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Análise do corpus: singularidades e similitudes

4.1.1.Luciano

A) Família

Na perspectiva desse adolescente, podemos observar que a família se configura em rede e não em núcleo, na qual o vínculo de parentesco nem tampouco a coabitação são fatores determinantes para uma pessoa ser considerada como um membro de determinado grupo familiar, como se refere Sarti (2005), a respeito das famílias pobres, refletindo, no caso, as condições sócio-econômicas em que vive este adolescente, e contrastando com o modelo de família considerado padrão, segundo o qual esta é formada apenas pelos pais e filhos, conforme vimos outrora (Poster, 1979; Szymanski, 2000). Nos trechos logo abaixo descritos, por exemplo, Luciano cita como pertencentes a sua família, a tia, a avó, e o irmão mais velho, com quem não partilha o mesmo espaço

de moradia, dentre outros parentes consangüíneos, e desconsidera o padrasto com quem atualmente mora, além de sua mãe e seus irmãos, anunciando que a inclusão ao grupo está associado à disposição de cada um frente às obrigações mútuas dentro da rede de relações que a compõe e que a sustenta em termos materiais e afetivos. Nesse sentido, ser da família é ser alguém com que o adolescente ou o restante do grupo podem contar.

Ex. 01

(E) – Quem faz parte da sua família, Luciano? Quem você considera?

(A4) – Só minha avó e... Meus irmãos, só... E minha mãe. Só.

(E) – Sua avó, seus irmãos e sua mãe.

(A4) – E minha tia, que me ajuda muito, da família do meu pai... Agora o resto...

Ex. 02

(E) – E você disse que considerava sua tia como parte da família porque ela ajuda vocês, não é?

(A4) – Sim, ela me criou desde pequeno, também.

(E) – Ela criou você desde pequeno?

(A4) – Sim, aí como foi de... Quando eu tava com sete anos, aí meu pai levou eu pra casa.

Ex. 03

(E) – Você se dava bem como ele ((o irmão que tá preso))?

(A4) – Dava, muito. Muito mesmo... (...) ele chegava com dinheiro em casa ele... jogava em cima da mesa... Era bom que só, ele...

(E) - E o seu padrasto, você considera ele como família?

(A4) – Hum-hum. Não.

(E) – Por que você não considera ele como família?

(A4) – Porque ele é ruim dentro de casa. Um dia ele ia bater na minha mãe, também. Bateu que só - viu? – na minha mãe, ele.

Ex. 04

(E) – E você tava me dizendo que na rua tem uma parte ruim e outra parte boa, também. Em casa tem uma parte ruim... E tem alguma parte boa?

(A4) – (...) Toda minha família é boa, menos esse cara ((o padrasto)) que entrou na minha vida, entrou na vida da minha mãe, que não é bom pra nós...

E quando consideramos suas projeções futuras, atentamos que, embora se deseje ter uma casa e um filho, que constituem indicadores relacionados à constituição de uma família enquanto um núcleo independente, as condições de existência da família de origem parecem consistir em objeto de preocupação para o adolescente, sinalizando que as obrigações que estruturam as relações familiares para além do espaço de moradia ainda continuam existindo.

Ex. 05

(E) – Tem algum filho?

(A4) – Hum-hum ((não)). Ainda vou ter.

Ex. 06

(E) – Que futuro é esse que você acha...

(A4) – Trabalhar e ajudar toda a minha família... e ter uma casa.

Entretanto, em consonância com esse critério de inclusão familiar, ou seja, da obrigação mútua, podemos também atentar que o próprio adolescente, como ilustra os relatos seguintes, está sujeito, como membro da família, a ser afastado do convívio do grupo, mesmo que de parte dele e temporariamente. Esta possibilidade de afastamento, como vemos abaixo, pode se tornar realidade quando o adolescente não cumpre com a responsabilidade que lhe é atribuída precocemente junto à sobrevivência material na rede de obrigações, de acordo com uma organização doméstica, norteada pela lógica patriarcal, e em resposta a um contexto de pobreza em virtude da precariedade do mercado de trabalho, confirmando-nos a peculiaridade da experiência da adolescência em famílias pobres (Hines, 2001; Losacco, 2005; Preto, 2001; Rocha, 2002). Isto é, ao contrário do que ocorre com os de classe média ou alta, o processo de autonomia de

adolescentes como Luciano, segundo tais autores, tende a ser dificultado, uma vez que a família se sobrepõe aos interesses dos indivíduos, sendo possível vivenciar, em função comumente da luta pela sobrevivência, situações de brusca separação da família, a exemplo da expulsão, ampliando, por conseguinte, a sua vulnerabilidade a contextos que oferecem riscos ao seu desenvolvimento, como sugere o segmento (9).

