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Indícios de uma sociedade de consumo, cujo ímpeto do imediatismo e dos estímulos do cotidiano funcionam como propulsores ao ato de consumir, podem ser observados à medida que a narrativa de Réquiem para um sonho se desenvolve. Tal consumo, como será discutido, não se restringe a produtos, mas também envolve imagens, ideias, substâncias químicas e alimentos.

O prólogo do filme expõe essa ideia por meio de um conflito familiar entre dois personagens, Harry e Sara. As motivações para o desentendimento se estabelecem a partir da vontade que Harry tem de consumir drogas ilícitas, resultando em medo e aflição para Sara, percalços que podem ser percebidos a partir da expressão facial e tom pálido da personagem na imagem 39. A situação ocorre porque seu filho Harry, para comprar as substâncias, quer tomar e vender a televisão que ela possui, o que implica em mais um ponto de conflito, visto que Sara tem uma relação de dependência com o aparelho, como se fosse um ópio para lidar com a monotonia e a solidão cotidianas.

Esse querer que influencia o personagem, segundo Bauman (2001), representa um poderoso e versátil estimulante para a manutenção da sociedade de consumo; ao passo que o medo experienciado por Sara é uma característica do mundo líquido-moderno que, pelas incertezas referentes ao presente e futuro, também induz ao consumo (BAUMAN, 2001, 2008). Amedrontada, a personagem corre para seu quarto (imagem 40), ato que acentua a discussão e a exaltação de Harry.

Na imagem 36, os personagens podem ser vistos em close-ups7 em distintos

cômodos da casa e separados por uma a porta, elemento do cenário que, relacionado à câmera trêmula que os captura, refere distanciamento e perturbação na esfera familiar. Além disso, a iluminação distinta nos ambientes, o posicionamento oposto

7 Distância de câmera em que os atores são exibidos a partir da região dos ombros para cima.

dos atores e a alternância entre os ângulos de câmera8 parecem representar a influência de Harry sobre Sara, bem como o medo e a vulnerabilidade que a relação deles a causa. Tratam-se de elementos do filme que traduzem a fluidez da relação e vida desses personagens, cujas condições parecem influenciar seus vícios.

Ao se tornar viúva e ter uma relação distante com seu filho unigênito, Sara vivencia a melancolia. Assistir à televisão e comer durante este momento se configura em algo que a entorpece e que compreende um ritual solitário para lidar com suas angústias. A imagens 41, 42 e 43, representam esse ritual de condescendência cujo início requer apenas o ato de ligar da TV e de consumir caixa de chocolates. O plano detalhe9 nas mãos da personagem e na caixa (imagem 41) é um enquadramento que

8 Há a leve alternância entre as denominadas câmera alta (plonglée) e baixa (contra-plonglée). Trata-

se de ângulos que capturam a imagem de um ponto abaixo ou acima da ação ou do nível do olhar dos personagens.

9 Distância de câmera em que um elemento ou seu detalhe é exibido com pouquíssima distância

Imagem 43 – Prazer ao comer.

enfatiza a relação que Sara estabelece com a comida: acariciá-la faz parte de uma busca por suprir carências; consumi-la é um modo de obter prazer e reconforto. Aliás, são estas as sensações que seu rosto demonstra (imagem 43); e o modo cuidadoso e firme como ela segura a caixa (imagem 43) pode simbolizar a intensidade da relação Sara/alimento. Esse aspecto também é favorecido pela sua posição centralizada na imagem 43 em que rosto, caixa de chocolates e mãos da personagem são os principais pontos que chamam a atenção do olhar na imagem e reforçam tal conexão.

Em relação a outros elementos da mise-en-scène nessas três imagens, as cores exibidas, com tons verdes dessaturados, indicam a vida melancólica e vazia de Sara. Para além, tem-se uma contraposição entre (a) os objetos do cenário, cuja disposição referem ordem e controle, e a (b) iluminação de três pontos10 que produz sombras que parcialmente cobrem o corpo da personagem e o plano de fundo da cena. Esses aspectos podem sinalizar os reveses que ocorrem nesse ambiente e nos momentos vividos pela personagem. Ao desenrolar da trama, a iluminação criará contrastes mais fortes e tornará os ambientes mais escuros, sombrios, o que refletirá a transição destrutiva pela qual Sara passará.

