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6.2 ANÁLISE DOS TEXTOS

6.2.7 Análise do conjunto de textos (CORDEIRO, s/d)

O conjunto de textos que também se encontra na coleção Língua Portuguesa em Contexto, nas páginas 12 e 13, é o texto para a primeira atividade de compreensão e interpretação que vem logo após a unidade analisada anteriormente. O texto intitula-se Na escuridão miserável, como pode ser visto a seguir:

Na escuridão miserável

Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar, através do vidro da janela junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente encostada ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:

- O que foi, minha filha? – perguntei, naturalmente pensando tratar-se de esmola. - Nada não, senhor – respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.

- O que é que você está me olhando aí?

- Nada não, senhor – repetiu. – Esperando o bonde... - Onde você mora?

- Na praia do Pinto.

- Vou para aquele lado. Quer uma carona? Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta: - Entra aí, que eu te levo.

Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade, ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar coversa: - Como é o seu nome?

- Teresa.

- Quantos anos você tem, Teresa? - Dez

-E o que estava fazendo ali, tão longe de casa? - A casa da minha patroa é ali.

- Patroa? Que patroa?

Pela sua resposta, pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico lavava, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.

- Hoje saí mais cedo. Foi jantarado. - Você já jantou?

- Não. Eu almocei.

- Você não almoça todo dia?

mim.

-E quando não tem?

- Quando não tem, não tem – e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos – um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês.

- Mas não te dão comida lá? – perguntei, revoltado.

- Quando eu peço, eles me dão. Mas descontam no ordenado, mamãe disse para eu não pedir.

- E quanto você ganha? - Mil cruzeiros.

- Por mês?

Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro, tomado de indignação. Meu impulso era voltar, bater na porta de tal mulher e meter-lhe a mão na cara.

- Como é que você foi parar na casa dessa... foi parar nessa casa? – perguntei ainda, enquanto o carro, ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:

- Eu estava na feira com minha mãe e então a madame pediu para eu carregar as compras e aí noutro dia ela pediu á mamãe pra eu trabalhar na casa dela então mamãe deixou porque mamãe não pode ficar com os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados pode parar que é aqui moço, brigado.

Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto.

SABINO, Fernando. A companheira de viagem. 4 ed. Rio de Janeiro, Record, 1977. p. 135-7.

Há um boxe ao lado esquerdo da narrativa intitulado “Antes de começar a ler” que diz assim: Fernando Sabino foi um advogado, jornalista e escritor brasileiro nascido em Belo Horizonte, Minas Gerais. Um dos mais habilidosos escritores brasileiros do século XX. Sua obra literária caracteriza-se pela exploração, com fino trato, de fatos do cotidiano e personagens anônimos que, muitas vezes, são esquecidos. Neste capítulo, em que trabalharemos o conto social, iremos ler o texto Na escuridão miserável, que narra o encontro de um homem de classe média com uma menina de dez anos que trabalha em

uma casa de família. O conto é triste e muito angustiante, um soco no estômago...

Ao lado direito, há um boxe com o vocabulário das palavras desconhecidas, intitulado dicionário. (Mirrada - muito magra; Raquítica – pouco desenvolvida; jantarado – refeição feita à noite cuja comida é a sobra do almoço; Esquálidas – de aspecto doentio e desnutrido; pálidas.

Ainda há, nesse manual, um boxe direcionado para o professor. Diálogo com o professor: Esperamos que, durante a leitura, os alunos relembrem algumas características dos contos, como narrativa curta, número restrito de personagens, apenas um conflito, presença de um tipo de narrador, etc.

O conto narra a história de um homem que, ao encontrar uma menina olhando para ele na rua, resolve lhe dar uma carona. Nesse contexto, ele vem a descobrir que essa pequena, de apenas dez anos, trabalha em uma casa de família e volta para sua casa tarde da noite. Abaixo do texto, há uma ilustração que preenche a segunda página ao final da história, com a representação de um homem (com expressão facial indignada) e no banco do carona, uma menina (com olhar sem entender a reação daquele homem).

A indicação que se encontra na página esquerda assinala que antes da leitura do texto é preferível que se leiam as informações ali presentes, assim, percebe-se que o conto está ancorado às informações contidas no boxe, tendo em vista que situa o leitor acerca do autor do enredo, bem como oferece características do conto e um pequeno resumo sobre a história.

A relação semântica (SANTAELLA, 2012) presente entre o verbal e o visual é de redundância, já que o visual repete quem são e onde estariam as personagens, estando assim no eixo da coordenação, e pode ser classificada como uma relação aditiva tautológica. Além disso, a ilustração, como já visto, aparece como uma espécie de destacabilidade dos objetos de discurso.

É por meio do verbal e do modo de organização descritivo (CHARAUDEAU, 2014) que é possível a nomeação, qualificação e localização desses objetos. É na introdução deles que podemos constatar as características principais dos personagens e onde se encontram, mas o visual é capaz de retomar esses personagens, mostrando a localização que foi descrita no verbal.