• Nenhum resultado encontrado

Inserida no âmbito da tradição da Ciência Social Crítica, a presente investigação adota a Análise de Discurso Crítica (ADC) como instrumental metodológico qualitativo para análise documental de matérias jornalísticas publicadas pelas revistas Veja e IstoÉ. Sua pertinência justifica-se por seu caráter interdisciplinar e, especialmente, por sua compreensão do discurso como uma instância preponderante das práticas sociais que se constitui nas experiências concretas assim como contribui para construí-las (RICHARDSON, 2007, p. 26). Outro aspecto relevante é que sua compreensão dos processos sociais é perpassada pela noção de construção simbólica por meio da linguagem, que potencialmente promove a articulação de sentidos ideológicos, que

76

contribuem para naturalizar as contradições na sociedade (RICHARDSON, 2007). Também é fundamental a compreensão da relação estabelecida entre linguagem e poder, pois ela viabiliza a reflexão sobre a dominação como um componente envolvido nas diversas instâncias das relações humanas, mas que, apesar disso, é passível de superação. Nesse sentido, a ADC se apoia na concepção de Gramsci (1972) de poder e lutas hegemônicas, sendo que “o poder é temporário, com equilíbrio apenas instável. Por isso, relações assimétricas de poder são passíveis de mudança e superação” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 24).

Analisar textos, focalizando as condições sócio-históricas em que estão inseridos, com um olhar crítico, como propõe o método, possibilita desnudar determinados discursos que podem estar implicados na produção e reprodução de desigualdades sociais. É o caso das relações entre homens e mulheres, negros/as e brancos/as, pessoas com diferentes orientações sexuais, pertencentes a diferentes classes sociais, entre outras categorias transversais que ainda marcam as instituições e a vida social em sociedades (sempre) desiguais. Nesse sentido, a ADC volta-se para os efeitos ideológicos que os textos podem exercer sobre os diferentes aspectos da vida em sociedade. Assim, preocupa-se com os “sentidos a serviço de projetos particulares de dominação e exploração, que sustentam a distribuição desigual de poder” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 23) em sociedade.

Nessa perspectiva, há uma dupla acepção de discurso para a ADC, segundo Ramalho e Resende (2011, p. 17), o discurso pode significar tanto “o momento irredutível da prática social associado à linguagem” quanto “um modo particular de representar nossa experiência no mundo”. Para a ADC, o discurso como modo particular de representação está ligado ao significado relacional, estando, deste modo, intrinsecamente relacionado às práticas sociais. Ainda a esse respeito, de acordo com Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 21, tradução nossa), as práticas sociais são “maneiras habituais, vinculadas a determinados contextos temporais e espaciais, por meio das quais as pessoas empregam recursos (materiais e simbólicos) para interagir no mundo”;50 ou seja, “são entidades intermediadoras entre o potencial abstrato presente nas estruturas e a realização desse potencial em eventos concretos” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 15).

50 “By practices we mean habitualised ways, tied to particular times and places, in which people apply

77

Conforme Ramalho e Resende (2011), os textos, enquanto eventos que materializam discursos, oferecem “pistas” para a compreensão das práticas sociais, já que carregam traços tanto da ação individual quanto social. Envolvem, portanto, relações sociais, atitudes, identidades, conhecimentos, crenças, valores e histórias relacionados a um determinado contexto sócio-histórico. Com base nesses fundamentos, a ADC viabiliza “mapear as conexões entre escolhas de atores sociais ou grupos, em textos e eventos discursivos específicos, e questões mais amplas, de cunho social, envolvendo poder” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 21). Isso significa que a análise linguística deve estar sempre inter-relacionada com a análise social, já que a linguagem não pode ser compreendida apartada das práticas sociais que permeia.

Fairclough (2001, p. 91) salienta que “o discurso é uma prática não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado”. Assim, contribui para a construção de “identidades sociais”, para a constituição das relações sociais, bem como para a construção de sistemas de conhecimento e crença: “a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 93).

