CAPÍTULO 4. DESENVOLVIMENTO E CONSTRUÇÃO DOS ITENS
4.1. Análise de conteúdo das entrevistas semiestruturadas
Através da análise qualitativa foi possível contextualizar a experiência profissional dos sujeitos e recolher dados sobre as suas vivências, o que permitiu obter uma descrição mais rica e detalhada sobre as competências e os traços de personalidade considerados mais valorizados em contexto laboral.
Deste modo, foram realizadas 97 entrevistas semiestruturadas com os colaboradores de uma empresa de consultoria, que no último ano obtiveram a classificação de Muito bom e Excelente, na avaliação de desempenho.
As entrevistas incluíram quatro perguntas em que foi questionado: (i) quais as competências necessárias para integrar os quadros da organização; (ii) quais as características que distinguem os top dos bottom performance; (iii) quais as competências que poderiam ser desenvolvidas / melhoradas para dar resposta à resolução dos problemas que surgem no dia-a- dia; e (iv) quais as competências que necessitam de ser desenvolvidas para obter um elevado resultado na avaliação de desempenho. As questões foram elaboradas com o objetivo de verificar a frequência das respostas dadas, pelo que após a sua recolha foram reunidas num único grupo.
Dos 97 colaboradores que participaram no estudo, 56.7% eram do sexo masculino. Observando a Tabela 18, é possível constatar que a área predominante é Consulting (21.6%) e a categoria profissional com menos colaboradores entrevistados é a de Partner (10.3%). A escolha do número de participantes foi proporcional à totalidade dos mesmos na organização.
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Tabela 18. Distribuição dos participantes segundo a área e categoria profissional (valores absolutos)
Partner Manager Senior Consultant Consultant Analyst Total
Audit 3 3 5 6 3 20 BPS1 1 3 5 5 4 18 Consulting 2 3 5 7 4 21 Consulting TI 1 3 4 4 3 15 Corporate Finance 1 2 2 3 2 10 Tax 2 3 3 3 2 13 Total 10 17 24 28 18 97
Após a recolha dos dados, as entrevistas foram transcritas na íntegra, para que pudessem ser codificadas. Durante este processo e depois da codificação inicial, tornou-se pertinente substituir o modelo de Collins e Porras (1998), inicialmente estabelecido, pelo modelo Great
Eight do Bartram (2002) por ser mais adequado aos objetivos do estudo. Para o efeito foi
utilizado o software MAXQDA 11 e seguidas as etapas da análise de conteúdo sugeridas por Bardin (2009), designadamente: (i) pré-análise, (ii) exploração do material e (iii) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
Na fase de pré-análise procedeu-se à organização do material a ser analisado de forma a torná-lo operacional. Deste modo, a sistematização das ideias iniciais ocorreu através de quatro etapas: (i) leitura flutuante, que diz respeito ao momento em que se começa a conhecer o texto; (ii) escolha dos documentos, que consiste na demarcação do que será analisado; (iii) formulação das hipóteses e dos objetivos; (iv) referenciação dos índices e elaboração de indicadores (Flick, 2009).
A segunda fase – exploração do material – consistiu na definição de categorias (sistemas de codificação) e na identificação das unidades de registro (segmento de conteúdo a considerar como unidade base, visando a categorização e a contagem de frequências) e das unidades de contexto nos documentos (unidade de registo que corresponde ao segmento da mensagem). Esta é a fase da descrição analítica, pelo que a codificação, a classificação e a categorização são essenciais (Bogdan & Biklen, 2013).
A terceira fase diz respeito ao tratamento dos resultados, inferência e interpretação, pelo que constitui o momento da intuição, da análise reflexiva e crítica. De acordo com as diferentes fases da análise de conteúdo propostas por Bardin (2009), a codificação e categorização facilitam as interpretações e as inferências.
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As fases referidas permitem afirmar que um princípio básico do funcionamento da análise de conteúdo categorial é a redução de dados através de dois processos-chave: a codificação e a categorização do conteúdo dos documentos em análise. Por trás destes processos, existem dois tipos de raciocínio fundamentais: a indução, que permite codificar os dados brutos (primeira redução dos dados); e a dedução, que permite testá-los através de um sistema teórico-concetual que a fundamenta. Esses dois mecanismos podem variar e ser combinados de formas distintas, mas é através da sua presença que se fundamenta todo o processo de uma análise de conteúdo categorial (Gondim & Bendassolli, 2014).
Tendo por base o modelo de competências2 desenvolvido por Bartram (2002) – Great
Eight – começaram por se identificar as componentes das competências consideradas
essenciais para o desempenho eficaz dos colaboradores e, como tal, as mais vezes referidas pelos entrevistados, tendo-se constatado que os valores mais elevados dizem respeito ao Autodesenvolvimento (5.8%), Gestão de tempo (5.8%) e Delegar (5.6%).
Seguidamente, os dados decorrentes da codificação inicial, foram distribuídos pelos vinte clusters de competências – codificação axial – que revelou que as frequências mais elevadas pertencem à Aplicação de conhecimento e tecnologia, e Trabalhar com pessoas, mencionadas respetivamente, por 12.4% e 10.9% dos colaboradores. Por último procurámos averiguar qual dos fatores que compõem o modelo apresenta maior frequência – codificação concetual – que demonstrou que o fator mais valorizado pelos colaboradores da organização, que foram entrevistados, diz respeito à Organização e execução (26.1%) (Tabela 19).