Ex. 07

(E) – E esse seu padrasto? O que ele faz?

(A4) – Trabalha. Eu acho que ele nem trabalha, homi! Trabalha não...

(E) – Por que você acha que ele não trabalha?

(A4) – Porque... Só quem arranja negócio dentro de casa é eu... Quando falta negócio dentro de casa é eu que vou pra rua... Se eu não arranjar dinheiro, eu roubo...

Ex. 08

(E) – Você o vê, tem visto ele, vai visitá-lo? ((referindo-se ao irmão preso de 18 anos))

(A4) – Vou, também ver... Mas só que os homem não deixa eu ver não, mas se disser que eu tenho dezesseis ano ele deixa, ou quinze... (...) ele diz “Cuidado, viu, arranje dinheiro pra

mandar alguma coisa aqui pra mim”. Aí eu pego e arranjo dinheiro pra mandar. Porque se

eu não arranjar ele morre de fome lá dentro.

Ex. 09

(E) – Como é que você gostaria que ela ((a mãe)) ligasse pra vocês?

(A4) – Cuidando de nós. Não deixar nós assim... Mas ela não liga... Quando nós tamo com dinheiro, ela é bem boazinha; quando nós não tamo é... dando em nós, é expulsando de casa...

(E) – Você já foi expulso de casa alguma vez?

(A4) – Já... Eu tava até na rua, passei três mês na rua... na Cidade... em todo canto...

Ex. 10

(E) – Aí nesse tempo na rua... você ficou três meses na rua... e como é que foi esses três meses?

(A4) – Foi ruim, não tinha nem onde dormir, ficava andando... pegando as coisa dos outros, correndo... andando na rua... todo mundo batendo em mim... me espancando... e... e assim ia... e assim eu juntava dinheiro pra sair de novo com os colega...

Todavia, por outro lado, de acordo com esse penúltimo relato de Luciano, assumir um dos papéis parentais, que o aproximam do status social de um adulto, parece não fazê-lo prescindir da necessidade de cuidados, de atenção, de segurança, do sentimento de pertença, considerado constitutivo do seu processo identitário (Carter & McGoldrick, 2001), como atestam também outras expectativas ou percepções presentes no seu discurso quanto aos papéis desempenhados pelos pais. Tais demandas, por sua vez, remetem-nos à importância que sócio-historicamente à família passou a ser atribuída enquanto lugar de proteção e promoção aos seus membros, especialmente aos mais novos, independente das configurações que ela apresente e, inclusive, de suas condições concretas de existência, o que, segundo Pereira-Pereira (2004) e Alencar (2004), em nosso país, particularmente, ganha ainda uma maior relevância diante da histórica ausência do Estado na garantia da proteção social aos seus cidadãos, tendo a esses a família se constituído, por conseqüência, em sua principal retaguarda.

Ex. 11

(A4) – É boa a minha família, mas só não é... só não é boa por causa de uma parte...

(E) – Que parte?

(A4) – Que... agora a minha mãe que tá vendendo droga...

(E) – E isso não é bom por quê?

(A4) – Porque prejudica a família, porque fica só... um bocado de traficante lá perto de casa... Por isso que é ruim, também, se a polícia pegar, aí nós vai ficar sem mãe... Só com nossos tio, nossa avó... Por isso que é ruim... E o meu pai já morreu por causa disso...

Ex. 12

(E) – Você disse assim: “é boa a minha família”, aí não falou o que era bom.

(A4) – Hum... Lá em casa agora não tem mais nada de bom, não...

(A4) – Tem mais não, lá em casa tá ruim. Porque só o que tinha de bom em casa era só o meu pai... só o meu pai, só, que eu tinha de bom... que fazia tudo que eu queria. Mas agora... tem mais nada de bom mais não...

(E) – O que ele fazia? O que você queria?

(A4) – Levava nós pra praia, pro outro lado do rio, pra pescar... E agora – sabe? - que minha mãe ficou com outro homem, agora, o homem só quer mandar... Só quer comer... Só isso, só. (...)

(E) – Então ele não faz a mesma coisa que seu pai fazia com você, não. Não sai com você...

(A4) – Faz não. Só quer ficar só em casa, só. (Hum-hum) Só isso, por isso que eu não... fico muito... por isso que eu não gosto de ficar em casa não, fico mais na rua... Só chego de manhã na rua... Fico... de dia... de tarde e de noite, na rua, eu fico. E só chego em casa de manhã, porque é ruim.

