• Nenhum resultado encontrado

O caso refere-se a suposta prática de trabalho forçado em uma fazenda do estado do Pará. A Fazenda Brasil Verde está localizada no município de Sapucaia, no sul do estado. A área total da Fazenda é de 8.544 hectares, onde se criam cabeças de gado. O proprietário da Fazenda Brasil Verde no momento dos fatos era João Luis Quagliato Neto. Conforme as alegações, nessa fazenda milhares de trabalhadores eram submetidos ao trabalho escravo, como forme de quitar dívidas. Os trabalhadores que conseguiram fugir na época, diziam ser forçados a trabalhar, não recebendo salário, ou recebendo valores ínfimos, além disso, a alimentação, moradia e condições sanitárias eram completamente indignas e eram ameaçados de morte caso saíssem do local (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 4).

O Estado teve conhecimento do que estava acontecendo no ano de 1989, e acabou por não tomar as medidas cabíveis. Alegou-se também a responsabilidade internacional do Estado, pelo desaparecimento de dois jovens no ano de 1988 na fazenda, o qual foi denunciado no mesmo ano e o Estado também não adotou nenhuma medida efetiva (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 4).

A partir do ano de 1988 foram apresentadas uma série de denúncias perante a Polícia Federal e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), sobre a prática de trabalho escravo e o desaparecimento de dois jovens na Fazenda. Em 1996, o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho (MPT) fiscalizou a Fazenda e determinou a existência de irregularidades como a

falta de registro dos empregados e condições contrárias às disposições trabalhistas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 2).

Em 1997, dois trabalhadores declararam perante a Polícia Federal do Pará terem trabalhado e escapado da Fazenda. Um deles falou que um “gato”, como são chamados os homens do fazendeiro que recrutam os trabalhadores, o contratou e que, ao chegar à Fazenda, já devia dinheiro por hospedagem e utensílios. Os dois declararam que os trabalhadores eram ameaçados de morte em caso de denúncia ou fuga e que eram escondidos durante as fiscalizações. Após os relatos dos dois trabalhadores, o Grupo Móvel realizou uma nova fiscalização e concluiu que: i) os trabalhadores se encontravam alojados em barracões cobertos de plástico e palha nos quais havia uma “total falta de higiene”; ii) vários trabalhadores eram portadores de doenças de pele, não recebiam atenção médica e a água que ingeriam não era apta para o consumo humano; iii) todos os trabalhadores haviam sofrido ameaças, inclusive com armas de fogo, e iv) os trabalhadores declararam não poder sair da Fazenda (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 2).

Além disso, em visita à Fazenda, o MPT comprovou a prática de escondê-los. Nessa oportunidade foram encontradas 81 pessoas. Consequentemente, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma denúncia contra o “gato” e o gerente da Fazenda, pelos delitos de trabalho escravo, atentado contra a liberdade de trabalho e aliciamento de trabalhadores; e contra o proprietário do imóvel rural por frustrar direitos trabalhistas (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 2).

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), juntamente com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) levaram dois anos levantando documentos e procurando os trabalhadores prejudicados. Muitos que sofreram as violações não puderam ser encontrados. O caso foi levado para a Comissão em 1998. O Estado Brasileiro tentou de várias formas fazer com que o caso não fosse à Comissão, mas não teve êxito, após tantos anos de irregularidades e com a possibilidade de fazer com que casos como esse não se repitam e que sejam julgados, enfim chegou ao âmbito internacional (OLIVEIRA, 2017).

No ano de 2000, após a fuga e denúncia de dois dos trabalhadores escravizados, um representante do Ministério do Trabalho juntamente com a Polícia Federal voltou à fazenda e foram encontradas cerca de 82 pessoas em situação de escravidão.