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Tabela 19. Componentes, competências e fatores mais valorizados pelos colaboradores
Componentes de competências % Competências % Fatores %
Tomada de decisão Agir com confiança
1.0 1.0
Decidir e tomar a iniciativa 2.0 Liderança e tomada de
decisão 8.1 Delegar Motivar os outros 5.6 0.5 Liderança e supervisão 6.1
Construir o espírito de equipa Comunicar proactivamente Mostrar empatia Apoiar os outros 3.9 4.8 0.6 1.6
Trabalhar com pessoas 10.9 Apoio e cooperação 14.6
Preservar a ética e os valores Agir com integridade
2.3 1.5
Seguir princípios e valores 3.7
Networking
Gestão de conflitos
1.5 1.3
Relacionamento e networking 2.8 Interação e relações
interpessoais
7.3
Negociação 1.5 Persuadir e influenciar 1.5
Explicar conceitos e opiniões 3.0 Apresentar e transmitir informações 3.0
Escrever corretamente
Comunicar de modo a atingir determinado alvo
1.8 1.2
Escrever e reportar 3.0 Análise e interpretação 17.2
Aplicar conhecimentos técnicos 4.5 Aplicação de conhecimento e tecnologia 12.4
Analisar e avaliar informação Testar hipóteses e investigar Apresentar/produzir soluções Capacidade para dar opinião
1.9 2.7 1.9 1.5 Analisar 1.9 Aprender rapidamente Rapidez de pensamento 3.0 1.5
Aprender e pesquisar 4.5 Criação e concetualização 10.1
Inovar 3.7 Criar e inovar 3.7
Pensar holisticamente (contemplar o todo) Ser visionário
0.8 1.1
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Tabela 19. Componentes, competências e fatores mais valorizados pelos colaboradores (continuação)
Componentes de competências % Competências % Fatores %
Planear
Gestão de tempo
4.8 5.8
Planear e organizar 10.7 Organização e execução 26.1
Foco nas necessidades e satisfação do cliente Monitorizar e manter a qualidade
Trabalhar sistematicamente Manter os níveis de produtividade
4.2 1.9 4.1 3.5
Obter os resultados e corresponder às expectativas dos clientes
9.6
Seguir procedimentos
Commitment
1.8 4.1
Seguir instruções e procedimentos 5.9
Adaptação
Lidar com a ambiguidade
3.9 2.3
Adaptação à mudança 6.2 Adaptabilidade 9.4
Lidar com a pressão
Equilíbrio entre trabalho e vida pessoal
2.6 0.5
Lidar com a pressão e retrocessos 3.2
Alcançar objetivos Autodesenvolvimento
1.9 5.8
Cumprir metas e objetivos pessoais e profissionais
5.8 Empreendedorismo e performance
7.2
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Com o objetivo de verificar a perceção das chefias das diferentes áreas profissionais, acerca do fator mais valorizado efetuámos uma análise das componentes das competências com as frequências mais elevadas (Tabela 20). Os resultados revelam que a opinião da chefia da área de Audit é a mais aproximada dos resultados globais da organização, pois o Autodesenvolvimento foi a componente mais referida pela totalidade dos entrevistados.
Constatou-se, ainda, que a perceção das chefias, no que diz respeito aos fatores mais relevantes para um elevado desempenho, não coincide com a opinião geral dos colaboradores, pois em nenhuma das áreas, os profissionais com os cargos mais elevados – Partner e
Manager – referiram o fator Organização e execução, que foi o mais valorizado pelas
categorias mais baixas – Senior Consultant, Consultant e Analyst.
Tabela 20. Fatores e componentes das competências mais valorizadas pelos participantes em função da área profissional
Área Fator Componentes das competências
Audit Empreendedorismo e performance Autodesenvolvimento
BPS Liderança e tomada de decisão Delegar
Consulting Interação e relações interpessoais Gestão de conflitos
Consulting TI Análise e interpretação Testar hipóteses e investigar
Corporate Finance Interação e relações interpessoais Explicar conceitos e opiniões
Tax Adaptabilidade Lidar com a ambiguidade
Estes resultados, sugerem que os indivíduos se comportam de forma distinta, consoante a envolvência organizacional em que se encontram e avaliam o desempenho individual com base em diferentes critérios. Deste modo, verificou-se que à exceção dos conhecimentos técnicos, que se encontram no topo das competências mais valorizadas por todos os entrevistados, a opinião dos colaboradores sobre as competências que definem um bom profissional varia em função da área e da função desempenhada. Assim, a análise dos dados revelou que os colaboradores que desempenham funções de Partner valorizam maioritariamente a autopromoção, os Managers a orientação para os resultados, os Senior
Consultants e os Consultants a cooperação e a coordenação, e os Analysts a adaptabilidade.
Verificou-se, ainda, que os profissionais que desempenham funções na área de Audit enfatizam as competências relacionadas com o autodesenvolvimento, os de BPS salientam a capacidade de delegar, os de Consulting evidenciam a aptidão para saber gerir conflitos, os de
Consulting TI realçam a importância de testar hipóteses e investigar, os de Corporate Finance
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consideram que saber lidar com a ambiguidade é uma competência essencial para um elevado desempenho. Estes resultados podem ser explicados pelas características inerentes a cada área e função desempenhada.