Ex. 13

(E) – Por que você foi criado por sua tia?

(A4) – Porque o meu pai não me queria.

(E) – Hum-hum. Nessa época, até os sete anos, você vivia com quem?

(A4) – Minha tia, minha prima... todo mundo... meu primo, minha... meu avô... tudinho... (...) A minha mãe não queria nem me batizar... Não queria nem que eu fosse filho dela...

(E) – Hum-hum. Por que você acha?

(A4) – Porque ela diz.

Ainda em respeito a esse suposto lugar que a família ocupa na vida desse adolescente, é válido destacar que, a despeito de expressar uma certa avaliação negativa de sua família associada à recente perda do pai, Luciano reconhece como algo positivo os laços afetivos que o une a outros membros, contrapondo-se, assim, à tendência que persiste nas instituições sociais de desqualificar as famílias por não disporem da estrutura considerada padrão, condição de uma família saudável, como apontam Minuchin et al. (1999) e Mioto (2004).

Ex. 14

(E) – E você tava me dizendo que na rua tem uma parte ruim e outra parte boa, também. Em casa tem uma parte ruim... E tem alguma parte boa?

(A4) – Tem – né? – que eu brinco muito com m... Eu gosto muito dos meus irmão. Gosto muito mesmo, de coração, de coração mesmo. Da minha mãe também, de coração. Do meu irmão que tá preso também. De coração, mesmo, eles tão tudo bom pra mim. Toda minha família é boa, menos esse cara que entrou na minha vida, entrou na vida da minha mãe, que não é bom pra nós...

Além de se contrapor a essa tendência quanto à estrutura, podemos notar que a visão idealizada da família, em que os conflitos, os sentimentos negativos não fazem parte das relações afetivas (Sarti,1999; Souza & Peres, 2002), não norteia a apreciação positiva que o adolescente tece logo acima sobre sua família, na qual declara sentir afeto pela mãe, por exemplo. Uma vez que, se considerarmos, além do seu discurso, o dos familiares que participaram da pesquisa, no tocante, especialmente, a esse vínculo, poderemos confirmar a existência de atrito e de sentimentos de raiva, de mágoa que também nutre em relação à mãe, remetendo-nos a sua não aceitação do padrasto enquanto membro da família e à sua experiência de rejeição enquanto filho.

Ex. 15

(E) – A senhora acha que Luciano ficou revoltado por causa disso?

(TA4) – Ele já vinha - né? - por que teve o quê? - a revolta dele, assim... porque eu acho assim... que é três coisa: que ela deu ele, não ficou com ele – né? – (Hum-hum...) Aí pronto! Aí criou os outros... ficou com os outros e não ligava pra ele. Aí veio esse outro... veio esse problema aí do pai que chegou a falecer, aí botou outro dentro de casa, porque se pelo menos... se ela tivesse a consciência - sabe de quê? – a consciência de que pelo menos passasse assim uns seis meses (...)

Ex. 16

(E) – Por que vocês acham que seus pais quiseram internar ele ((o irmão Luciano))? 17

(IºA4) – Porque ele disse... a pai que ia infernizar a vida da minha mãe direto.

17

Importa aqui dizer que para tal segmento de discurso voltaremos nossa atenção posteriormente neste texto quando estivermos discutindo a participação da família na medida, sendo no momento considerado importante para ilustrar a existência de conflitos entre a mãe e o adolescente Luciano.

Ex. 17

(E) – (...) O que é que ele tinha contra a tua mãe?

(IºA4) – Ele não gostava não, porque maínha... maínha gostava do meu outro irmão, o de maior... tem 18 anos, o que tá preso... maínha gosta dele, aí maínha disse que ia levar as coisas para ele, aí maínha não tinha dinheiro... aí eu fui e ajudava mãe... conseguir o dinheiro... aí Luciano tinha vez que roubava aí não tinha como deixar as coisas com meu irmão.

Considerando essa situação de ambivalência com a mãe, podemos compreender também porque, apesar de reconhecer sua mãe como membro de sua família, conforme declarou no início desta discussão, a mesma não foi indicada pelo filho para participar da pesquisa. De acordo com as justificativas dadas pelo adolescente para a escolha do irmão e da tia, parece-nos que essas pessoas estão comprometidas corajosamente com a verdade, sendo capazes de confirmar o sofrimento que vivencia na relação com sua mãe, mesmo sabendo que isso signifique depor contra ela, demonstrando-nos a necessidade de que o seu sofrimento também por nós seja reconhecido.

