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A teoria da vinculação teve início com Bowlby, em 1958. Tem por base a ideia de que a vinculação é um comportamento inato, destinado a estabelecer a proximidade do

bebé com a mãe e a sua protecção142. Assenta no pressuposto de que a vinculação é algo

que se constrói durante toda a vida, sendo um processo gradual, com início nos tempos de gestação da mulher grávida, como resultado das mudanças a nível fisiológico e psicológico que se dão em virtude desse estado. Assim, a relação de afecto que se dá entre a mãe e o recém-nascido não tem início apenas no momento do primeiro contacto físico entre ambos, sendo antes, o resultado de uma vinculação que se foi construindo ainda na gravidez. Essa relação entre mãe e filho vai-se intensificando, cada vez mais,

após o nascimento143.

A vinculação é definida como “o laço afectivo que uma pessoa forma com outro

indivíduo específico”144. A vinculação na gravidez é caracterizada pelo desenvolvimento

de sentimentos por parte dos pais, em relação ao filho que irá nascer145.

Esta ligação estabelecida entre a mãe e o feto no período de gestação é definida como “vinculação pré-natal”, “ligação emocional ao feto” ou “ligação materno-fetal”. Este conceito foi criado por Cranley, em 1981, definindo-o como “a medida pela qual

as mulheres desenvolvem comportamentos que representam ligação e interacção com o seu bebé que ainda não nasceu”146.

O processo de vinculação dá-se através das fantasias criadas pela mãe em relação ao

filho e acerca de si própria no papel de mãe147. Neste processo a mãe procura conhecer e

142 CARMANEIRO, Ana Paula, “Vinculação pré-natal e organização psicológica do homem e da mulher

durante a gravidez - relação com o tipo de parto e com a patologia obstétrica dos II e III trimestres de gestação”, Lisboa, Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, 2011, Tese de doutoramento não publicada, p. 161.

143 FIGUEIREDO, Margarida Logrado, “Vinculação pré-natal: estudo da ligação emocional ao bebé em

mulheres e homens grávidos”, Lisboa, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, 2007, Dissertação de mestrado não publicada, pp. 36–37.

144 CARMANEIRO, Ana Paula, op. cit., p. 161. 145 Ibid., p. 173.

146 SILVA, Patrícia Ferreira da, “Vinculação em grávidas adolescentes e ligação emocional materna e

paterna ao feto”, Lisboa, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, 2008, Dissertação de mestrado não publicada, p. 16.

147 CARVALHO, Maria Salgado, “O bebé imaginário, as memórias dos cuidados parentais e as

representações sonoro-musicais na gravidez no estudo da representação vinculação materna pré-natal e da orientação para a maternidade”, Lisboa, Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, 2011, Tese de doutoramento não publicada, p. 66.

48 estar com o filho, enquanto este ainda existe apenas no ventre, procurando evitar a

separação e a perda, e a satisfação das necessidades do feto148.

De acordo com Condon, a vinculação vai-se intensificando ao longo da gravidez, quando a mãe adquire uma representação interna do feto. Será em relação a essa representação que surge o vínculo emocional da mãe com o feto, pois surgem os seus sentimentos de desejo de conhecimento do ser, a interacção com o mesmo e, o desejo de

o proteger e de satisfação das suas necessidades149. Assim, esta ligação da mãe é

influenciada pela interacção e pelas expectativas que tem acerca do bebé que irá nascer, relacionadas com o sexo, nome, características psicológicas e saúde. Todos esses factores vão contribuir para que seja atribuída pela mãe uma identidade ao feto,

ajudando assim na construção da vinculação materno-fetal150.

Comportamentos como - a comunicação com o feto, a atribuição de um nome, e o posicionamento físico da mãe de modo a que possa apreciar os movimentos fetais, ou proporcionar essa experiência ao pai, incentivando-o a conversar com o feto –

estimulam a vinculação pré-natal151.

São apontados por Eduardo Sá quatro momentos considerados como essenciais para que se possa dar essa ligação emocional ao feto. São eles: a revelação da gravidez; a audição dos ruídos cardíacos; a primeira ecografia e, os movimentos fetais, considerando-se este último momento o mais importante na construção da vinculação,

pois serão eles que contribuem para que o feto seja tido como algo real152. A ligação ao

feto aumenta consoante aumente a consciência da sua presença no ventre materno153.

O processo de vinculação materno-fetal difere ao longo dos trimestres de gravidez, consoante as diferentes tarefas que são imputadas à mãe para que esta se possa

148 FIGUEIREDO, Margarida Logrado, op. cit., p. 38.

149 GOMEZ, Rita, LEAL, Isabel, “Vinculação parental durante a gravidez: versão portuguesa da forma

materna e paterna da antenatal emotional attachment scale”, in Piscologia, Saúde & Doenças, 8, 2, Lisboa, 2007, p. 154 (153-165).

