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Análise da evolução do crime de burla tributária

Como já vimos anteriormente, o tipo de crime em que incide especialmente esta dissertação tem visto diversas alterações com o decorrer do tempo tendo sido reconhecido como crime tributário apenas em 2001 com a entrada do RGIT onde, até então, era configurado como crime de burla comum distinguindo-se por ter como destinatário a administração fiscal ou da segurança social. Embora se verifique uma evolução na tipificação da burla, também já foi visto que, provavelmente, não estará a ser merecedora da atenção que deveria pela sua grande semelhança com o crime de fraude fiscal e pelo seu enquadramento tão promíscuo que acaba por ser esmagado pelo alargado enquadramento da fraude. Após toda a teoria já analisada, vejamos a nível prático a evolução da burla tributária no que diz respeito aos processos instaurados que embora não tenha sido fácil a pesquisa, por maior parte dos dados dizerem respeito a fraude fiscal, será ilustrado de forma clara os dados recolhidos.

Através dos relatórios das actividades desenvolvidas no âmbito do combate à fraude e à evasão fiscais no ano de 2004 a 2008, disponíveis no site do parlamento, foi possível retirar a informação contida na Figura 9.1 relativamente aos crimes participados pela DGAIEC:

Figura 9.1 – Crimes participados pela DGAIEC entre 2004 a 2008

Fonte: Adaptado do relatório das actividades desenvolvidas no âmbito do combate à fraude e à

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85,5% 8,4%

5,3% 0,74% 0,20%

Abuso de confiança fiscal Fraude fiscal

Fraude fiscal qualificada Frustração de créditos fiscais Burla tributária

Relativamente ao ano de 2009, através da Figura 9.2, sabe-se que os tipos de crimes originários dos processos instaurados dividiram-se da seguinte forma:

Já no ano de 2010, é possível verificar no portal das finanças, através da Figura 9.3, que os processos instaurados por tipo de crime são os seguintes:

Figura 9.2 – Crimes originários dos processos instaurados em 2009

Fonte: Relatório de actividades desenvolvidas de combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiras do

ano 2009

Figura 9.3 – Crimes originários dos processos instaurados em 2010

Fonte: Relatório de actividades desenvolvidas de combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiras do

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No que diz respeito ao ano de 2011, conforme Figura 9.4, obtemos os seguintes dados:

Incidindo a análise sobre o ano de 2012, curiosamente deixamos de poder comparar esta evolução no relatório anual podendo, no entanto, verificar no relatório anual de segurança interna que o crime de burla (Burla com fraude bancária; burla relativa a seguros, burla Figura 9.4 – Crimes originários dos processos instaurados em 2011

Fonte: Relatório de actividades desenvolvidas de combate à fraude e evasão fiscais e aduaneiras do

ano 2011

Figura 9.5 – Evolução do crime de burla (excepto burla tributária)

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Figura 9.6 – Inquéritos iniciados relativos a crimes económicos e financeiros em 2015

Fonte: Relatório anual de segurança interna de 2015

80 915

5.338

24.832 Burlas (excepto burla tributária)

Abuso de confiança fiscal Fraude fiscal

Figura 9.7 – Inquéritos iniciados relativos a crimes económicos e financeiros em 2016

Fonte: Relatório anual de segurança interna de 2016

92 863

4.847

24.097

Burlas (excepto burla tributária) Abuso de confiança fiscal Fraude fiscal

Fraude na obtenção de subvenção, subsídio ou crédito para a obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, burla informática e nas comunicações, burla relativa a trabalho ou emprego, outras burlas) tem apresentado um aumento bastante significativo no ordenamento jurídico merecendo especial atenção devido à sua tendência de subida, conforme Figura 9.5. Interpretando os gráficos pode surgir a dúvida em relação ao crescimento da burla tributária, visto que nos gráficos em questão e até mesmo no próprio relatório não é referenciado e parecendo, inclusivamente, que caiu no esquecimento o acompanhamento dos processos tributários instaurados não tendo conhecimento de qualquer relatório incidente tanto no ano em apreço como até 2014. Já no ano de 2015 e 2016, é possível verificar novamente os dados referentes aos tipos de inquéritos iniciados relativos a crimes económicos e financeiros (aproveitando para a Figura 9.6 e 9.7 apenas os crimes mencionados no decorrer do trabalho) suscitando, aqui, curiosidade nos dados apresentados, ora vejamos:

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Ora estando perante dados referentes aos crimes económicos e financeiros, salta-nos logo a atenção para o facto dos dados referentes à burla terem como excepção a burla tributária não se encontrando em mais nenhum patamar a menção à burla tributária. Outra questão que poderá relevar, na análise aos dados, incide sobre a fraude na obtenção de subvenção, subsídio ou crédito não existindo, também, qualquer menção à burla neste tema onde, por exemplo e na nossa opinião, um cidadão que obtenha subsídio de desemprego através de uma relação tributária simulada preenche os requisitos do artigo 87.º do RGIT, levando- nos a crer que não existiu nenhum tipo de burla tributária neste ano.

