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4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.6 Análise do discurso

Para análise das entrevistas, utilizou-se a Análise do Discurso (AD). Carrieri et al. (2006, p. 1) defendem a utilização da AD como técnica de análise de dados para os estudos organizacionais a partir do argumento de que

os atores organizacionais em suas interações, utilizam diversos discursos, tanto nas relações internas de uma determinada organização quanto naquelas que extrapolam esse contexto, envolvendo outras organizações e a sociedade como um todo.

Assim, Carrieri et al. (2006) ainda reforçam tal argumento comentando que a AD permite o estudo de processos ou fenômenos sociais que não podem ser entendidos por meio de técnicas tradicionais de análise de dados. Além disso, a AD pode contribuir com a compreensão, de maneira mais profunda, da realidade social, a partir da apreensão da maneira como o discurso é produzido, sua relação com estruturas materiais e sociais e o contexto sócio-histórico cultural do indivíduo enunciador. Mas, antes de discutir como a AD contribuiu para esta pesquisa, torna-se necessário conceituar o que seria um discurso e seu papel na criação, manutenção e perpetuação de preconceitos e práticas discriminatórias, que foram elementos centrais de investigação desta tese.

Segundo Brandão (2014, p. 2), “discurso é toda atividade comunicativa entre interlocutores; atividade produtora de sentidos que se dá na interação entre falantes”. A autora explica que os agentes do discurso, o falante/ouvinte ou escritor/leitor, estão imersos em um contexto histórico específico, que carrega consigo espaços geográficos, valores, crenças e ideologias. Comenta, ainda, que, os discursos estão carregados desses valores, crenças e ideologias. Por isso, a neutralidade no discurso é algo questionável, pois discursos produzem sentidos. Dessa maneira, as pessoas costumam deixar sentidos implícitos em seus discursos, ou seja, nem sempre expressam o que pensam, seja porque a situação não o permite ou por não desejarem se responsabilizar pelo o que dizem. Assim, deixam a cargo do interlocutor a responsabilidade por construir os sentidos subentendidos ou implícitos (BRANDÃO, 2014).

Baseada em Maingueneau (2005), Brandão (2014) apresenta algumas características fundamentais do discurso.

a) O discurso é produzido a partir de valores e crenças dos interlocutores e situações diversas, portanto, ultrapassa a dimensão gramatical e lingüística;

b) A produção do discurso considera não apenas os conhecimentos linguísticos dos faltantes/ouvintes ou escritores e leitores, mas conhecimentos extralinguísticos como temas difundidos na sociedade, a imagem que um indivíduo constrói de si e dos outros com quem fala. Tal imagem pode determinar a maneira como uma pessoa fala com a outra;

c) O discurso é produzido em um contexto, portanto, os enunciados só têm sentido nos contextos em que são produzidos;

d) O discurso é produzido por um sujeito, assim as referências de tempo e espaço são organizadas em torno desse “eu” que se coloca como sujeito;

e) O discurso é interativo, pois envolve, no mínimo, duas pessoas, o eu/você. Dessa forma, os participantes da conversação se expressam de acordo com a reação do outro. Por isso, o discurso é uma forma de atuar ou agir sobre o outro, o que pressupõe também a ideia do dialogismo, com a ideia de haver pelos menos dois falantes. O dialogismo está presente até mesmo quando falamos ou escrevemos, pois dialogamos com outros discursos, trazendo a fala do outro para o nosso discurso, como quando se usa um dito popular, uma paródia, uma imitação, ironia, entre outros;

f) As diversas vozes ou discursos presentes em um discurso adquirem efeito polifônico, seja por meio da concordância ou mesmo da negação total ou parcial;

g) O discurso trabalha com enunciados concretos, falas/escritas produzidas, ao invés de idealizadas. Dessa maneira, se uma pergunta é feita por um indivíduo mesmo que, de antemão, ele já saiba a resposta, certamente, há intenção implícita nessa ação;

h) Os discursos são produzidos em uma rede interdiscursiva, ou seja, um discurso está em interação com outros discursos, por isso não existe singularidade nele. Nesse sentido, no discurso opera uma rede de relações de poder em que locutores, vozes, a partir de posições ideológicas, sociais e culturais procuram se sobrepor sobre os outros.

Segundo Brandão (2014, p. 6), um conceito fundamental da análise do discurso está ligado às condições de produção, ou seja,

um conjunto de elementos que cerca a produção de um discurso: o contexto histórico social, os interlocutores, o lugar de onde falam, a imagem que fazem de si, do outro e do assunto que estão tratando.

Nesse sentido, pode-se dizer que o discurso é produzido para alguma finalidade, seja a de negar, de afirmar ou de influenciar. Assim,

o discurso é o espaço em que poder e saber se unem, se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito que lhe é reconhecido socialmente. O discurso é como um jogo estratégico que provoca ação e reação, é como uma arena de lutas (verbais, que se dão pela palavra) em que ocorre um jogo de dominação ou aliança, de submissão ou resistência (BRANDÃO, 2014, p. 6).

