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2.2.1 Bakhtin e a filosofia da linguagem: campo referencial para análise do discurso

Mikhail Bakhtin é considerado como um dos pensadores mais destacados no campo da linguagem, literatura e arte. Ao longo de sua trajetória dedicou-se a proposição de conceitos e categorias que substanciaram a formulação de uma Filosofia Materialista da Linguagem. É formulador de uma nova epistemologia em contraposição às correntes de pensamento vigentes nas primeiras décadas do século XX. Constituindo-se em uma proposição que parte e se focaliza em análises discursivas cotidianas, artísticas, filosóficas, científicas e institucionais. Neste contexto, está atrelada ao pensamento e às proposições e reflexões de intelectuais da linguagem, da Filosofia, Literatura, Arte e outros campos do conhecimento. Profissionais, reconhecidos posteriormente como o “Círculo de Bakhtin”.

Suas análises partem da concepção da linguagem como processo interativo, mediado por relações dialógicas. Postura radicalmente contrária à concepção da linguagem como sistema autônomo e ou como sistema referencial da língua, palavras e estruturas gramaticais. A linguagem para Bakhtin se define como processo enunciador da vida concreta, que ganha sentido na comunicação efetivas entre o “eu e o 'outro”, situados como autor/criador e ouvinte, num contexto de enunciação, no qual, a língua se torna referência dos locutores: falantes/escritores e interlocutores/ouvintes, que também são enunciadores, pois estão interligados num mesmo contexto interativo decomunicação.

Nesse processo de interação, os enunciadores concretos se constroem e se reproduzem num efetivo processo de comunicação, referendados pelo contexto social, cultural, histórico e ideológico. Um espaço social referenciado por tramas e teias sociais que envolvem, conforma e ou revelam situações de oposição entre locutor e interlocutor, que se expressam pela via verbal ou não verbal, como processo dinâmico, revelador dos enunciados presentes numa cena de comunicação.

No contexto dos discursos, a palavra enunciada seleciona, posiciona os sujeitos falantes pela formulação de mensagens, que compreendidas pelos ouvintes, as interpreta e as respondem com outros enunciados de forma verbal, por gestos ou porpensamentos.

Mikhail Bakhtin é contemporâneo do pensador e escritor Karl Marx (1818 – 1883), se vincula aos aspectos filosóficos do marxismo e, elege como base de sua proposição a “vida vivida” e sua relação direta na constituição do sujeito em meio aos processos de consciência de si e dos outros. As relações entre sujeitos revelam aspectos da vida social, cultural, política

e das forças ideológicas que classificam e posicionam os indivíduos segundo os padrões dominantes. Bakhtin desenvolveu uma teoria inovadora que traduz a constituição dos indivíduos pelos discursos literários e pela cultura e assim, desbravadora da vida sociocultural. Sua proposição está expressa no “conjunto de sua obra (que) se caracteriza pela interdisciplinaridade, a partir de uma abordagem dialética de questões relacionadas à filosofia, linguística, psicanálise, teologia, poética, teoria social e literatura” (MAGALHÂES, 2007, p. 210).

A análise bakhtiniana está pautada na estética verbal e na compreensão de um texto falado ou escrito. Diante do texto ou fala, o pressuposto de uma responsividade e um posicionamento valorativo do falante, do escritor, do leitor ou ouvinte, expressas por atitudes de concordância, de recriação, exaltação ou negação como resposta no processo interativo de comunicação, notadamente, marcado por uma relação dialógica entre enunciadores.

Para Forin (2006), o dialogismo presente numa cena de comunicação revela diferentes sentidos e podem estar presentes em vozes ocultas no enunciado, considerando-se que todo enunciado é uma resposta a outro texto, ainda que não expresso no discurso; mas percebida a partir de vozes de outros enunciadores. Podendo-se perceber as vozes dos interlocutores de forma aberta ou separado do discurso emissor. O dialogismo se faz presente num discurso pela ação do individuo, mediante resposta às diversas vozes presentes. São importantes observações para se perceber como os discursos se constituem em meio às tramas do contexto social. Ou seja, perceber a partir da linguagem, as interconexões com a vida social. Bakhtin trazem a tona uma proposição filosófica que leva em consideração o acontecimento real, singular e historicamentesituado.