Após a astuta análise teórica aos tipos de crimes e à conclusão de que é completamente possível a confusão entre a burla tributária e a fraude fiscal não nos parece que seja satisfatório este panorama. Questionamo-nos, então, onde estão inseridos os inquéritos instaurados relativos à burla tributária? Estarão os processos instaurados a decorrer sobre o crime correcto? Não terá a burla tributária caído no esquecimento da Autoridade Tributária tendo passado a incluir todo o comportamento como fraude fiscal?

Poderíamos afirmar que se tornou mais fácil enquadrar todo o comportamento típico do artigo 87.º, 103.º e 104.º como fraude fiscal não diferenciando a questão do enriquecimento do sujeito passivo ou empobrecimento do Estado devido à extensa incidência da fraude em contrapartida com os rígidos pressupostos da burla, no entanto, é de arriscar tecer tais comentários quando continuamos a ser bombardeados com notícias de burla tributária como a “rede” constituída por uma ex-bancária, médico e ex-professora, entre outros, que falsificavam relatórios médicos por forma a obterem aos requisitantes o direito à pensão por invalidez. Outro caso bastante mediático, em que os arguidos foram acusados, entre outros, de burla tributária qualificada incide sobre um casal que declarou a existência de um filho falso com o objectivo de obter um aumento no abono de família e rendimento social de inserção e ter direito a uma habitação social superior.

Era possível continuar a enumerar diversos casos constantes nos media que preenchem o crime de burla sendo possível confrontar com os supostos nulos processos instaurados por este tipo de crime, no entanto, cremos que das duas uma: ou de facto a fase de inquérito é mal instaurada procedendo-se à convolação da fraude para burla no momento em que o MP instaura o processo ou este tipo de crime foi completamente banalizado face aos outros não tendo sequer qualquer reparo nos relatórios e afins, o que é de estanhar e não nos parece que seja a melhor opção a tomar tendo em conta que, como vimos anteriormente, a burla tributária estava bastante equiparada à fraude fiscal nos crimes participados pela DGAIEC

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nos anos de 2004 a 2008, notando-se a grande distinção a partir de 2009, o que como já vimos pode não significar de facto uma diferença mas sim uma simplicidade na instauração do processo. Além disso, outro parâmetro a frisar no caso da banalização da burla é o princípio da subsidiariedade em que prevalece a burla tributária sobre a fraude fiscal, ora sendo o objectivo da Administração recuperar o máximo de receitas fiscais, principalmente nos casos em que as viu diminuídas por cometimento de crimes defraudadores dos valores não deveria ter-se em atenção que no caso de concurso dos dois tipos de crimes prevalece o que apresentar pena mais gravosa sendo, maioria das vezes, a burla tributária? Até porque, como já se verificou, quando se trate de fraude simples inferior a € 15.000 o RGIT não enquadra tal comportamento como crime fiscal ficando a reposição dos valores devidos aquém das expectativas pretendidas podendo, no entanto, esse patamar ser atingindo bastando, para isso, alterar a qualificação de crime. Ora se no caso de estarmos perante um enriquecimento ilícito por recebimento indevido de um subsídio de desemprego a Autoridade Tributária qualifica tal comportamento como fraude fiscal, diga-se desde já que incorrectamente, e sendo esse enriquecimento inferior ao limite mínimo exigido para a fraude significa, portanto, que esse comportamento não será julgado no âmbito criminal.

No nosso entender, tal situação acontece porque baseando-se a burla tributária num conjunto de actos completamente fictícios, desde a criação do sujeito passivo até ao reembolso, as administrações não conseguem ter controlo neste tipo de relação tributária pois se, por exemplo, é criada ficticiamente uma sociedade para obter apenas enriquecimento indevido tornando-se, posteriormente, invisível não é possível à administração realizar por, exemplo, uma inspecção porque para todos os efeitos aquela sociedade não existe logo vai originar a perca do rastilho da mesma fazendo com que seja difícil chegar ao cometimento do crime.

Como poderemos verificar no capítulo seguinte, serão enumerados diversos Acórdãos incidentes na matéria em causa por forma a analisarmos o entender dos nossos Ilustres Magistrados quanto a situações específicas de condenação por burla tributária confirmando-se que, mesmo verificando-se difícil o conhecimento pela administração, existem efectivamente condenações por cometimento deste tipo de crime e cujas Sentenças e Acórdãos só “nascem” por serem instaurados processos.

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