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As entrevistas realizadas com os professores cumpre o papel de um exercício analítico do campo empírico. Através delas, convoco o pesquisado a distanciar-se de sua própria prática para lançar um olhar sobre o que foi observado. Assim, me inscrevo em uma situação de análise compartilhada que enriquece a leitura das práticas que observei sem, no entanto, abrir mão da autoria da pesquisa. Nem sempre adotei perspectivas ou categorias sugeridas pelos professores pesquisados e, mesmo quando o fiz, a responsabilidade pelas limitações e imprecisões são minhas e não deles. Dessa forma, apesar de inserir as falas dos professores entrevistados em diferentes momentos do texto como forma de reforçar ou apontar uma perspectiva de análise, assumo inteiramente a responsabilidade pelo que, aqui, apresento. Não acredito estar, assim, abrindo mão de uma interpretação “mais verdadeira que minha” por ter sido enunciada pelo próprio sujeito envolvido, mas sim apresentando possibilidades de análise tão legítimas e possíveis quanto a dos

sujeitos pesquisados.

As entrevistas foram realizadas após as observações e com o processo de redação já em andamento. Foi dada a opção aos entrevistados de realizar a entrevista presencialmente ou à distância via softwares de conversa por vídeo. Apenas Lauro preferiu que a entrevista fosse realizada presencialmente e escolheu sua casa como o local para sua realização. Cecília e Eduardo preferiram a entrevista à distância. As entrevistas de caráter semiestruturado duraram, em média, cerca de uma hora e foram registradas em áudio. As perguntas foram preparadas de maneira a apontar recorrências na prática de organização da turma do professor e práticas de gestão de sala de aula com o objetivo de questionar como os professores vêem a importância ou o resultado de tais práticas e como chegaram a elas. Isso implica dizer que, exceto por algumas perguntas relacionadas à formação e à experiência do professor, poucas perguntas se repetiram entre os entrevistados.

Por se tratar de um elemento de geração de dados secundário em relação às observações e por ter sido encarado como uma das etapas de análise, as entrevistas não foram transcritas na sua integridade. Em vez disso, foi criado um arquivo de texto onde registrei o minuto e segundo do arquivo de áudio em que cada tópico é abordado. Dessa forma, a escuta das entrevistas foi recorrente durante todo processo de análise e a opção pela transcrição de um determinado trecho se dava pela possibilidade de ser incorporado ao corpo do texto da pesquisa.

Os dados levantados pelas entrevistas foram confrontados de maneira a considerar aspectos como sexo, tempo de experiência como professor, anos-ciclo com os quais costuma ou prefere trabalhar, perfil social da comunidade atendida pela escola, etc. Destes confrontos e tomando como referência categorias utilizadas por Doyle (1986), foram levantadas as três categorias de análise que orientaram a análise dos dados e a redação do trabalho: gestão do espaço, gestão do tempo e gestão das condutas. Tais categorias têm por objetivo orientar a redação do trabalho elencando eixos em torno dos quais é possível reunir práticas de gestão de sala de aula sem, no entanto, propor ou sugerir que há fronteiras rígidas entre eles. Como ficará claro ao longo da leitura, nas práticas de gestão de sala de aula observadas, os aspectos relacionados à gestão do espaço, do tempo e das condutas estão de tal forma relacionados que estratégias aqui classificadas como gestão do espaço serão justificadas por alguns professores por sua preocupação com o tempo dedicado à atividade e todas elas, de um modo ou de outro tem a gestão das condutas como objetivo final. Dessa forma, não tenho nenhuma pretensão de propor

categorias fixas de análise das práticas de gestão de sala de aula e estas serão utilizadas aqui apenas para organizar minha própria redação de uma maneira que me parece possível e razoável.

A construção da análise dos dados que compõe a redação final se deu através de uma comparação realizada entre [1] o professor e ele mesmo (o que diz e o que fala e entre uma aula e outra), [2] entre as práticas dos três professores (apontando coincidências e divergências) e [3] entre a prática dos professores e a literatura acadêmica. Para a comparação das práticas e das entrevistas foi criado um arquivo de texto com as anotações dos diários de campo, onde as diferentes anotações foram sendo identificadas por dia da observação e professor, agrupadas em eixos de análise e acrescidas do minuto e segundo em que cada professor trata daquela questão específica durante sua entrevista.

Na comparação das práticas observadas com a literatura acadêmica, foram considerados textos de caráter historiográfico acerca das práticas docentes e escolares (principalmente GAUTHIER, 2010a, 2010b, 2010c; TARDIF, 2010; DUSSEL; CARUSO, 2003; FOUCAULT , 1987; ARIÈS, 1981) e textos de pesquisa e desenvolvimento teórico relacionados ao tema da (in)disciplina e gestão de sala de aula. Em relação a essa segunda categoria de textos, o livro Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente de Gauthier (et al., 2006) e o texto Classroom Organization and management redigido por Walter Doyle (1986) ocupam um lugar de destaque pois apresentam uma síntese de um grande número de pesquisas empíricas sobre gestão de sala de aula realizadas, principalmente, no norte da América. Estas comparações têm por objetivo situar as práticas observadas dentro de um campo de outras práticas possíveis que já foram realizadas em outros momentos da história da escola e/ou que são previstas na literatura constituída por pesquisas empíricas.

Uma preocupação constante durante todo o processo de redação e análise foi a de não imprimir ao texto um caráter prescritivo que determinasse ao leitor quais das estratégias observadas são as mais “corretas” ou “efetivas”. A ideia é apresentar as estratégias observadas como igualmente legítimas e razoáveis, como soluções possíveis encontradas por professores em seu exercício profissional e como práticas que podem ser situadas histórica e culturalmente em relação a outras práticas pedagógicas.