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Análise dos resultados e algumas considerações

Ao todo foram analisados noventa e um artigos envolvendo o tema natureza da ciência e ensino, sendo trinta e quatro publicados no EPEF e cinquenta e sete no SNEF, nos últimos dez anos destes dois eventos. A análise indica que há pesquisas que seguem uma linha mais teórica, ao apresentar considerações sobre o processo de produção do conhecimento científico (categoria Reflexão, 15%), e outras que se apresentam como investigações aplicadas.6 Entre estas, foram encontrados trabalhos envolvendo o mapeamento da concepção de ciências de professores, estudantes e livros didáticos (categoria Mapeamento, 34%) ou pesquisas que apresentam sugestões de propostas de ensino a serem aplicadas ou já realizadas e analisadas que procuram estabelecer discussões sobre ciência na formação

6 Adotou-se o termo investigação aplicada às pesquisas que possuem em comum a preocupação pelas implicações práticas imediatas, diretamente utilizadas na tomada de decisões práticas ou na melhoria de programas e sua implementação. (Bogdan; Biklen, 1994)

46 científica de alunos do Ensino Básico ou na formação de professores (categoria, Proposição 51%).

Os trabalhos classificados na categoria Mapeamento indicam haver a necessidade de se rever os livros didáticos, que em sua maioria apresenta uma visão distorcida da ciência. Em relação à formação de professores e alunos do Ensino Básico, as pesquisas mostram que a insistência em discussões que envolvam a natureza da ciência faz-se necessária, pois ainda que as investigações apontem que a concepção empírico-indutivista seja predominante no ambiente educacional, há pesquisas que encontraram grupos de professores e alunos com uma visão de ciência mais próxima da contemporânea.

De qualquer maneira, verificou-se que os pesquisadores em ensino de ciências já têm despendido grande esforço para alterar tal situação. Na categoria Reflexão, há 14 trabalhos dedicados às discussões sobre o tema. Através da análise destas publicações, percebe-se a insistência dos pesquisadores em ratificar uma ciência construída coletivamente, influenciada por questões subjetivas do cientista e por aspectos políticos, sociais e econômicos.

Já a categoria Proposição possui 21 trabalhos com propostas de ensino relacionadas a discussões sobre ciência não aplicadas e 25 com propostas realizadas e analisadas. A maioria opta pela abordagem histórico-filosófica da ciência. Entre as propostas não aplicadas, foram encontrados 14 trabalhos desenvolvidos a partir de tal abordagem. Contudo, esta não é a única forma de se discutir sobre o fazer científico. Entre tais propostas de ensino, também aparece a sugestão de se realizar discussões sobre ciência através da relação ciência e arte (GUERRA; BRAGA, REIS, 2003a, NORY; ZANETIC, 2005, OLIVEIRA; ZANETIC, 2005, SANTOS; SILVA; FIGUEIREDO, 2007) ou a partir da leitura de textos não didáticos sobre o assunto (VALENTE; BARCELLOS; ZANETIC, 2007, MENEZES; MORAES 2009, PINHEIRO; COSTA; MOREIRA, 2009). Entre as propostas de ensino aplicadas, também têm-se as abordagens filosóficas (2 trabalhos) ou histórico-filosóficas (13 trabalhos) como predominantes. Porém, os trabalhos encontrados nesta categoria também indicam outras formas de se problematizar a natureza da ciência na formação científica, tal como realização e análise de atividades experimentais (TEIXEIRA 2000, CUNHA; CARVALHO 2005, SOARES; BRAGA, 2007), leitura de textos não didáticos (Piassi; Pietrocola, 2007a), análise de

47 filmes (SILVA ET AL 2005, PIASSI; PIETROCOLA, 2007B, 2008), uso de software para estudo sobre modelagem científica (BRANDÃO, ARAUJO, VEIT, 2008, 2009) ou imersão no meio científico ao acompanhar a rotina de cientistas (CARVALHO; VIANNA 2000).

