de deixá- los em posição passiva, entendida como própria de uma atitude assistencialista que daria o poder a quem doa seu conhecimento. Trouxe ainda, confirmando a posição não

assistencialista, como estudo recente, de interesse do Instituto, a ideia da “Terapia Social”, que teria um posicionamento político de busca de “mudança social”, a partir da construção, sistêmico novo-paradigmática, de que “a pessoa constitui o grupo e se constitui no grupo”.

A concepção de responsabilidade social que daí emergiu ganhou as adjetivações de “relacional” e “inclusiva”, revelando, a meu ver, o comprometimento de quem declarou sua adesão teórica como sendo “construtivista/construcionista”, revelando não só um “não reducionismo” - do individual ao social ou do social ao individual – rompendo essa dicotomia (ARENDT, 2003), como vivendo as consequências de um posicionamento que ao colocar “ênfase na natureza construída do conhecimento”, como afirma Grandesso (2002) ao falar das semelhanças entre as duas abordagens, inclui a todos, tanto na construção como na dissolução de um problema.

Os elementos, avaliados como compondo estratégias e ferramentas na

estrutura de funcionamento do I1, conforme relato de P1, revelaram-se alinhados com

as implicações que se configuraram acima como “responsabilidade relacional e inclusiva”, deixando claro o comprometimento com a construção relacional do conhecimento na linguagem, cuja importante consequência foi aqui descrita como “legitimação de diferentes saberes”, e plenamente exemplificada pela frase, utilizada em uma prática com membros de uma equipe que se queixava da pouca presença dos participantes: “Qual o discurso que não os deixa de fora?”.

Fica então compreensível o fato de ter sido relatado como uma dificuldade ao desenvolvimento das práticas, uma “realidade não inclusiva”, junto com o “descrédito dos que contratam”, embora sejam avaliadas como ações viáveis, por necessitarem “de muito pouco”. O descrédito relatado pode estar associado ao imaginário social da figura do psicólogo, que, como vimos no breve histórico das clínicas psicológicas aqui apresentado, alimenta-se do modelo médico de clinicar, tendo uma prática inicial avaliada como descomprometida do contexto social. A prática deste instituto, agora comprometida e inclusiva, fazendo uso da “legitimação da produção em grupo”, de forma não hierárquica, pode sim causar desconfortos para uma “realidade não inclusiva”.