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Modelo do Processo Dual do Luto

No documento Marta Nascimento Moreira.pdf (páginas 69-73)

5. PERDAS E LUTO

5.2 Modelo do Processo Dual do Luto

Contrapondo a visão do luto enquanto um fenômeno fásico e defendendo a posição de um processo dinâmico, Stroebe e Schut (1999; 2001) desenvolveram a Modelo do Processo Dual do Luto com o objetivo de compreender como as pessoas se adaptam/enfrentam a perda de uma pessoa significativa em sua vida.

Este modelo especifica a oscilação entre dois movimentos no processo de luto: a orientação para a perda e a orientação para restauração. Isto se deve ao fato de o indivíduo enlutado não apenas enfrentar a perda de uma pessoa amada, mas também precisar fazer ajustes importantes em sua vida devido as consequências secundárias da morte (STROEBE e SCHUT, 2001). Dessa forma, a orientação voltada para a perda diz respeito a comportamentos do enlutado relacionados a algum aspecto da experiência da perda em si, mais particularmente com relação à pessoa falecida, como por exemplo, as lembranças do enlutado referente à pessoa que morreu, à vivências com esta pessoa, chorar a morte, sentimento de saudade, olhar uma fotografia, entre outros. O segundo, por outro lado, refere- se à uma concentração do enlutado ao ajustamento das mudanças substanciais que são conseqüências secundárias da perda do ente querido, como por exemplo, realizar tarefas que tinha se comprometido, ou realizar tarefas que antes o ente querido realizava, como também diz respeito ao desenvolvimento de uma nova identidade, como por exemplo, de casada para

viúva (STROEBE e SCHUT, 1999; 2001). Como acrescentou Parkes (2009, p.48), “é a luta para se reorientar em um mundo que parece ter perdido seu significado”.

Apesar de os dois tipos de estressores estarem inter-relacionados, não se pode, simultaneamente, atender a ambos. Assim, o indivíduo enlutado pode, em certa medida, optar por ignorar ou se concentrar em um ou outro aspecto da perda e da mudança em sua vida. Dessa forma, esses autores introduzem a ideia de regulação no processo de luto, denominada por eles de oscilação. A oscilação é um processo dinâmico, fundamental para o enfrentamento adaptativo, em que existe a alternância entre o enfrentamento da orientação para a perda e enfrentamento da orientação para restauração, conforme ilustrado na figura 1.

Figura 1 – Modelo do Processo Dual de Enfrentamento do Luto (Fonte: STROEBE e SCHUT, 2001)

Experiência de vida cotidiana

Orientação para Perda Trabalho de luto Intrusão do pesar Rompendo vínculos/laços/ realocando a pessoa falecida Negação/evitação das mudanças

de restauração

Orientação para Restauração Atendendo as mudanças da vida

Fazer coisas novas Tirar o foco do luto Negação/evitação do pesar Novos papéis/identidades/

relações

O confronto da perda é, então, intercalado, por exemplo, com a evasão de memórias ou de atenção aos estressores adicionais, tais como: gerenciamento de tarefas domésticas adicionais ou lidar com as mudanças nas finanças.

Assim, neste modelo, a vivência do luto é compreendida enquanto uma oscilação entre o enfrentamento da orientação para perda e enfrentamento da orientação para restauração. A partir deste movimento o indivíduo constrói significados acerca da sua perda e, assim, é possível ocorrer a elaboração do luto, sendo compreendido como um processo necessário e saudável.

A partir da Teoria do Apego e do Modelo do Processo Dual do Luto, é possível observar uma correlação entre estas duas, como afirmaram Mikulincer e Shaver (2008). Para eles, a orientação voltada para a perda é conceitualmente similar à hiperativação do sistema de apego (lembranças, desejo de estar perto do falecido, vivência da dor da perda, protesto pela perda), enquanto que a orientação voltada para restauração realiza funções semelhantes à desativação do sistema de apego, visto que contempla outros comportamentos que são contrários à uma busca ou manutenção de aproximação da figura perdida. Dizem eles:

[...] A oscilação entre estas duas orientações proporciona uma reorganização gradual da vida e da mente, de tal modo que o falecido é integrado na identidade do enlutado e este expande as funções de outros relacionamentos, estabelece novas relações e encontra novos significados na vida. (2008, p. 96, tradução nossa)

