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2.2. Sociolinguística e Análise do Discurso

2.2.3. Análise do Discurso

Os pressupostos teóricos discutidos aqui derivam da perspectiva da Análise Materialista do Discurso, concebida inicialmente por Pêcheux. O engajamento no materialismo histórico da teoria recai, inevitavelmente, numa

concepção de sujeito que se distancia da concepção de sujeito adotada na Socioliguística.

Para Pêcheux, o sujeito é um efeito e não uma causa. A história produz sujeitos, mas, ao mesmo tempo, não é que ela esteja representada nos sujeitos: ela se materializa neles, assim como eles só se constroem nesse efeito. Henry (1997 [1969]) chamou isso de efeito ideológico elementar:

Por que “elementar”? O que este termo quer dizer? Quer dizer precisamente que tal “efeito” não é a consequência de alguma coisa. Nada se torna um sujeito, mas aquele que é “chamado” é sempre já-sujeito.” (1997 [1969], p. 30)

Apesar do uso das palavras efeito e causa, é preciso pensar no sujeito e no discurso fora de uma relação de causa e consequência, pois ela presume a antecedência de um ou de outro, quando, na verdade, não há nenhum evento inaugural nesse processo.

Pêcheux concebe a história como a luta de classes, e para ele a instância econômica necessita se materializar em uma instância não-econômica (ideologia) para se reproduzir socialmente. Pêcheux; Fuchs (1997 [1975]) ainda afirmam que:

Esta reprodução contínua das relações de classe (econômica, mas também , como acabamos de ver, não- econômica) é assegurada materialmente pela existência de realidade complexas designadas por Althusser como “aparelhos ideológicos do Estado”, e que se caracterizam pelo fato de colocarem em jogo práticas associadas a lugares ou a relações de lugares que remetem a relações de classe, sem, no entanto, decalcá-las exatamente. (p. 166)

Trata-se, portanto, da materialização das relações de produção nas práticas sociais. Nesse movimento ocorre a interpelação do sujeito (formulada primeiramente por Althusser e depois abordada por Pêcheux). A interpelação é o fato de o sujeito que fala ser tomado por um sujeito de discurso (o que ele chamou também de assujeitamento), o que resulta num sujeito ideológico (aquele que acha que sabe quem é). O sujeito ideológico se identifica por uma

Os indivíduos são interpelados em sujeitos falantes (em sujeitos de seu discurso) por formações discursivas que representam ‘na linguagem’ as formações ideológicas que lhes são correspondentes. (PÊCHEUX, 1997 [1988], p. 161)

O processo de interpelação não se caracteriza somente pelo

assujeitamento, mas pelo esquecimento desse processo, garantindo a ilusão de

se saber quem é, o que Pêcheux; Fuchs (1997) chamaram de esquecimento nº1. Uma formação discursiva está composta por várias formas-sujeito, e ela se ordena com outras formações discursivas no complexo contraditório-desigual-

sobredeterminado das formações discursivas (o interdiscurso). O interdiscurso

não pode ser confundido com a história e tampouco com os aparelhos ideológicos do Estado; por ser um complexo de formações discursivas, ele compõe uma materialidade discursiva que se articula simbolicamente na linguagem. Seu funcionamento conduz o processo de interpelação.

Diferentes formações discursivas podem aparecer num mesmo lugar (sujeito), por isso muitas vezes o processo de identificação é marcado pela sua ambiguidade e contradição:

Nessa perspectiva, o interdiscurso, longe de ser efeito integrador da discursividade torna-se desde então seu princípio de funcionamento: é porque os elementos da sequência textual, funcionando em uma formação discursiva dada, podem ser importados (meta-forizados) de uma sequência pertencente a uma outra formação discursiva que as referências discursivas podem se construir e se deslocar historicamente. (PÊCHEUX, 2011 [1984], p. 158)

Nesse sentido o processo de identificação entendido pela Análise do Discurso se diferencia aqui da noção de identidade, concebida por Eckert (2005). Enquanto a autora pressupõe uma agentividade, já que constata a construção de uma identidade pelo falante, Pêcheux afirma que o sujeito é atravessado por um processo de identificação sobre o qual ele nem se lembra.

O interdiscurso é o conjunto de dizeres em determinado momento histórico que são acionados conforme se fala e é por eles que determinados significantes são reconhecidos com determinados significados, funciona como uma memória discursiva que vai se remodelando a todo momento. Pêcheux

explica que é pelos elementos do interdiscurso que o sujeito se esquece que ele é interpelado, principalmente pelo pré-construído e pelo efeito de sustentação.

O primeiro, termo proposto por Paul Henry, é a existência pré- estabelecida, pelo interdiscurso, de determinados sentidos. É no pré-construído que se produz o sujeito, pois trata-se do elemento do interdiscurso reconhecido pelo sujeito como realidade e que, consequentemente, faz com que ele acredite ser alguém e estar consciente disso, ou melhor, falar algo e estar consciente disso.

Foi isso que levou P. Henry a propor o termo “pré- construído” para designar o que remete a uma construção anterior, exterior, mas sempre independente, em oposição ao que é “construído” pelo enunciado. Trata-se, em suma, do efeito discursivo ligado ao encaixe sintático. (PÊCHEUX, 2011 [1988], p. 99)

Quando determinados sentidos são pré-construídos no interdiscurso, quando eles chegam no intradiscurso (a fala), já são fatos dados, tomados como óbvios, sem a necessidade de serem questionados pelo sujeito, consequentemente, ele acha que já sabe o que é (ilusão de subjetividade).

O pré-construído está ligado ao encaixe sintático, porque é exatamente por ele que é possível coordenar determinadas enunciados, enquanto outros não. Tal definição já mobiliza o segundo conceito igualmente importante: o efeito

de sustentação (ou efeito transverso); ele se refere justamente a essa articulação

entre enunciados, ao modo de encadeamento do objeto, o que une coisas opostas numa mesma frase, por exemplo.

É por isso que Pêcheux propõe uma análise textual cuja tentativa é devolver a opacidade do texto, para que se possa visualizar que sentidos pré- construídos estão presentes nele. Ao desconstruir a transparência das palavras, a intenção do analista do discurso é observar tais sentido sempre-já-aí e como eles se constroem (efeito de sustentação), pois o que é pré-construído diz muito da história, por conseguinte diz muito da dinâmica das relações de produção na sociedade.

Esse último ponto é relevante nesta pesquisa, já que se partiu do pressuposto de que a comunidade de fala estudada (Itatiba) ainda tem marcas da cultura caipira. E a formação da cultura caipira, por sua vez, é marcada por

relações de produção do sistema capitalista que estavam começando a se consolidar na passagem do Brasil Colônia para o Brasil República.

E veem-se nas variantes do dialeto caipira formas-sujeito, ou seja, elementos do discurso em que se materializa a tomada de um sujeito falantes por sujeito ideológico. Dessa forma, propõe-se que no dialeto caipira, o conjunto dessas forma-sujeito compõe diferentes formações discursivas que se alternam num processo marcado pela contradição.

Os conceitos de sujeito, forma-sujeito, pré-construído e efeito de

sustentação da Análise do Discurso foram essenciais não somente para o

método de análise das entrevistas, mas também para a tomada de direção da pesquisa: no caminho de uma perspectiva que permitiu que o “caipira” em Itatiba fosse definido pelas próprias falas dos entrevistados e não antes.

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