Ex. 18

(E) – Por que você escolheu seu irmão?

(A4) – Porque ele sabe de tudo, mesmo. Ele diz mesmo, a verdade, ele tem medo não, viu?

Ex. 19

(E) – (...) E a sua tia, por que você escolheu ela?

(A4) – Porque ela disse que também ia dizer porque minha mãe deixou eu na rua... E também a pensão do meu pai, que ela recebe, é só pra droga... pra ela comprar droga...

B) Medida sócio-educativa

Em que pese o fato de já fazer parte do programa da Pastoral há mais de dois anos, podemos notar que Luciano parece não reconhecer com segurança o que vem a ser

a medida Liberdade Assistida à qual foi submetido, especialmente caracterizada por sua dimensão protetiva, como demonstram as suas atividades, algumas delas descritas no artigo 119 do ECA (Brasil, 1990), embora sua aplicação também seja contingente à prática infracional e seu cumprimento de caráter obrigatório, como as demais medidas sócio-educativas que buscam responsabilizá-lo pela transgressão à legislação penal (Campos & Francischini, 2005; Veronese et al., 2001).

Decerto que comparando com suas expectativas iniciais em relação ao programa, a leitura que faz de sua condição atual na Medida, além de superar o equívoco de associar a LA a um contexto prisional, sugere-nos também uma certa aproximação com o que a Medida consiste em sua especificidade, ao associá-la a, ao menos duas de suas prerrogativas, a saber, a participação nas atividades educativas do programa e a inclusão escolar. Mas chama a nossa atenção, nesse primeiro momento, a dúvida com que aponta os motivos pelos quais o juiz não decretou a extinção de sua medida, ao responder sob a forma de pergunta, parecendo desejar confirmação por parte da entrevistadora.

Ex. 20

(E) – (...) Luciano, quando você entrou na Pastoral, que idéia você tinha do que ia acontecer?

(A4) – Tinha medo de ser preso <risos> pensava que o juiz... quando eu vim pra cá, pra Pastoral do Menor, eu pensava que quando eu ia entrar... o juiz ia pegar eu bem na sorte, descuidado! E vinha já com as algema pra me algemar e levar. Pensava isso. Eu tinha medo de vir eu.

Ex. 21

(E) – Ali fora você tava falando que já terminou a medida dele, e você não. E você tava perguntando por que não tinha terminado a sua. Por que você acha que não terminou a sua medida?

(A4) – Porque eu não vim, não foi, mais pra ali?

(E) – Porque não veio mais pra Pastoral? ((Afirmou com a cabeça.)) Uhrum. O que faz um juiz pensar que a medida de um adolescente acabou? O que você acha que passa na

cabeça do juiz, que motivo ele tem pra que ele termine, acabe extinguindo a medida de um adolescente?

<pausa>

(E) – O que é preciso para que uma medida acabe?

(A4) – De estudo – né?-, estudo.

(E) – Que o adolescente estude. Então, como você tava dizendo ali fora, você acha que não acabou porque você não tá estudando.

(A4) – É. Só isso.

(E) – E você pretende estudar?

(A4) – Hum-rum. Pretendo - né?

Por outro lado, o trecho seguinte, em que o adolescente se reporta ao futuro, tomando como base o seu compromisso com os estudos, faz-nos refletir a respeito da relevância acentuada que é atribuída à família no cumprimento, pelo adolescente, da medida LA, especialmente, sendo sua participação efetiva requerida como condição, tendo em vista que esta se dá em meio aberto, visando o próprio fortalecimento dos laços familiares e comunitários, segundo as diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo (Brasil/SEDH, 2004) às quais a proposta do programa da Pastoral se mostra em consonância. Nesse caso concreto, todavia, observamos que diante do que ele considera prerrogativa da medida e do que é necessário para cumpri- la, o mesmo não delega à família responsabilidade alguma, no sentido de ajudá-lo, expressando antes expectativa em querer ajudá-la.

Ex. 22

(E) – Porque que o juiz gostaria que você estudasse?

(A4) – Pra mim aprender as coisas, né? - pra mim arranjar algum trabalho... pra eu ter um futuro melhor.

(E) – Que futuro é esse que você acha...

(A4) – Trabalhar e ajudar toda a minha família... e ter uma casa.

(E) – E o que precisa acontecer ou fazer pra que você volte a estudar?

(A4) – Só, só material mermo.

(A4) – É.