150 RODRIGUES, Susana Videira, “Vinculação materna pré-natal, depressão pós-parto e percepção

materna do comportamento do recém-nascido”, Lisboa, Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, 2011, Dissertação de mestrado não publicada, p. 18-19.

151 SILVA, Sara Airosa da, “Vinculação materna durante e após a gravidez: ansiedade, depressão, stress e

suporte social”, Porto, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Fernando Pessoa, 2012, Dissertação de mestrado não publicada, p. 15.

152 RODRIGUES, Susana Videira, op. cit., pp. 19-20.

153 MAGALHÃES, Cláudia Pereira, “Ansiedade, qualidade do relacionamento conjugal e vinculação

materna ao feto – estudo com grávidas primíparas e multíparas”, Braga, Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional de Braga, 2013, Dissertação de mestrado não publicada, p. 11.

49 relacionar de forma positiva com o feto. Assim, no primeiro trimestre de gestação dá-se a aceitação da gravidez. Este é o período no qual a mãe se prepara a si e à família para a chegada de um novo membro. Terá de aceitar que está grávida e, com isso, mudar alguns hábitos e, porventura, adquirir outros. Neste período não há uma grande vinculação materna ao feto, por a gestante não conseguir ainda fazer a sua representação, devido às poucas alterações físicas e à falta de movimentos fetais. O segundo trimestre é marcado pelo período de aceitação daquele “corpo estranho” que se encontra no ventre. É este o momento que marca a diferenciação entre a mãe e o feto. Aqui, a mãe começa a aceitar o feto como um ser independente de si mesma. A vinculação materno-fetal intensifica-se neste período, devido, sobretudo, à percepção de movimentos fetais, sentidos por volta da 18ª e 22ª semana. No terceiro trimestre, a mãe começa a apoiar-se nos movimentos fetais e a interpretá-los. Inicia a preparação de

separação do feto, aumentando os sentimentos de ansiedade em relação ao parto154.

Na actualidade, as ecografias feitas ao feto durante o período de gestação são de grande importância para que se estabeleça essa vinculação e para que a mãe percepcione o feto como algo de real, pelo facto de o poder ver e compreender que já possui a forma

de um ser humano155.

Durante a gravidez os pais vão criando um bebé imaginário, manifestando em relação ao mesmo, sentimentos de afecto. A criação desse bebé dá-se através da interacção com o mesmo, concedendo-lhe um nome e atribuindo-lhe certas características, que despoletam a discussão acerca das semelhanças com os

progenitores, e a qual dos dois será mais parecido quando nascer156.

Assim, é comumente distinguido na doutrina 3 tipos de bebés que acompanham a gestante. O primeiro tipo de bebé é o denominado “bebé fantasmático” – este manifesta- se ainda na infância da mãe, acompanhando as suas fantasias com um bebé ao longo da vida, será este o responsável por cuidar e contribuir para a representação de um novo bebé; o segundo bebé, o “bebé imaginário” – construído ao longo da gravidez, manifesta-se nas fantasias da mãe em relação ao feto e é construído através dos sonhos e das vivências da gravidez; o terceiro, e último bebé, é o “bebé real” – este já não opera

154 SILVA, Patrícia Ferreira da, op. cit., pp. 20-22.

155 FRANÇA, Flávia Ilka, “A importância do bebé imaginário na vinculação materno fetal”, Lisboa,

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, 2009, Dissertação de mestrado não publicada, p. 19.

50 ao nível do inconsciente, pois trata-se do bebé que foi dado à luz e tem, portanto,

existência física. É o que necessita do afecto dos pais157.

A criação desse bebé imaginário será fundamental para que a mãe crie um espaço mental destinado a formar as condições psicológicas que irão promover e facilitar o envolvimento afectivo e a interacção entre a mãe o nascituro. É em relação a este bebé que a mãe projecta as suas expectativas, através de factores como o sexo, o nome e, as movimentações no ventre. Tudo isso irá contribuir para que a gestante crie uma identidade do feto, aparecendo assim a noção de indivíduo do bebé, reconhecendo-lhe

comportamentos e características temperamentais158.