Assim, com afirmou Bowlby (1973[2004b]), em situação de perda por morte, os comportamentos de apego do enlutado não conseguirão trazer a pessoa amada de volta, então, os esforços pela preservação do laço perdido aos poucos vão abrandando, porém, não cessam: “Pelo contrário, as evidências mostram que, talvez a intervalos cada vez mais longos, o esforço para restabelecer o laço é renovado: o pesar e talvez a premência de buscar são novamente experimentados.” (idem, p.42)

Pode-se perceber, então, que comportamentos de apego que são ativados pelo indivíduo quando a pessoa amada está viva também estão presentes após a morte deste ente querido (o choro, chamamento, procura), visto que trata-se de tentativas de recuperar a pessoa perdida mesmo sabendo que isto não é possível. Dessa forma, no processo de luto, o sistema de apego também é ativado em determinadas circunstâncias,

seja em datas comemorativas, aniversário de morte do falecido entre outras situações, podendo, até mesmo, serem indicativos de patologia no que se refere a frequência e intensidade.

Parkes (1998) complementa que a oscilação entre orientação para a perda e orientação para a restauração reflete um processo gradual de tomada de consciência sobre a realidade sofrida da perda, pois o enlutado luta contra tal realidade, mas a medida que continua a viver percebe que é impossível ter a pessoa amada de volta. Desta forma, mecanismos de defesas podem ser ativados neste processo, como recursos que protegem o enlutado à informações e/ou situações desorganizadoras referentes à perda. Mas o autor afirma: “Na maior parte do tempo, entretanto, as defesas são bloqueios parciais que se alternam ou coexistem com a consciência dolorosa.” (p. 97)

Dessa forma, neste modelo, o luto não saudável ou luto complicado é compreendido como a não oscilação entre estes dois aspectos do processo de luto, em que o indivíduo ou estaria totalmente focado na perda (luto crônico ou prolongado), sem conseguir ajustar-se a nova realidade ou estaria totalmente focado em atividades de restauração, sem entrar em contato com a perda (luto inibido ou adiado).

Ainda na perspectiva do Modelo do Processo Dual do Luto, o luto pode ser visto como um processo dinâmico uma vez que, sendo a perda de um ente querido para sempre, o enlutado poderá em qualquer momento da vida revisitar esta perda e, de alguma forma, retomar algum aspecto do seu luto que não foi cuidado. A partir disso, pode-se questionar acerca da possibilidade de ocorrer o desligamento ou não com o ente falecido lembrando o que disse Bowlby (1973[2004b]): “a perda de uma pessoa amada dá origem não só ao desejo intenso de reunião, mas também à raiva por sua partida e em geral, mais tarde, a um certo grau de desapego.” (p.32)

Uma discussão encontrada na literatura científica aborda os chamados vínculos contínuos com o falecido. Segundo Stroebe et al. (2010) e Packman et al. (2006), a perspectiva do modelo médico e tradicional da psicanálise defendeu a ideia de que o trabalho de luto diz respeito a uma necessidade do enlutado em abandonar seu vínculo com o falecido. O desengajamento emocional para com o falecido era visto como essencial para uma adaptação bem sucedida do luto. Klass, Silverman e Nickman (1996) desafiaram esta visão, defendendo a ideia de que existe um benefício para o enlutado continuar uma ligação com a pessoa falecida. Deesa forma, houve uma mudança na literatura científica do luto acerca desta concepção e, atualmente, existe a discussão sobre os enlutados permanecerem envolvidos e conectados com o falecido, apesar da separação física permanente, podendo este ser emocionalmente sustentado por meio de ligações contínuas com o falecido (PACKMAN, 2006).

Segundo Stroebe et al (2010), não ficam claras as funções adaptativas da manutenção deste vínculo, no enfrentamento do luto, como também sua relação com os resultados de uma adaptação mal sucedida. Como afirmou Field (2008), a discussão sobre este assunto promove uma maior conscientização entre os profissionais que trabalham com enlutados, sobre o valor da intervenção que estão para além de um foco exclusivo no desengajamento do vínculo com o falecido.

Desta forma, o fato é que não existe uma regra que defina se é mais saudável ou não para o enlutado continuar ou abandonar o vínculo com o falecido, mas é importante analisar junto com o enlutado qual o significado que possui manter o vínculo com o falecido e avaliar

o que pode ser continuado e o que é necessário abandonar para poder ajustar-se de forma saudável à nova realidade que se apresenta (FIELD, 2008). A certeza que se tem com relação ao luto é que a natureza da relação com o falecido deve ser modificada e, assim, para continuar o vínculo com ele, é preciso existir a consciência de que a morte ocorreu, para que seja possível (re)significar esta relação.

No documento Marta Nascimento Moreira.pdf (páginas 69-73)