Na imagem 42, nota-se o olhar atento da personagem antes de levar o chocolate à boca. Sara está assistindo ao programa de TV que parece ser o seu favorito, aquele que ela vê durante toda a narrativa, o Tappy Tibbons Month of Fury. Trata-se de um programa cujo slogan é “anime-se!” e que garante revolucionar a vida de seus espectadores em 30 dias por meio de três regras: “sem carne vermelha”, “sem açúcar” e “sem orgasmos”. No filme, a última regra não é referida pelo apresentador, mas é possível vê-la rapidamente em uma das cenas (imagem 74, página 73).

Na plateia, as pessoas vibram e estão visivelmente felizes, satisfeitas e parecem vivenciar o que querem − como aquelas em propagandas de produtos para emagrecimento muito presentes em diversos programas e intervalos comerciais. Em meio a essa atmosfera, Sara abre a caixa de chocolates e os acaricia. Enquanto isso, o som diagético externo11 ouvido, isto é, a frase “anime-se!”, atribui ao que ela acompanha na TV as motivações para o estado de torpor que marca seu cotidiano.

10 Arranjo em que a iluminação é realizada a partir de três direções.

11 Som proveniente de uma fonte física que se insere na narrativa, como um aparelho de televisão, que

Na próxima cena que exibe a personagem, uma circunstância crucial na trama ocorre: Sara recebe uma ligação que anuncia um convite para participar do Tappy

Tibbons Month of Fury. Inicialmente irritada, visto que segundos antes do telefone

tocar a má recepção do sinal da TV a impedia de assistir com nitidez, ela recebe a notícia com incredulidade. Contudo, em seguida, close-ups (imagem 44 e 45) destacam essa sensação se esvair quando ela finalmente acredita que fará parte de algo extremamente significativo para si: participar do programa.

Enquanto a cena ocorre, o som diagético externo também permite que se ouça aquilo que o apresentador Tappy Tibbons tem a dizer: ele era um homem com sobrepeso que vivia em um apartamento minúsculo, não tinha dinheiro para comprar comida nem vontade de viver e estava no fundo do poço. Foi nesse momento que decidiu “parar” e recomeçar sua vida. Logo, esse discurso caracteriza um padrão de vida que Sara pode relacionar com a sua, bem como a possibilidade de mudança que estimula a personagem. Segundo Lipovetsky:

Os padrões de vida exibidos pela cultura midiática são aqueles mesmos que estão em vigor no cotidiano: conflito do casal, drama familiar, droga, problemas da idade, da segurança, da violência – as figuras do imaginário industrial não propõem mais nada de absolutamente novo (LIPOVETSKY, 2009, n.p.).

Desse modo, não é coincidência que a similaridade dos fatos que o apresentador experienciou e que marcam a vida de Sara funcionem como “meta- códigos” para identificação desses padrões na sociedade de consumo de Réquiem... e na nossa realidade. Gurus ou coaches de emagrecimento e dietas estão por toda parte com suas mensagens motivacionais, seus métodos modernos, únicos e infalíveis em que há a “‘cura’ do desejo de alimentos inaceitáveis” (FOXCROFT, 2013. p. 237).

Após desligar o telefone, Sara se dirige ao seu quarto e contempla uma antiga fotografia em que está na cerimônia de formatura de seu filho Harry, usando um Imagem 44 – Incredulidade. Imagem 45 – Sara passa a acreditar na ligação.

vestido vermelho, visivelmente feliz e acompanhada por seu falecido marido, Seymour (imagem 48) − É possível, Inclusive, estabelecer semelhanças entre a figura de Sara na imagem 46 e àquelas da plateia do Tappy Tibbons Month of Fury. Um movimento vertical da câmera percorre a foto (imagem 48) como se representassem o olhar da personagem ao admirar a versão feliz e realizada de si. A fotografia parece despertar “sentimentos do habitual e do seguro, que se apóiam (sic) na amplitude dos fundamentos da vida” (SIMMEL, 2004, p. 33).

Ainda, o rosto da personagem nas imagens 46 e 47 representa, simultaneamente, campo e contracampo12 da cena. Tal aspecto, além de permitir a comparação do antes e depois da personagem, reforça como o passar dos anos decorreu de modo indesejado e obscuro. A iluminação low-key13 (imagem 47), ao

sombrear metade da face de Sara, acentua esse efeito.