2.2.2.A Criação Verbal e o Gênero doDiscurso

A análise e a Teoria do Discurso no pensamento bakhtiniano expressam aspectos teórico-metodológicos diante da análise de textos e discursos, como caminho para a compreensão da realidade sociocultural, embora não se constitua uma perspectiva fechada, a perspectiva bakhtiniana trouxe contribuições para os estudos da linguagem, linguística e ciências humanas. Bakhtin inaugura uma análise e/ou uma teoria dialógica do discurso a partir do campo filosófico da linguagem para compreender a vida cotidiana. Sua formulação de gênero de discurso tornou-se referência para a pesquisa investigative no campo das Ciências Sociais.

Sem querer (e sem poder) estabelecer uma definição fechada do que seria essa análise/ teoria dialógica do discurso, uma vez que esse fechamento significaria uma contradição em relação aos termos que a postulam, é possível experimentar sem embasamento constitutivo, ou seja, a indissolúvel relação existente entre língua, linguagem, história e sujeitos que instaura os estudos da linguagem como lugares de produção de conhecimento de forma comprometida, responsável, e não apenas como procedimento submetido a teorias e metodologias dominantes em determinados espaços [...] diz respeito a uma concepção de linguagem, de construção e produção e sentidos necessariamente apoiados nas relações discursivas empreendidas por sujeitos historicamente situados (p. 10).

A expressão da linguagem aparece como base na percepção estética do social e do cultural. Sua proposição se constitui em uma atividade criativa, ética e estética sob o foco da realidade social. A estética tem se tornado objeto de estudo de inúmeros filósofos e nos estudos bakhtinianos se tornou temática central.

Falar da ética e da estética em Bakhtin:

É evocar o que se pode considerar a base de tudo [...] é evocar, de um lado, a ressignificação que ele propõe dessas categorias e, de outro, sua instância na integração arquitetônica dessas dimensões do humano na unidade da responsabilidade que é a tarefa de cada sujeito humano (SOBRAL, 2013, p. 103).

A linguagem se situa como expressão da integridade concreta e viva de um ser que fala, ouve e se posiciona no discurso. O discurso ou as manifestações discursivas estão situados como metalinguística por se localizar para além de uma linguística “abstrata” e distanciada da concretude da vida vivida. Assim, o termo e ou conceito discurso apresenta-se como objeto complexo por dar conta das relações dialógicas entre o falante e o ouvinte, que também é falante. O que insere a abordagem do discurso a partir de um ponto de vista interativo interno e externo, como dados inerentes do processo de linguagem. Pois, em Bakhtin, a linguagem:

Leva em conta, portanto, as particularidades discursivas que apontam para contextos mais amplos, para um extralinguístico aí incluída (e) o trabalho metodológico, analítico e interpretativo com textos/discursos se dá – como se pode observar nessa proposta de criação de uma nova disciplina ou conjunto de disciplinas – herdando da linguística a possibilidade de esmiuçar campos semânticos, descrever e interpretar marcos earticulações enunciativos que caracterizam o(s) discurso(s) e indicam sua heterogeneidade constitutiva, assim como, as dos sujeitos aí instalados. (SOBRAL, 2013, p. 13).

Os estudos bakhtinianos, se pautam na individualidade, enquanto constructo advindo das relações sociais vividas pelo sujeito e não resultante do processo de “assujeitamento” ou submissão do indivíduo ao social, levando-se em consideração que a criação ética e estética

pelo indivíduo resulta da criação de valores, de sentidos e significados inerentes ao ato criador do agir concreto do indivíduo, do sujeito na esfera produtiva de enunciados e discursos.

Assim, para o Círculo de Bakhtin, as categorias como “percepção”, “pensamento” e/ou “consciência,” não estão fora da vivência concreta dos sujeitos, ou seja, estão situados na sociedade e na história e não num plano essencialmente humano idealista. O que torna o ato humano como atividade autoral e científica, produzido num contexto interativo, enquanto atos “éticos, responsáveis e responsivos”. O processo criador torna o indivíduo como um ser responsável em todos os momentos da totalidade da vida. Assim sendo, a criação e a responsabilidade obrigam o sujeito a aproximar da “vida e arte”, da “arte e vida” para o alcance de um posicionamento filosófico, mediante um processo de aproximação entre o mundo artístico e o mundo real vivido que interliga o “homem, ciência, arte e vida”.