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V Psicologia do Trabalho e Ergonomia Fundamentos e Contributos

5.7. Análise do trabalho e formação: o estreitar de uma relação

5.7.2. A análise ergonómica do trabalho como instrumento de concepção de formação de tipo profissional

Neste outro nível de colaboração entre a ergonomia e a formação, a aprendizagem dos conceitos e métodos da análise ergonómica do trabalho pode ser considerada, de acordo com as mesmas autoras, como ferramenta cognitiva para uma formação de tipo

"profissional", em que os conhecimentos ergonómicos complementam e enriquecem a

concepção de programas de formação específica.

Neste contexto, a formação reporta-se às actividades actuais ou a conceber dirigindo-se, assim, tanto aos trabalhadores em formação contínua como aos que se confrontam com a reconversão profissional. Aqui, a análise ergonómica do trabalho é considerada, por muitos investigadores e peritos, como essencial para a compreensão do fenómeno da aquisição de competências através da experiência profissional, contribuindo, deste modo, para uma concepção de programas de formação profissional mais adequados.

Vários trabalhos empíricos revelam que estas intervenções, desde o início orientadas por preocupações de formação profissional, acabam muitas vezes por questionar as próprias condições de realização do trabalho em causa, nos seus aspectos técnicos e organizacionais e pôr em evidência, quer as dimensões que parecem ser favoráveis a um bom desempenho da actividade, quer os elementos mais negativos, que tendem a

resultantes de lacunas no plano das competências, mas podem estar relacionadas com erros de concepção das situações de trabalho, susceptíveis de impedir, designadamente, modalidades de raciocínio e de tomadas de decisão dos operadores (Teiger, Lacomblez et Montreuil, 1997).

Nestes casos, a sensibilidade da análise ergonómica do trabalho pode permitir identificar indicadores ou determinantes que desempenham um papel relevante neste tipo de problemas, dando-os a perceber melhor aos trabalhadores que, tendo contribuído para os evidenciar, nem sempre conseguem, por si sós, medir toda a sua importância e transmitindo-os aos responsáveis pela formação e aos responsáveis pela gestão da empresa, conforme a perspectiva em que estão inseridos os intervenientes.

Acresce ainda que, nesta modalidade de intervenção, se estabelecem laços privilegiados com outras correntes de pesquisa igualmente atentas ao respeito pela experiência individual na concepção de programas de formação. Neste contexto e, a título de exemplo, realçamos os trabalhos conduzidos no quadro da problemática "idade e trabalho" (Paumès & Marquié, 1995), pelo papel determinante no desenvolvimento das práticas de intervenção que temos vindo a desenvolver, demonstrando o sucesso possível de acções de formação de adultos que corriam o risco de serem afastados de iniciativas de formação por causa da idade.

O mesmo se pode dizer relativamente à Didáctica, na sua vertente mais relacionada com os saberes profissionais - a Didáctica Profissional, dada a coerência dos seus principais axiomas com o quadro de referências que temos vindo a definir. Nomeadamente, a distinção entre saberes externos e saberes apropriados; a valorização de pedagogias que se articulam sobre a especificidade da experiência de cada um e a análise da actividade como uma realidade complexa e não como uma simples aplicação de um quadro teórico.

Como noutra sede salientámos , a origem da Didáctica remonta aos problemas de ensino e de aprendizagem de saberes mais relacionados com disciplinas científicas e técnicas do que com contextos profissionais, situando-se o cerne das questões abordadas ao nível das relações dos alunos com os saberes, no quadro de um ensino obrigatório. O seu objecto é, assim, o estudo das condições nas quais os sujeitos aprendem, dando uma atenção particular aos problemas específicos inerentes ao conteúdo dos saberes e saberes-fazer cuja aquisição é visada (Vergnaud, 1992).

Segundo o mesmo autor, podemos, pois, definir a Didáctica enquanto disciplina que estuda os processos de transmissão e de apropriação de conhecimentos, tendo em vista a

sua melhoria.

A partir do início da última década, assiste-se a um alargamento dos campos de interesse daquela disciplina, tanto no sentido de uma análise do trabalho do formador, enquanto actor essencial do sistema de transmissão de saberes e competências, como no sentido do estudo da transmissão de saberes com um carácter mais profissional.