O discurso é produzido por um sujeito, portanto, para a AD torna-se necessário refletir sobre qual é o lugar desse sujeito que fala (BRANDÃO, 2014). Para tanto, a autora discute alguns elementos importantes desse sujeito. Primeiramente, destaca a noção de historicidade, ou seja, o sujeito que produz o discurso é marcado pela história de uma comunidade, em um tempo e lugar específicos, por isso sua fala reflete valores e crenças de um momento histórico e de um grupo social. Em seguida, comenta sobre a perspectiva do interdiscurso,

que seria uma maneira com que o sujeito inclui outras pessoas no seu discurso, assim, pode planejar ou ajustar sua fala de acordo com seu interlocutor.

Considerou-se, portanto, a AD como abordagem teórico-metodológica mais adequada para análise dos dados, principalmente, porque a abordagem teórica escolhida para esta tese concebe a diversidade como um produto de um processo sócio-histórico e cultural de construção de padrões de interpretação sobre indivíduos e grupos que possuem posições diferenciadas na sociedade, por conta de certas características físicas, culturais, etc. Nesse sentido, o discurso também contribui para a compreensão de como preconceitos vivenciados pelas minorias são criados, perpetuados e justificados dentro das organizações, pois a maneira como as pessoas julgam a si ou o outro se manifesta por meio do discurso, ao expressar ideologias, valores e visões de mundo em relação às minorias. O uso de estratégias discursivas, expressas por meio de elementos linguísticos como conectores, operadores, discursos reportados, seleção lexical, escolha de argumentos, criação e destaque de personagens, contribui para a compreensão do processo de atribuição de atitudes preconceituosas a outros.

Optou-se por não adotar um referencial teórico específico da Análise do Discurso, pois se considera suficiente trabalhar com conceitos gerais da AD, colhidos em autores representativos da área, como Fiorin (2003), Maingueneau (1997) e Orlandi (1999), cujas proposições dialogam entre si. Dessa forma, na análise dos dados serão considerados elementos (descritos adiante) como, as condições de produção, contexto, enunciação, interdiscurso e intradiscurso e polifonia.

De acordo com Cappelle, Melo e Gonçalves (2003), a AD busca mais a compreensão da produção discursiva, ou seja, o processo produtivo do discurso. Por isso, Orlandi (1999) destaca que a palavra discurso, em sua origem etimológica, remete à noção de curso, percurso, movimento. Dessa forma, a AD não trata da língua ou da gramática, embora as considere. Em outras palavras, a

análise do discurso não visa à interpretação fiel do texto, como a análise de conteúdo, mas a proposta da AD é de ir além daquilo que foi enunciado por meio dos relatos. A AD “concebe a linguagem como mediação necessária e a realidade natural e social” (ORLANDI, 1999, p. 15). Por isso,

o discurso não trabalha com a língua enquanto sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com maneiras de significar com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas (ORLANDI, 1999, p. 15-16).

Carrieri (2002) considera que um discurso geralmente está ligado a uma ideologia e, nesse aspecto, uma das contribuições da AD para os estudos qualitativos é estudar e trabalhar a ideologia que está por detrás das falas, ou seja, implica em desvelar o “não dito”. Isso faz com que se possa compreender aquilo que realmente o entrevistado disse e não aquilo que está explícito por meio do discurso. Este discurso pode, talvez, ser uma reprodução daquilo que é aceito pela sociedade, sendo, não necessariamente aquilo que o indivíduo pensa sobre determinado assunto. Essa aparente contradição entre aquilo que o indivíduo disse e aquilo que ele realmente quis dizer revela o caráter ambíguo do discurso.

Mangueneau (1997) aborda alguns elementos importantes da AD, como o sujeito do discurso, ou seja, quem ele é, quais são os papéis que exerce; e, o lugar de enunciação, de onde o sujeito fala. Dessa forma, a AD “visa articular sua enunciação sobre certo lugar social” (MANGUENEAU, 2000, p. 13).

A polifonia trata de discernir em um discurso as vozes presentes nele, seja dos enunciadores ou dos locutores. O primeiro, “é um ser que no enunciado é apresentado como seu responsável” (MANGUENEAU, 1997, p. 76). Esses últimos,

são seres cujas vozes estão presentes na enunciação sem que

lhes possa, entretanto, atribuir palavras precisas,

efetivamente, eles não falam, mas a enunciação permite expressar seu ponto de vista (MANGUENEAU, 1997, p. 77).

Tal como afirma Mangueneau (1997), o interdiscurso pode ser compreendido como a relação de um discurso com os outros discursos. Tal relação se efetiva por meio da oposição. Já o intradiscurso seria a maneira como o enunciador apreende discursos e, por meio de planos de expressão, os exterioriza (FIORIN, 2003).

Sobre as condições de produção do discurso, pode-se dizer que fazem parte delas o contexto sócio-histórico e ideológico (ORLANDI, 1999). Segundo a autora, o discurso ao ser produzido carrega consigo uma relação com fatos históricos, valores e significados, além de posicionamentos ideológicos sobre os fenômenos sociais.