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Feita a análise das perturbações que acometem a gestação e o pós-parto, cabe analisar de que forma as mesmas têm expressão criminal em Portugal, e como decidem os Tribunais Portugueses. Para tal, procedeu-se a uma análise de acórdãos do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça.

A maioria dos crimes de infanticídio ocorre sobre a forma de acção, apesar de alguns casos serem, alegadamente, o resultado da não prestação de cuidados ao nascituro aquando o parto. Na maioria dos casos, o homicídio em forma de acção do nascituro dá-se através de estrangulamento com as mãos ou outro objecto, ou por asfixia, colocando o mesmo dentro de sacos de plástico, sendo que numa dessas formas de homicídio, ou noutra – bater com a cabeça do bebé no chão ou esfaqueá-lo -, as puérperas colocam o corpo do recém-nascido em sacos de plástico guardando-o em algum lugar – por baixo da cama, em armários, ou em cacifos no local de trabalho.

Não existe um estereótipo quanto às mulheres que praticam este crime, contudo, são comuns alguns padrões. Podemos estar perante uma mulher solteira e sem filhos, a residir ainda com os pais, de baixa escolaridade, com uma situação profissional instável, sendo a gravidez oriunda de um relacionamento ocasional – por vezes até com um homem casado -, que tenciona ocultar a gravidez da família devido ao medo de reprovação por parte da mesma. Ou poderemos estar perante uma mulher casada e com filhos, com formação profissional estável e formação académica ao nível do ensino superior. São agentes sem antecedentes criminais, sendo, portanto, primárias. Apesar de estes serem os grupos mais frequentes, há casos que não se enquadram nestes estereótipos, apresentando uma mistura destas características: mulheres com relacionamentos e uma situação profissional estável, apesar de não terem filhos e, mulheres solteiras, mas com filhos, que vivem ainda em casa dos pais, sendo a gravidez fruto de um relacionamento ocasional.

Durante o período de gestação não revelam às pessoas mais próximas a gravidez. No entanto, existem, por vezes, alguns testemunhos de familiares ou amigos que relatam ter tido conhecimento da mesma. Contudo, nesses casos, é frequente que a mulher negue a umas pessoas e a outras não, ou até à mesma pessoa.

104 Não têm por hábito frequentar consultas médicas. O Tribunal considera, frequentemente, estar-se perante uma ocultação deliberada da gravidez, através do uso de roupas largas.

Quando algum familiar, amigo ou colega de trabalho questiona a gestante sobre o seu estado gravídico, as justificações mais invocadas são a presença de um tumor, problema da tiroide, ou bolsas de água nessa zona, que fazem aumentar o ventre. O parto ocorre frequentemente em casa ou no local de trabalho.

Os Tribunais de 1ª instância consideram frequentemente estar-se perante a prática de um crime de homicídio qualificado, pelo que o mesmo é-lhes imputado, nos termos do artigo 132ª, pelas alíneas a), c), e, j) do CP, bem como a aplicação do crime de profanação de cadáver, pelo artigo 254º. Contudo, na maioria dos casos que sobem a recurso para o Tribunal da Relação ou para o Supremo Tribunal de Justiça, estes, na maioria das vezes, absolvem a arguida da prática do crime de homicídio qualificado, imputando-lhes a prática do homicídio simples do artigo 131º.

A maioria dos Tribunais de 1ª instância, aquando a análise da matéria de facto vem a considerar que a gestante ocultou a gravidez de forma consciente e que formulou a sua decisão de matar no momento em que teve conhecimento da mesma, não tendo em consideração outros desfechos para a vida do nascituro e, nesse sentido, aplicam-lhes o artigo 132º/1/2 j). Entendem que a acção de matar foi efectuada de forma deliberada, livre e consciente. Contudo, os Tribunais Superiores, são na sua maioria os Tribunais que não condenam a arguida nos termos da alínea j) por considerarem que da matéria de facto não ficou provado que a sua intenção de matar tenha persistido por mais de 24 horas. Afastam também a alínea a), que assenta no parentesco, por considerarem que a mesma não funciona de forma automática e deverá estar ligada a contra motivações éticas assentes nesse grau de parentesco, e que nestes casos apresentam pouca força, pois não foram criados laços de parentesco entre a parturiente e o recém-nascido, tendo em conta que esta procurou negar a gravidez durante todo esse período e, portanto, recusou sempre esse parentesco que a unia ao feto. Assim, entendem não ter aplicação esta alínea por não se terem formado ainda, em termos psicoafectivos, os laços de parentesco. Afastam também a alínea c), por a idade ser o factor intrínseco que leva à prática do crime, e não por esse factor ser um elemento facilitador da prática do crime,

105 pois não tirou partido da fragilidade do recém-nascido, matando-o por nunca ter aceite essa gravidez.