(E) – E como é que você conseguiria esse material escolar?

(A4) – No meio da rua, ajuntando dinheiro pra mim comprar.

Ao mesmo tempo, se atentarmos ainda para a própria estratégia a que ele se refere para garantir sua reinserção escolar, fazendo-nos lembrar da realidade socioeconômica do grupo familiar com o qual o adolescente partilha o mesmo espaço de moradia e de seu papel atual junto à sobrevivência do mesmo, somos levados também a questionar sobre a devida proteção da família, resguardada em lei pelo princípio da co- responsabilidade entre Estado, família e sociedade na promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil em resposta à Doutrina da Proteção Integral (Volpi, 2001) para que a mesma possa, ao menos, conferir as condições básicas de sobrevivência para o adolescente, sendo possível a esse, por conseguinte, atribuir à família tal função e, em virtude disso, demandar dela o apoio financeiro que envolve a sua inclusão social, a exemplo do material escolar.

Ao contrário do que o adolescente aponta, reconhecemos que o material escolar em si não se constitui fator suficiente para que o seu direito à educação seja garantido. O próprio Luciano nos sugere que existem outras variáveis em jogo, em outros momentos da entrevista, como o exemplo abaixo, quando lhe perguntamos diretamente sobre a participação da família na medida, no qual ele afirma que os tios podem ajudá-lo na aquisição do material necessário, como já fizeram antes.

Ex. 23

(E) – Aí você me falou também... acho que foi no encontro passado, você disse que sua família, sua mãe, no caso, podia fazer matrícula na escola pra você, né? (É). Alguém mais da tua família pode fazer alguma coisa por você (Minha tia) em relação a sua escola?

(E) – Como é que eles podem ajudar você a voltar estudar?

(A4) – Comprando roupa pra mim, roupa... e tênis. Eles dão.

(E) – Eles já deram pra você?

(A4) – Já deram, já deram. Lápis e tudo.

De fato, quando consideramos, além de sua atual condição escolar, o seu envolvimento com drogas, por exemplo, podemos atestar a complexidade que envolve o cumprimento da medida e, assim sendo, compreender um pouco melhor a maneira como o adolescente concebe a LA e, por conseguinte, a participação de sua família no seu processo sócio-educativo, objeto de nosso estudo.

Em consonância, então, com o perfil descrito dos adolescentes, até o momento, atendidos pela Pastoral, por ocasião da caracterização do campo de nossa pesquisa, e por sua vez, com a realidade da maioria dos adolescentes em conflito com a lei (Feijó & Assis, 2004; Rodrigues & Bosco, 2005; Volpi, 2001) o sócio-educando em questão também faz parte do grupo que se encontra fora do contexto escolar, apresentando baixa escolaridade, além de ser oriundo de família pobre, refletindo o descompasso existente entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a realidade vivida. Observando, por exemplo, a trajetória escolar de Luciano, no transcorrer da medida, podemos ver como as condições de permanência e até mesmo de reinscrição no contexto escolar se vêem prejudicadas também pelo despreparo das próprias instituições educativas, refletindo, por sua vez, toda uma sorte de precariedades que confluem geralmente sobre as unidades públicas, cuja maioria do alunado é de classe pobre, como apontam Fulmer (2001) e Sudbrack e Pereira (2003).

Ex. 24

(E) – Você parou em que ano? Desde quando você tá sem estudar?

(A4) – Desde... agosto.

(A4) - Sim, sim, sim...

(E) – E o que aconteceu pra você parar de estudar?

(A4) – Dei na professora...

(E) – Sim, aquilo que você tava falando lá fora. E depois disso aconteceu o quê?

(A4) – Fui expulso... Quando ela me expulsou, eu saí quebrando tudo dentro do colégio. Eu soltei logo uma bomba bujão lá com meus amigos.

(E) – Aí, depois, não procurou outra escola, nem...

(A4) – Procurei não... Depois eu fiquei perdido, fazendo o que não deve... Cheirando cola, fumando maconha... menos pedra. Cheirando pó, até uns negócio aí...

Ex. 25

(E ) - ...Aí na escola, desde esse tempo ((da expulsão da última escola)), você não foi mais.

(A4) - Fui mais não, nessa puteira, fui mais não.

(E) – E você acha que foi por causa de quê? Primeiro você saiu da escola porque você deu na professora. Aí você não entrou em outra escola por quê?

(A4) – Porque eu já tinha sido expulso da outra escola, e se eu voltasse eu tinha que ir pro Conselho. Ninguém me aceitava mais lá.

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