Assim, as elaborações e antecipações da maternidade no plano imaginário constituem uma base sobre a qual se vão construindo as fundações da futura relação

entre mãe e filho159. Ao longo do período de gestação, a mãe vai adquirindo a

consciência de que o feto adquire uma personalidade e é um ser autónomo,

independente dela, ainda antes de existir no mundo físico160. Vai construindo o “colo

mental”, onde irá receber o filho aquando o nascimento e o seu novo papel enquanto

prestadora de cuidados161.

A forma como a chegada de um novo membro é vista pela família também

condiciona o vínculo emocional da mãe em relação ao feto162.

A presença do pai é vista como uma influência positiva na construção da vinculação materno-fetal, por ser o pai que auxilia a gestante nas funções maternas – segurança, cuidado e nutrição -, importantes para o desenvolvimento do feto e para o desenvolvimento emocional da grávida. Assim, na ausência deste, aumentam os riscos de um parto prematuro e deficiências no desenvolvimento cognitivo e emocional do

bebé e da ligação da mãe ao feto163. Essa relação conjugal é importante não só na

157 GIL, Iolanda Campos, “Nascimento antecipado – associação entre a sintomatologia somática,

representações maternas, a interacção mãe-filho e o nível de desenvolvimento do bebé, numa amostra de bebés pré-termo de muito baixo peso aos 4 meses de idade corrigida”, Lisboa, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, 2005, Dissertação de mestrado não publicada, p. 7.

158 MARTINS, Cátia, “Impacto da idade materna na relação que a mãe estabelece com o seu bebé”,

Lisboa, Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, 2012, Dissertação de mestrado não publicada, pp. 17-19.

159 SILVA, Patrícia Ferreira da, op. cit., p. 18. 160 FRANÇA, Flávia Ilka, op. cit., p. 16. 161 SILVA, Patrícia Ferreira da, op. cit., p. 18. 162 FRANÇA, Flávia Ilka, op. cit., p. 18.

51 construção do vínculo materno-fetal, mas, também, se torna preponderante no momento da aceitação da gravidez, sendo fundamental que entre os progenitores exista uma

relação positiva164. Assim, o pai é tido como um apoio na adaptação à gravidez165.

Factores como, a personalidade da gestante, o seu estado emocional, a relação conjugal, a atitude face à gravidez e respectiva idealização, o suporte social recebido ao longo desse tempo e, os sentimentos psicológicos e físicos da gravidez, influenciam a vinculação pré-natal. As questões socioeconómicas da gestante, também são apontadas como um factor de relevância, pois quanto mais elevados forem os rendimentos, maior serão os cuidados de saúde prestados ao longo da gravidez. O nível de escolaridade e a idade materna também são factores apontados, embora não tão fiáveis. É entendido que quanto mais alto for o nível de escolaridade, maior será a compreensão da gravidez e

dos seus sintomas, mas menor será a vinculação pré-natal166.

A vinculação materna pré-natal positiva manifesta-se na qualidade da interacção entre a mãe e o feto – a intensidade da preocupação, o tempo despendido a falar com o

feto e a acariciar a barriga, e a fantasiar com o mesmo167. Está também associada com a

prática de cuidados de saúde – ter um sono adequado, não consumir álcool ou drogas, receber tratamento pré-natal, e ter uma alimentação saudável e cuidada – bem como,

comportamentos que tenham em vista a preparação para o nascimento do bebé168.

A par da vinculação pré-natal está também a “vinculação perinatal” – diz respeito ao contacto estabelecido entre a mãe e nascituro e é influenciada pelo trabalho de parto; neste período, quanto menos traumático for o parto mais fácil será o estabelecimento desse vínculo - e, a “vinculação pós-natal” – dá-se no período pós-parto, portanto,

durante o puerpério169. Essa ligação será uma consequência do vínculo que foi criado

entre a mãe e o feto na gravidez170.

O vínculo estabelecido durante a gestação será importante na relação que se irá

estabelecer entre a mãe e o bebé após o nascimento171. Quanto maior for essa ligação na

gravidez, maior será a proximidade entre a parturiente e o nascituro, exteriorizada no

164 Ibid., p. 19.

165 CARMANEIRO, Ana Paula, op. cit., p. 177. 166 MAGALHÃES, Cláudia Pereira, op. cit., p. 14. 167 Ibid., p. 8.

168 SILVA, Patrícia Ferreira da, op. cit., p. 23. 169 SILVA, Sara Airosa da, op. cit., pp. 14-15. 170 FIGUEIREDO, Margarida Logrado, op. cit., 37. 171 MAGALHÃES, Cláudia Pereira, op. cit., p. 10.

52 prazer de cuidar do bebé e na prontidade à satisfação das suas necessidades. Assim, as falhas nessa vinculação materno-fetal poderão traduzir-se em problemas na vinculação pós-natal172.

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