Na imagem 47, enquanto observa sua foto, a personagem parece sentir contentamento e perplexidade. Essas são sensações que despertam nela o desejo de ficar tão deslumbrante quanto na antiga foto e que simboliza o antagonismo entre um passado feliz e um presente e futuro tão incerto quanto aquele que Bauman (2001) refere. Há, ainda, significados na cor vermelha do vestido que: a) apontam para a

12 Alternância entre dois ou mais quadros que estabelece uma relação de continuidade.

13 Iluminação que cria muito contraste entre áreas mais claras e escuras da cena, bem como sombras.

Imagem 46 – Sara na antiga foto. Imagem 47 – Rememorando o passado.

magnitude do desejo que a personagem tem de vivenciar o sucesso pessoal que o programa de Tappy Tibbons promete e b) referem o perigo que está por vir e se inicia quando ela busca mudar seus hábitos alimentares. Na cena subsequente, Sara tira a peça de seu armário (imagem 49) e tenta vesti-la. Para sua surpresa, o significativo vestido não cabe. É esse acontecimento que desperta a busca de Sara pelo emagrecimento.

Nesse contexto, a condição de que a personagem não demonstra problemas de autoimagem ou incômodo com seu peso é relevante, uma vez que esse fato se opõe ao que ocorre nos casos de transtornos alimentares como bulimia e anorexia. Sara não rejeita o que come; ela cria um tipo de relação afetuosa e de dependência com os alimentos que a proporcionam prazer. Desse modo, a decisão que ela toma de interferir na sua alimentação está diretamente relacionada ao quanto ela quer reviver o que passado lhe proporcionava. O desejo de emagrecer e caber no vestido traz consigo o sentido de felicidade e pertencimento. O espectador, ao acompanhar a busca de Sara pelo emagrecimento, pode observar como mudanças alimentares podem causar desconforto, ter consequências e ser resultado de atitudes irrefletidas. A primeira etapa da jornada de abstenções pela qual passará a personagem é representada pela compra de um livro de dietas: Ten Pounds in Ten Days (em tradução literal, Dez libras em dez dias). Portanto, é ao folhear as páginas desse livro que Sara busca orientações para emagrecer. A partir de sua expressão facial nas imagens 52 e 53, pode-se depreender que a personagem antecipa que o processo de mudanças alimentares não será descomplicado. De modo oposto à sua feição na Imagem 50, quando come o que deseja (chocolates), Sara parece insatisfeita ao observar o livro e especular sobre a dieta (imagem 52). Ainda nessa imagem, ela é capturada por uma câmera mais distante, bem como por um ângulo plongée14 mais acentuado. Esses pontos e a redução da iluminação de três pontos em todo o cenário sugerem a transmutação de um momento de prazer (imagem 50) em um de abstinência vindoura, ambos associados à questão alimentar.

Observa-se também que a caixa de chocolates aparece vazia e à parte no criado-mudo ao lado de Sara (Imagem 53), o que pode se sinalizar o distanciamento iminente da personagem quanto à alimentação que prefere ter. O figurino que ela usa representa outra diferença importante (imagem 51, 52 e 53), uma vez que esse dá a

impressão de ganho de peso. Na imagem 51, Sara também ocupa uma posição centralizada em cena, mas dessa vez, os principais pontos que chamam a atenção do nosso olhar envolvem um livro de dietas ao invés de um alimento desejado pela personagem. Agora, as suas mãos não seguram o objeto com o cuidado e atenção demonstrados antes.

Nas imagens abaixo, prazer e desconforto estão lado a lado, conforme as impressões refletidas pelo rosto de Sara nas imagens. Ela estabeleceu uma relação de compensação com a comida. Interferir nisso significa suscitar preocupações e ansiedade, comuns ao fenômeno da gastro-anomia. A dieta restritiva evidenciará e catalisará problemas relacionadas à saúde mental, insatisfação com o peso corporal e solidão durante as refeições. Comer deixará de ser prazeroso e causará medos e insatisfações para a comensal solitária.