"Foi esse alargamento que levou a didáctica a interrogar-se sobre os saberes de acção e a sua função e, consequentemente, a interessar-se pela actividade e pela sua análise, uma vez que a análise da tarefa fazia já parte do seu repertório " (Samurçay et Pastré,

1998). É na relevância dos conhecimentos valorizados na acção que se desenvolve a Didáctica Profissional enquanto disciplina científica, potenciada pelas Ciências da Educação, na formação de adultos.

5.7.3. Conclusão

A Directiva-Quadro 89/391/CEE acolhe, como já vimos, os princípios e métodos consubstanciados nas modalidades de intervenção em e pela análise ergonómica do trabalho e a disciplina da Didáctica Profissional, tendo-se desenvolvido apenas a partir do início dos anos 90, prolonga os princípios explícitos naquela Directiva.

O potencial dos estudos e intervenções ergonómicas no desenvolvimento e transmissão de competências em situação real de trabalho, num contexto de aprendizagem e reflexão colectivas apresenta-se, assim, como o instrumento necessário ao virar de página na concepção de práticas formativas em Portugal.

Todavia, quer a formação em análise ergonómica do trabalho quer a formação de tipo profissional em que aquela pode funcionar como instrumento de concepção mais adequado e eficaz, pressupõem que se tenham presentes premissas recordadas por Lacomblez (1996):

=>"Os adultos têm a sua experiência estruturada em parte pela função profissional que desempenham - ora, o ter em conta essa mesma experiência facilitará o processo de aquisição de novos conhecimentos;

=>o adulto integra melhor no seu comportamento o que ele próprio descobre - a formação deverá então permitir a esses actores uma apropriação dos novos conhecimentos a partir da e na situação real de trabalho;

=>os conhecimentos assim valorizados passam então a ser, não os saberes externos, teóricos, livrescos, mas sim conhecimentos articulados sobre as características das situações reais de trabalho, tendo-se em conta a experiência aí adquirida pelos formandos".

Quaisquer contactos com práticas de formação desadaptadas do seu modo de aprendizagem (e, consequentemente, pontenciadoras de insucesso ou de grandes dificuldades de assimilação), levará a um reforço ainda maior da sua ansiedade, da sua descrença, ou, mesmo, da sua relutância em relação à formação.

Ora, isto implica, desde logo, da parte dos formadores ou dos conceptores dos programas de formação, a preocupação de dar aos formandos o tempo necessário para, passo a passo, irem experimentando o que vai sendo adquirido na formação.

Um outro aspecto a ponderar na formação de adultos e por nós já diversas vezes salientado, é o papel da experiência anterior. Paumès et Marquié (1995) referem que um dos meios de optimizar os resultados da formação consiste em recorrer o mais possível à experiência anterior dos formandos, muitas vezes laboriosamente acumulada.

Por outro lado, mais do que os jovens, os adultos sentem necessidade de situar os novos saberes sobre aquilo que aprenderam anteriormente. Essa preocupação está bem patente quando referem que sentem necessidade de compreender para aprender, de confrontar as informações novas com a sua experiência, de não passar à etapa seguinte sem que a precedente esteja bem assimilada (Pacaud, 1975, In Paumès et Marquié, 1995).

Consequentemente, na formação de adultos, deve ser dada grande importância a momentos de discussão em grupo, à simulação de exercícios, a situações de resolução de problemas práticos, enfim, tudo o que faça uso da experiência dos trabalhadores. Só através desta dialéctica teoria/prática, da alternância entre momentos de experimentação e de reflexão colectiva, se pode aspirar a que os formandos se apropriem e atribuam um significado pessoal aquilo que lhes é apresentado (Savoyant, 1996).

Em síntese, o adulto tende a definir-se mais por aquilo que faz, fez e que sabe fazer. Assim, se num contexto formativo a experiência do adulto é desvalorizada ou ignorada, não é só a experiência que está a ser rejeitada - é a pessoa.

A consideração por este aspecto torna-se ainda mais importante quando se trata de adultos com baixos níveis de escolaridade, cuja dignidade social se sustenta, quase exclusivamente, pelo valor da sua experiência extra-escolar (Vasconcelos, Santos e Lacomblez, 1999, p.102).

(BIBLIOTECA

Deste modo e uma vez mais, evidencia-se a pertinência dos contributos da análise ergonómica do trabalho e da didáctica profissional no sentido da identificação e formalização desses saberes profissionais de referência.