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ANÁLISE E DISCUSSÃO DO CASO

No documento Marta Nascimento Moreira.pdf (páginas 96-99)

Neste capítulo será apresentado o estudo de caso de Ana, nome fictício atribuído à participante, com o intuito de preservar sua identidade.

A análise foi organizada da seguinte maneira: primeiramente foram realizadas algumas considerações gerais como, contato inicial com a participante e o histórico do caso e, posteriormente, foi iniciada a análise do caso, com as informações obtidas durante a entrevista, sendo utilizados trechos da fala da participante, como forma de ilustrar algum conceito e/ou tema discutido. Em alguns trechos foram destacadas palavras e/ou frases, pelo fato de serem consideradas importantes na compreensão de seu conteúdo ou por refletirem conteúdos latentes. Em momentos de interlocução com a pesquisadora, foram utilizadas as inicias dos respectivos nomes, Ana e Pesquisadora, para identificação.

É importante ressaltar que, além do nome da participante, pessoas e locais citados durante a entrevista que foram referidos na análise, também foram alterados.

Considerações Gerais sobre o histórico

Ana é uma mulher de 40 anos, psicóloga, que foi casada durante 11 anos com Apolo, engenheiro elétrico. Reside na região sul do Brasil, distante da família, por esta viver em outro estado brasileiro há anos. Católicos, sem filhos, o casamento de Ana foi interrompido devido a morte do marido por câncer na região gastrointestinal, descoberto no ano de 2005. Apolo faleceu após quatro anos de tratamento, com 44 anos de idade, tendo completado 1 ano e 9 meses de sua morte, no momento em que a entrevista foi realizada.

Desde o primeiro contato, Ana se colocou solícita e disponível para colaborar com a pesquisa. Os contatos foram realizados por e-mail, sendo encontrado facilmente um dia para a realização da entrevista. Foi interessante perceber o cuidado e dedicação que ela teve para aquele momento de participação, quando conta sobre a sua escolha pelo local da entrevista. Contou que pensou, primeiramente, no seu ambiente de trabalho, mas preferiu e decidiu por ser em sua casa, com o intuito de se sentir mais a vontade e se despir de toda a teoria que conhece: é a Ana com a Ana [...] é eu poder me ver, eu poder falar pra alguém, eu me despir

de toda essa coisa de tudo que eu sei sobre a teoria. Fala esta que revela a importância que atribuiu participar da pesquisa.

Extremamente falante, contou em detalhes sobre sua história com o marido e seu processo de decidir o que iria fazer com o material genético criopreservado, buscando ser coerente com a ordem cronológica dos fatos, como numa sequência de “início, meio e fim”. Sentiu-se muito a vontade para narrar sua história desde o primeiro momento do encontro com a pesquisadora, havendo inclusive o não registro em áudio de algumas informações importantes que foram faladas antes mesmo da entrevista ter sido iniciada.

O câncer foi o motivo que levou o casal decidir congelar o sêmen de Apolo, após orientação médica, por tratar-se de um casal jovem sem filhos, e a quimioterapia poderia impossibilitá-los de realizar esse projeto, por afetar a qualidade do sêmen. Ana conta que em alguns momentos na história com Apolo, o desejo de ter um filho ocorreu de forma desarmoniosa e discordante entre os dois. Então, o momento em que os dois concordaram por tentar ter um filho foi nesse contexto de doença de Apolo, quando o seu tratamento já havia iniciado e, inclusive, indicava que as coisas não iam tão bem.

Ana conta que o diagnóstico do marido foi tardio porque se tratava de um tipo raro de câncer, o que dificultou a condução de um tratamento específico. Foi um período conturbado em que precisaram entrar com ações judiciais contra o plano de saúde, na tentativa de obter a medicação necessária que não era acessível no Brasil.

Apolo tinha diagnóstico de depressão, era acompanhado por um profissional de psiquiatria e psicologia e Ana, durante um período do tratamento de Apolo também estava sendo acompanhada por um profissional de psiquiatria, quando fez uso de antidepressivo, retomando o uso após sua morte.