As propostas de ensino aplicadas também parecem revelar que a maioria das intervenções (23 de 25 trabalhos) têm conseguido tornar a visão de ciência dos envolvidos nas atividades mais abrangente ao promover reflexões sobre alguns aspectos da natureza da ciência em sala de aula. Entre outros aspectos de sucesso das intervenções, as pesquisas apontam que as atividades promoveram maior participação e motivação dos alunos nas aulas (CRUZ; GUERRA, 2009, SILVA et al., 2005, SOARES; BRAGA, 2007), que os estudantes desenvolveram uma visão mais crítica sobre a ciência (BALTHAZAR; OLIVEIRA, 2009, MONTEIRO; NARDI, 2007), perceberam a ciência como um processo em construção (GUERRA; REIS; BRAGA, 2003b, SILVEIRA et al, 2009, CARVALHO; VIANNA, 2000) e que está sujeita a influências de aspectos econômicos, éticos e políticos (BOCANEGRA; SILVA; ANDRADE, 2007, QUEIROZ; LIMA; CASTRO, 2003). Quanto às duas propostas de ensino que não perceberam grandes mudanças na concepção de ciência dos alunos após o curso, uma atribuiu tal fato à falta de tempo para discussões mais aprofundadas (TEIXEIRA, 2000) e a segunda, ainda que tenha apresentado sucesso em outros aspectos, informou que os alunos apresentaram dificuldades em perceber que a ciência não possui um método único para sua produção (SALES; SANTOS, 2003).

Estas proposições baseiam-se nas conclusões apresentadas pelos artigos analisados. Cabe a ressalva de que nenhuma pesquisa é neutra e que os resultados apresentados podem ser influenciados pelo olhar de cada pesquisador para o problema em questão. Não foi realizada uma análise mais criteriosa das metodologias adotadas pelas investigações que compõem este estado da arte, assumindo-se inicialmente o intuito de categorizar os objetivos e construir um panorama dos resultados divulgados por estas pesquisas.

Também é possível perceber que, devido à complexidade do tema que envolve a natureza da ciência, os pesquisadores têm a necessidade de escolher alguns dentre os vários aspectos relacionados à produção do conhecimento científico para o desenvolvimento das intervenções.

48 Além disso, verificou-se que o número de pesquisas que apresentam discussões sobre a natureza da ciência e o ensino cresceu consideravelmente de 2007 em diante em relação aos anos anteriores. Em média tínhamos sete trabalhos por evento de 2000 a 2006 e encontraram-se quinze trabalhos publicados em cada evento de 2007 a 2009.

Ano 2000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Trabalhos 5 2 6 6 15 6 15 15 15

Sabe-se da importância de ampliar esta investigação para além dos eventos nacionais, analisando os artigos publicados em revistas da área de pesquisa em ensino de ciências no âmbito nacional e internacional. Contudo, considera-se que o universo pesquisado traz uma visão abrangente sobre as pesquisas em ensino de física relacionadas à natureza da ciência no âmbito nacional, trazendo subsídios para a contextualização desta investigação na área em questão.

Considerando o aumento do número de trabalhos publicados nestes dois importantes eventos da área de pesquisa em ensino de ciências (EPEF e SNEF) ao longo desta década, pode-se dizer que há uma tendência dos pesquisadores desta área em aprofundar as investigações relacionadas à inserção de discussões sobre a natureza da ciência no ensino. Concorda-se com esta necessidade, tendo em vista a importância de uma visão integral da ciência para o pleno exercício da cidadania em uma sociedade científica e tecnológica. Além de promover uma maior compreensão da dimensão cultural desse conhecimento, o que pode minimizar uma supervalorização desse saber em depreciação de outras formas de ver o mundo, tal como apontam algumas das pesquisas analisadas.

49 CAPÍTULO 03

A definição de planeta e a natureza da ciência

Na História, buscamos apreender o significado das transformações, ou o significado das mudanças de significado.

Nilson Machado

A partir do pressuposto de que temas da Astronomia podem ser um fator problematizador interessante para se discutir a natureza da ciência, mais especificamente o caso da mudança de categoria do astro Plutão, realizou-se um estudo prévio sobre a construção da definição de planeta ao longo da história e explicitou-se quais elementos da natureza da ciência ficam evidentes ao se estudar tais episódios.

Apresenta-se, em seguida, este breve relato histórico e possíveis articulações com aspectos da natureza da ciência que podem ser feitas e se pretende realizar ao aplicar-se a intervenção proposta neste trabalho.

3.1. Influência do contexto social e cultural nas primeiras observações do céu