4.1.1 A análise de textos em seus contextos

O importante para a perspectiva desta investigação é verificar os modos pelos quais as candidatas à eleição presidencial de 2010, Marina Silva e Dilma Rousseff foram representadas e os sentidos mobilizados pela cobertura jornalística, mais do que simplesmente concluir se houve ou não uma sub-representação da mulher na cobertura da campanha presidencial de 2010. Tais questionamentos nos conduziram à Análise de Discurso Crítica (ADC) por considerarmos que ela disponibiliza ferramentas adequadas para compreendermos se determinadas percepções do jornalismo semanal brasileiro ainda dialogam com um conceito de feminino que potencialmente contribui para apartar a mulher da vida pública.

Uma das especificidades da ADC é situar os textos nos contextos de sua produção e recepção e compreender que o sentido é construído por meio da interação estabelecida nesse processo. A esse respeito, Richardson (2007) argumenta que a análise de conteúdo é equivocada, pois volta-se para os sentidos manifestos e presume

78

que todos/as compreendem um texto da mesma maneira e de acordo com a intencionalidade do/a produtor/a. O autor, contrariamente, compreende que o sentido de um texto é construído por meio da interação entre produtor/a e leitor/a e que as notícias, falando especificamente sobre o jornalismo, não são lidas da mesma maneira por todos/as.

Para Richardson (2007, p. 25, tradução nossa), “a análise de discurso é a análise do que as pessoas fazem com os textos”.51 Sob essa perspectiva, a linguagem é utilizada para significar e realizar efeitos relacionados não somente ao contexto imediato envolvido na relação entre produção e recepção de textos, mas também aos contextos sócio-político, cultural e histórico que conferem coesão ao ato comunicativo. Nessa linha de argumentação, Ringoot (2006, p. 135, acréscimos nossos) ressalta que a análise do discurso jornalístico não se limita a analisar aquilo que o jornal conta, “mas trata-se também de analisar como são posicionados os[as] que escrevem e os[as] que leem, trabalhando sobre os dispositivos comunicativos, as formas de disponibilizar a informação”.

4.1.2 Pesquisa interpretativa

Essas ponderações levam à conclusão de que uma abordagem quantitativa também seria inapropriada para uma melhor exploração do objeto de estudo desta pesquisa, tendo em vista os objetivos aqui perseguidos. Por mais que um método quantitativo possibilitasse desvelar determinados posicionamentos potencialmente ideológicos, a exemplo dos adjetivos associados a Marina Silva e a Dilma Rousseff, ainda assim não permitiria analisar os contextos implicados nos processos sociais relacionados aos textos.

Também não seria revelador para os nossos propósitos atermo-nos a indicadores, como o espaço ocupado nas páginas destas revistas, ainda que permitisse mostrar padrões de cobertura relevantes, a exemplo dos resultados obtidos pelas pesquisas mencionadas na revisão bibliográfica. Para Ramalho e Resende (2011, p. 35), enfoques ‘objetivos’ que “acessariam diretamente a realidade” são incompatíveis com a Análise de Discurso Crítica. Elas observam que a ADC fornece instrumental para a realização de pesquisas qualitativas cujo material empírico são textos, tidos como unidades mínimas de análise, por serem as menores unidades da linguagem que mobilizam significados

51 “As may have already been implied, this book assumes that discourse analysis is the analysis of what

79

sociais (MARCHESE, 2011), como é o caso de textos que articulam o gênero reportagem. As autoras apontam ainda que as pesquisas qualitativas são, em princípio, interpretativas.

A esse respeito, conforme Denzin e Lincoln (2006, apud RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 74), as pesquisas qualitativas são “guiadas por um conjunto de crenças e de sentimentos em relação ao mundo e como este deveria ser compreendido e estudado”. Sobre isso, Fairclough (2003, p. 14) ressalta que a realidade é sempre contingente, mutável e parcial, e que não se reduz ao conhecimento que dispomos a seu respeito. Ele destaca a existência de motivações particulares na escolha de determinadas questões sobre os textos, em detrimento de outras, o que já descarta a possibilidade de haver pesquisas objetivas. O autor acrescenta que não há a possibilidade de análises definitivas de um texto, já que elas são, inevitavelmente, parciais. Ainda assim, devem ser cientificamente respaldadas por meio do emprego sistemático de categorias analíticas rigorosas associadas a conceitos teóricos, conforme proposto pela ADC. As categorias analíticas selecionadas para este estudo serão discutidas na terceira seção deste capítulo.