A relação estabelecida pode ser interpretada como um primeiro estágio da vida de Sara, o estado de excesso. Nesse estado, Sara conduz sua vida a partir da lógica da superabundância alimentar que permeia a alimentação contemporânea. Consumir o alimento “aqui e agora” é o que opera. As prescrições dietéticas do livro e do programa televisivo chocam com o desejo de consumir e com as necessidades do seu corpo.

Imagem 50 – Sara consume os chocolates enquanto assiste à televisão.

Imagem 51 – Observando o livro de dietas.

Pode-se fazer mais um contraponto a partir das imagens 50 e 51: o paradoxo entre o discurso midiático e a indústria de alimentos. Na narrativa, o programa Tappy

Tibbons Month of Fury e o livro de dietas (imagens 54 e 55) são taxativos, uma vez

que o consumo de açúcar é proibido, devendo ser evitado a qualquer custo. Contudo, ao comensal moderno é imposta a total e exclusiva responsabilidade de se esforçar e lidar com a indústria, que produz em larga escala os produtos condenados pelas imagens midiáticas.

Portanto, uma possível interpretação para o desconforto emocional de Sara quanto às regras alimentares que adentram sua casa está na dificuldade de lidar com esse paradoxo da alimentação contemporânea. Quanto a tal responsabilidade, Bauman afirma que:

Os conceitos de “dieta saudável” mudam em menos tempo do que duram as dietas recomendadas simultânea ou sucessivamente. O alimento que se pensava benéfico para a saúde ou inócuo é denunciado por seus efeitos prejudiciais a longo prazo antes que sua influência benigna tenha sido devidamente saboreada (BAUMAN, 2001, p. 92-93).

Tem-se, por uma perspectiva, uma gama de prescrições alimentares “líquido- modernas” e, por outra, o papel ativo indústria de alimentos no delineamento do consumo alimentar. Em meio a tantas conclusões científicas mutáveis acerca de determinados alimentos, a única constância parece estar nos nutrientes danosos que são inseridos nos alimentos.

Enquanto “os livros de dieta estão por toda parte, escritos com um senso de urgência e imediatismo que imita a antecipação da satisfação”, os alimentos publicitados competem pela atenção dos indivíduos da “sociedade de consumidores”, como denomina Bauman (2001). Assim, na televisão, os discursos que pairam sobre os indivíduos são de ordem contrária e buscam convencer a comprarem alimentos ricos em substâncias danosas à saúde. Lipovetsky (2014, n.p.) refere que:

O que nos orienta depende cada vez menos de saberes tradicionais e cada vez mais de elementos captados aqui e ali na mídia. Como se alimentar, como permanecer jovem, como conservar a saúde, como educar os filhos, o que há para ler? — para todas essas perguntas, são as reportagens e as obras de divulgação que, sem dar uma resposta definitiva, proporcionaram os termos, os dados, as informações do debate. Daí resulta um saber de massa essencialmente frágil, cada vez menos assimilado em profundidade.

O plano detalhe, na imagem 54, ressalta a conexão entre a segunda regra do programa − sem açúcar refinado – e a recomendação da dieta “no sugar” (imagem 55). Ao passo que a imagem do desjejum ideal, composto por um ovo cozido (1 hard

boiled egg), meia toranja (1/2 grapefuit) e uma xícara de café sem açúcar (1 cup of black coffee) (imagem 53), muito se assemelha aquele da “Dieta de Hollywood” que,

com duração de dezoito dias, “equivalia quase a morrer de fome” (FOXCROFT, 2013, p. 179). Por isso, quando Sara inicia a dieta indicada no livro, torna-se visível que a refeição mais se assemelha a um sacrifício, ainda que diferente dos impostos pela dietética medieval/moderna.

Se para Platão a dietética prezava pelo equilíbrio, o que se vê em Réquiem... simboliza o oposto. Sara vive, na verdade, os extremos do que seria seguir tal conduta equilibrada. Quando passa a fazer a dieta, por exemplo, seu sono se torna desregulado por ter muitos delírios com junk foods, já que ela preferiria comer tais “alimentos”, e ela aparenta estar comendo insuficientemente.

Um exemplo da dificuldade que a nova conduta dietética lhe impõe está no posicionamento das mãos da personagem (imagem 57) que, como se estivessem contidas ou amarradas, expressam não querer alcançar a refeição à mesa. Além disso, o plano aberto15 e o contra-plongée16 reforçam o distanciamento e enfraquecimento que estão acontecendo na relação Sara/alimento. Também, vê-se a personagem sozinha à mesa, num momento que poderia ser de comensalidade, aspecto cujo acontecimento é raríssimo na fase atual da sua vida.