Ao afastar o artigo 132º/2 afastam também a especial censurabilidade e perversidade do agente, pelo que culminam na aplicação à arguida do artigo 131º - homicídio simples. Quando da matéria de facto resulte que a arguida padecia à data dos factos ou do julgamento de alguma perturbação, têm a mesma em consideração em sede de atenuação da pena, ou para afastamento do tipo legal do artigo 132º, por considerarem que tais perturbações são contraditórias com a especial censurabilidade e perversidade que é exigida pela norma.

Apesar de, em alguns acórdãos, os Tribunais reconhecerem que os laços de parentesco não se formam de forma automática, nalguns casos fundamentam a pena tendo em conta o especial dever de defesa que sobre a parturiente impendia, relativamente ao nascituro, por entenderem ser uma das acções mais desvaliosas que

atentam contra o bem jurídico “vida”466.

A aplicação do crime de infanticídio – quando invocada e apreciada pelos Tribunais - é, regra geral, afastada, por considerarem que a conduta não preenche o segundo pressuposto da norma – “sobre a influência perturbadora do parto” – pois não fica provado que a arguida agiu motivada por um descontrolo emocional decorrente do efeito de dar à luz que lhe retirasse a capacidade de avaliação dos seus actos. Contudo, na maioria dos casos que chegam aos Tribunais, estes não equacionam sequer a aplicação do tipo legal467.

Apesar de alguns acórdãos admitirem estar-se perante uma negação da

gravidez468, não investigam nesse âmbito, considerando-o, na maioria das vezes, como

um mecanismo consciente, ainda que os peritos considerem que no caso em apreço se tratava de um mecanismo inconsciente, bem como nos casos em que a matéria de facto

466 Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2012 (processo nº

288/09.1GBMTJ.L2.S1), relatado pelo Conselheiro Manuel Braz, disponível em http://www.dgsi.pt (

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/06a9ac40c2b1161580257ad1005741a7? OpenDocument&Highlight=0,288%2F09.1GBMTJ.L2.S1%20 ).

467 Neste sentido, voto de vencido do Conselheiro Santos Carvalho, no Acórdão mencionado supra. 468 Acórdão mencionado supra e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Março de 2011

(processo nº288/09.1GBMTJ.LI-5), relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível em

http://www.dgsi.pt (

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8128b9801996b3c18025788d003ad395 ?OpenDocument&Highlight=0,288%2F09.1GBMTJ.L1-5 ).

106 aponte para um caso de negação da gravidez – quando o corpo não emite sinais da presença de um feto.

Da análise feita depreende-se que os Tribunais Portugueses não têm sequer conhecimento destes casos de negação da gravidez, pois quando confrontados com a possível existência desse fenómeno no caso concreto, argumentam que todos os manuais científicos relatam que ao 3º ou 4º mês de gravidez os sinais da mesma já são visíveis, tornando-se impossível que a mulher não tenha conhecimento da mesma,

desacreditando ainda mais se a arguida já tiver sido mãe anteriormente469. Nas

contestações o Ministério Público alega que o crime de infanticídio não pode ser tido em conta pois apesar de não ter ficado provado que a arguida premeditou a morte do filho aquando o conhecimento da gravidez, foi premeditado em momentos anteriores ao parto, e tal não é compatível com a influência perturbadora do parto. Nesse mesmo sentido vai frequentemente a jurisprudência, ao considerar que não há um nexo de causalidade entre a influência perturbadora do parto e o motivo que levou ao homicídio.

O homicídio privilegiado também não tem tido muita aplicação nestes casos, nem pelos Tribunais de 1ª instância, nem pelos Tribunais Superiores. Tendo sido aplicado apenas a um caso, pelo Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão de 19-

11-2007470,que absolveu a arguida da condenação de um crime de homicídio simples,

por considerar que esta agiu motivada pela defesa da sua honra – medo de que os pais descobrissem a gravidez oriunda de um relacionamento com um homem casado – situação essa que consideraram integrar o conceito de “desespero” para efeitos do artigo 133º, por esta não ser capaz de enfrentar tal situação. Consideraram que tal estado de desespero integrava o facto típico do artigo 133ª, por não ser necessário que, ao contrário da “emoção violenta”, o motivo que levou a arguida a agir daquela forma seja compreensível, pois a arguida matou o recém-nascido para se libertar do constrangimento da respectiva gravidez, e para se libertar dessa pressão psíquica.

469 Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 2009 (processo nº

08P3547), relatado pelo Conselheiro Arménio Sottomayor, disponível em http://dgsi.pt (

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/13671f392590d6cc8025758900485dd7? OpenDocument&Highlight=0,08P3547 ).

470 Processo 1052/07-2, disponível em http://dgsi.pt

(http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/69f4d03c33a85c52802573bd004158c 1?OpenDocument&Highlight=0,Infantic%C3%ADdio ).

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