Durante o tratamento de Apolo, Ana fez três tentativas para engravidar por meio da fertilização in vitro e em apenas uma dessas tentativas foi possível implantar os embriões, mas não obteve sucesso. Além de enfrentar as angústias e sofrimento pela doença do marido, também vivenciou diversas frustrações relacionadas às expectativas sobre a reprodução assistida.

Após a morte de Apolo, Ana participou do ritual de despedida, havendo a possibilidade de concretizar últimos desejos do marido, pois este, quando em vida, tivera a oportunidade de planejar o seu cerimonial de cremação e de despedida, junto com ela. Foi tudo muito bem pensado e organizado, com músicas, fotos e outras coisas significativas para o casal, familiares e amigos presentes, fazendo sentido aquele ritual para a viúva.

Passados mais ou menos dois meses do falecimento, Ana decidiu novamente tentar a fertilização com o material genético de Apolo criopreservado, realizando duas tentativas. Novamente obteve insucesso, tendo que enfrentar mais uma perda, mais frustrações.

Atualmente, em um novo relacionamento amoroso, Ana se questiona a respeito do que fazer com o material genético congelado de Apolo, visto que entende que não cabe mais ter um filho dele estando com outra pessoa. Ao mesmo tempo, é para ela muito difícil pensar na possibilidade de descartar esse material, embora tenha certeza de que não o vai doar para um banco de sêmen.

Análise Geral

A decisão de Ana sobre o que fazer com o material genético congelado de Apolo perpassa três contextos importantes que precisam ser destacados: o primeiro diz respeito ao enfrentamento do câncer de Apolo, o segundo após sua morte, e o terceiro, o momento que Ana vivia quando a entrevista ocorreu, em que estava em outra relação amorosa. A partir da pergunta disparadora, Ana organiza o relato sobre seu processo de decisão a partir destes três momentos de vida, como numa ordem cronológica dos fatos. Nessa perspectiva, a análise percorrerá estes três tempos de decisão, o que já permite observar que a decisão sobre o destino a ser dado ao sêmen congelado do marido ocorre de forma processual, juntamente com a vivência do processo de luto.

Iniciando a entrevista, Ana relata sobre o primeiro contato realizado que a convidou a participar da pesquisa. Conta que a primeira coisa de se que lembrou, quando recebeu o convite, foi de uma reportagem que assistiu em programa televisivo no qual uma viúva deu seu depoimento sobre a perda do marido por câncer e desejo de utilizar o sêmen congelado para ter um filho dele:

[...]a única coisa que eu me lembrei foi daquela coisa do Fantástico5, que eu olhei não

querendo olhar, sabe, e olhei e eu, eu, eu disse, nossa, né, eu vi a resposta ali dela, né, o que

ela falou, a pessoa e tudo [...]e foi uma entrevista que eu vi e não, eu prestei e não prestei

atenção. Acho que eu não queria ter visto.

Em sua fala, pode-se observar uma dificuldade em assistir a reportagem veiculada em programa televisivo citado devido a uma identificação com o assunto e a viúva que estava dando o depoimento, o que evidencia uma dificuldade de Ana em entrar em contato com sua

vivência de perda e de decisão. O interessante é que sua participação nesta entrevista era uma maneira de entrar em contato com esta vivência e ela se permite a isso:

(...)Eu me identificar, eu me ver totalmente dentro de tema, sabe assim, apesar de não ter lido, realmente, assim, eu não, não, não li nada, não fui é, buscar, sabe, eu tô me, eu acho que é a Ana com a Ana, entendeu, assim, é poder ver assim, é eu me ver, eu poder falar para alguém, eu me despir assim de toda essa coisa de, de, de, de tudo que eu sei da teoria (...) a primeira coisa fui eu, sabe, a Ana dentro disso.(...) eu poder ter a oportunidade de falar e, e me vendo falar, vendo assim, o que eu tô sentindo.

No documento Marta Nascimento Moreira.pdf (páginas 96-99)