15 Plano que captura todo o personagem, ou em que objetos são capturados em uma escala menor. 16 Câmera baixa.

Imagem 54 – Café da manhã prescrito no livro.

Imagem 55 – “Sem açúcar”. Imagem 56 – Café da manhã que Sara passa a tomar.

A cadeira vazia, ao representar o elemento secundário da cena, reforça esse fato. Quanto à iluminação, essa é efetiva ao produzir sombras que sugerem um ambiente de solidão e reclusão.

Diferentemente da posição frontal que a personagem ocupa imagem 50, Sara agora é exibida de perfil, mas ainda é o ponto que mais chama atenção do olhar. A poltrona da sala, posicionada em frente à televisão, aparece no espaço frontal17 do plano possivelmente para sugerir que Sara preferiria comer em frente à TV em vez de sozinha à mesa. Ademais, a imagem 59 revela um gesto que Sara repetirá em muitas cenas: o de levar a mão à boca, poderoso sinal de privação e necessidade. A imagem 60, na página a seguir, expõem esse aspecto.

17 Local mais próximo do plano, com pouca profundidade de campo.

Imagem 58 – Sara não gosta da refeição que vê. Imagem 57 – Comensal solitária.

A dieta não sucede do modo que Sara esperava: ela passa a ter alucinações com os alimentos que prefere, sente fome continuamente, sofre com a sensação de um tempo vagaroso e vivencia mais um medo, o da comida. Esse é simbolizado especialmente pela sua geladeira, um objeto que muito a assusta, que pode conter o que ela tanto precisa, o alimento, e simultaneamente tudo aquilo que ela considera não poder ter. Mais uma vez, o paradoxo indústria/discurso alimentar midiático se mostra presente.

Para Sara, estar em frente à TV sem comer é como encarar uma realidade indesejada e que a apavora, em que ela enxerga as vulnerabilidades que a acompanham. Além disso, é como encarar a assincronia com o ritmo moderno que está ao seu redor. Ou em outras palavras, a impaciência da personagem parece referir que sua dieta não condiz com o ritmo da modernidade alimentar.

Na imagem 64, Sara observa seu relógio e se mostra insatisfeita com o ritmo alimentar que segue: ele parece não estar de acordo com o ritmo dos desejos do seu corpo. Nesse ponto, é oportuno rememorar a rapidez da vida moderna não perpassa apenas o âmbito do trabalho, ela se transpôs a todas as esferas da vida (ORTIZ, 1994).

O insucesso da mudança de hábitos alimentares a conduz a outra decisão: perder peso por meio do uso de pílulas de emagrecimento. Ela vai a um consultório médico (imagem 67) e sai do local com o que pensa ser a solução: vários frascos de comprimidos (imagem 68).

Em seu texto A “McDonaldização” dos costumes, Claude Fischler narra que na década de trinta um autor nova iorquino pressupôs que, no futuro, sua cidade seria superpovoada e que nela as pessoas poderiam lançar mão de pílulas que funcionariam como alimentos. Ele não estava enganado:

Cinqüenta (sic) anos depois, do outro lado do Atlântico, essa perspectiva de uma pílula nutricional substituindo as refeições era percebida como uma eventualidade angustiante. Uma boa parte dos consumidores consideravam que a industrialização e a transformação Imagem 62 – Close-up do rosto de Sara e da geladeira.

Imagem 61 – Ansiedade e geladeira.

Imagem 63 – Mãos na região do estômago. Imagem 64 – A hora parece não passar.

crescente da alimentação o início de um processo que, inelutavelmente, chegaria a esse resultado (FISCHLER, 1998, p. 841). Mais algumas décadas se passaram e, em 2009, a droga orlistat para a obesidade foi aprovada para venda tanto nos EUA quanto na Europa. Uma droga elaborada para “resolver” um problema (a) criado pela indústria alimentar e (b) para que seus os corpos dos consumidores atinjam o padrão idealizado pela mídia. Segundo Louise Foxcroft:

Essa nova sensação entre as pílulas dietéticas, vendida sob a marca

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