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3.3 Práticas e procedimentos jornalísticos

3.3.3 Os constrangimentos organizacionais

Todas essas questões são permeáveis às restrições relacionadas à cultura profissional e à organização do trabalho jornalístico. Além do papel desempenhado pelos valores-notícia e pelas fontes de informação, também é preciso considerar que há sempre um processo de socialização dos/as jornalistas nas redações, para que haja um alinhamento à política editorial dos meios de comunicação. Afinal, “cada jornal tem uma política editorial, admitida ou não” (BREED, 1993, p. 153). Assim, por meio de pistas subliminares o/a repórter compreende seu papel naquela estrutura, as regras implícitas, bem como os mecanismos de recompensa e repreensão. Em jogo, não estão apenas o seu emprego, mas as possibilidades de crescimento profissional e o reconhecimento de seus pares.

No dizer de Breed (1993), esse é um processo em que o/a repórter aprende por “osmose”, desde o princípio, e que o conduz a um conformismo com a política editorial, em função de cinco fatores: (i) autoridade institucional e sanções; (ii) sentimentos de obrigação e de estima para com os/as superiores; (iii) aspirações de mobilidade, ausência de grupos de lealdade em conflito; (iv) o prazer da atividade; e (v) notícia como valor. De acordo com o autor, a política editorial delimita orientações

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relativamente estáveis que podem estar presentes tanto nos editorias quanto nos conteúdos informativos do jornal e que envolvem especialmente posições sobre a política, negócios e questões relativas ao trabalho.

Elas, no entanto, não estão às claras, pois, graças à existência de normas e pressupostos éticos que regem o jornalismo, “nenhum executivo está disposto a arriscar sofrer humilhações por ser acusado de dar ordens para distorcer uma notícia”. Ainda assim, “a orientação política transgride estas normas muitas vezes” (BREED, 1993, p. 153). A esse respeito, Sousa (2000) lembra que as organizações noticiosas visam o lucro e que sua forma de organização implica constrangimentos organizacionais ao conteúdo produzido pelos meios, que se estendem às decisões editoriais.

Nessa linha de argumentação, Wolf (1995) salienta que pesquisas já realizadas sobre o tema indicam a preponderância das normas ocupacionais, profissionais e organizacionais na seleção das notícias, em detrimento das preferências pessoais dos/as jornalistas. Ainda assim, a satisfação do público não seria a principal referência para esses/as profissionais que estariam muito mais preocupados/as com a valoração obtida junto a seus/suas superiores e colegas de profissão. Para Sousa (2000, p. 58), “entre os constrangimentos organizacionais se inscrevem osprocessos que levam à rotinização da produção jornalística, ao estabelecimento de hierarquias e à imposição artificial de alguma ordem na erupção aleatória dos acontecimentos”.

Apesar dos constrangimentos, Breed (1993) aponta, por outro lado, que os/as jornalistas dispõem de alguns mecanismos para driblar a política editorial das empresas nas quais atuam. O primeiro deles reside na pouca clareza dessas orientações que abrem brechas para um “raio de desvio” na ação dos/as repórteres. Além disso, há sempre opções tomadas diretamente pelos/as profissionais da notícia, com base em suas crenças e em códigos relacionados à profissão. É o caso das fontes a serem ouvidas ou ignoradas, as questões a serem abordadas junto aos entrevistados, os trechos a serem ressaltados ou esmaecidos no texto. Ou seja, o/a jornalista pode decidir que “tom dar aos vários elementos possíveis da notícia” (BREED, 1993, p. 162).

Breed (1993) menciona, ainda, o uso da tática da ‘prova forjada’ que ocorre quando o/a jornalista repassa para outro veículo um assunto inicialmente interditado na sua empresa forçando-a, posteriormente, a também dar cobertura ao tema. Para o autor, há também aquelas reportagens propostas ou iniciadas pelo/a jornalista sobre as quais dispõe de muito mais autonomia, bem como repórteres renomados/as que conseguem, mais facilmente, infringir a política editorial.

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Esses pressupostos sinalizam que o jornalista constrói a sua identidade profissional a partir da combinação entre suas referências de vida, aliadas ao conjunto de valores da empresa e do grupo de jornalistas, bem como à subjetividade, e “segue pelo menos duas dinâmicas: a afirmação de valores próprios e a resistência à imposição de valores externos” (RIBEIRO, 2001, p. 199).

Questões como essas não podem ser desconsideradas em uma análise em profundidade, ainda que o foco analítico dessa investigação esteja circunscrito ao registro material dos discursos – as notícias. Assim, é preciso ter em conta que as notícias partilham realidades interpretadas por profissionais que vivem uma “tensão constante entre o caos e a ordem, a incerteza e a rotina, a criatividade e o constrangimento, a liberdade e o controle” (GUREVITCH; BLUMLER, 1995, apud TRAQUINA, 2001) – os/as jornalistas.

AlgumasConsiderações

Fazer essas reflexões teóricas, no cenário da cobertura jornalística das eleições presidenciais de 2010, pode ser revelador, do ponto de vista das estratégias empregadas pelas revistas Veja e IstoÉ, pois envolve a ocorrência de um acontecimento inédito para o jornalismo político do país. As mulheres nunca haviam sido protagonistas do evento mais representativo da democracia brasileira, até então, sempre dominado por agentes do sexo masculino. O fato pode ter suscitado um rearranjo das abordagens produtivas frente à necessidade de contar histórias sobre personagens que sempre estiveram apartados desse contexto. Acredita-se, por exemplo, que houve um apelo maior a fontes não oficiais e que essas escolhas foram pautadas de acordo com as estratégias discursivas adotadas pelas revistas sob análise. Ou seja, coerentemente articuladas às significações do feminino construídas por Veja e por IstoÉ.

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CAPÍTULO 4

Metodologia: ferramentas metodológicas

e construção do corpus analítico

Este capítulo explicita as bases metodológicas que nortearam o presente trabalho, em sua intersecção com a teoria social crítica, e a pertinência da opção pela análise discursiva no tratamento dos dados. Também são apresentadas as ideias centrais da Análise de Discurso Crítica (ADC) e sua pertinência para os propósitos deste estudo, que se preocupou em desvelar, de forma crítica e criteriosa, os sentidos construídos por Veja e IstoÉ sobre Marina Silva e Dilma Rousseff durante a campanha presidencial de 2010. Neste espaço, são detalhadas as estratégias para construção do corpus de pesquisa e é justificada a escolha por categorias analíticas previstas pela ADC, ‘avaliação’ e ‘representação de atores sociais’, e sua consonância com as opções teóricas e metodológicas articuladas por esta investigação. Do mesmo modo, sustenta-se a pertinência da análise relativamente ao emprego de sentidos ideológicos ligados à reificação e fragmentação, que consistem em dois dos cinco modos de operação da ideologia identificados por John B. Thompson (2009, ver Capítulo 2). Por fim, discute- se a relevância das pistas metodológicas viabilizadas por pesquisas já conduzidas nessa área, as quais também podem lançar luzes ao debate e oferecer outros ângulos de compreensão sobre a reprodução de estereótipos de gênero na cobertura política de duas das principais revistas do país.