A Corte constatou que no período entre a denúncia e a fiscalização, em março de 2000, o Estado não conseguiu coordenar a participação da Polícia Federal ativamente na fiscalização, além da função de proteção da equipe do Ministério do Trabalho. Além disso, o Estado não atuou de forma devida para prevenir adequadamente a forma contemporânea de escravidão constatada no caso e não buscou, de acordo com as circunstâncias do caso, por fim a esse tipo de violação. A Corte considerou que esse descumprimento do dever de garantia é particularmente sério devido ao contexto conhecido pelo Estado e às obrigações impostas em virtude do artigo 6.1 da Convenção Americana (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – SENTENÇA, 2016).

No decorrer das descrições que constam na sentença, fica claro o descaso do Estado quanto as pessoas escravizadas na Fazenda Brasil Verde, inúmeras foram as chances em que poderiam ter sido tomadas medidas que realmente fossem efetivas para que dessem fim ao caso, mas precisou-se passar mais de uma década até que fossem libertados em 2000.

Em 20 de outubro de 2016 a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu Sentença no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil, por meio da qual declarou o Estado brasileiro internacionalmente responsável pela violação de: i) o direito a não ser submetido a escravidão e tráfico de pessoas, estabelecido no artigo 6.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1, 3, 5, 7, 11, 22 e 19 do mesmo instrumento; ii) o artigo 6.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, ocorrida no marco de uma situação de discriminação estrutural histórica em razão da posição econômica; iii) as garantias judiciais de devida diligência e de prazo razoável, previstas no artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento e, iv) o direito à proteção judicial, previsto no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. Por último, a Corte ordenou ao Estado a adoção de diversas medidas de reparação. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2016, p. 1).

A decisão da Corte foi unânime em declarar o Estado brasileiro culpado, não poupando argumentos em cada detalhe descrito na sentença, assinada em 20 de

outubro de 2016, com suas 125 páginas as quais tornam-se quase que inacreditáveis após serem analisadas uma a uma, onde um caso de escravidão ainda se encontra em nosso meio.

E apesar de a dignidade humana não ter preço, o Estado terá que pagar indenizações aos trabalhadores. A CIDH calculou um valor de reparação inédito. Cada um dos 85 trabalhadores submetidos ao trabalho escravo, que foram resgatados durante a fiscalização na fazenda em 15 de março de 2000, vão receber como reparação 40.000 dólares (cerca de 120.000 reais). Outros 43 trabalhadores resgatados durante uma fiscalização em 23 de abril de 1997 receberão 30.000 dólares (cerca de 90.000 reais). Considerando todo o sofrimento que os trabalhadores passaram, todas as submissões, é um valor ínfimo (OLIVEIRA, 2017).

Sendo assim, após toda a análise feita acerca do caso, é possível visualizar de uma forma clara e ampla a eficiência do Sistema Interamericano de Diretos Humanos, uma vez que o Estado deixou a desejar quanto a proteção de seus cidadãos, internacionalmente é possível que consigam ser protegidos e que tenham sua dignidade assegurada. Basta esperar que o Brasil cumpra com o que lhe foi sentenciado e que os trabalhadores tenham, apesar de todo o sofrimento que passaram, sua dignidade recompensada e sigam suas vidas em paz.

CONCLUSÃO

Após feita a presente pesquisa, pode-se concluir que os sistemas de proteção aos direitos humanos são muito importantes para todos os indivíduos, independente de classe, país, religião, cor, etnia, os sistemas existem com o único propósito de amparar e garantir a dignidade da pessoa humana, sem distinções.

Como visto, além do sistema global de proteção, temos os sistemas regionais, compostos pelo sistema Europeu, Interamericano, Africano e Árabe, cada um com suas particularidades, alguns mais desenvolvidos que outros, mas todos visam o bem e a proteção de todos. É visto que sempre serão necessários aprimoramentos, pois o mundo não é o mesmo de quando houve a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, mas mais importante ainda é que esses sistemas se mantenham firmes e eficazes, uma vez que nem sempre é possível encontrar esse amparo no próprio país.

Com relação ao Sistema Interamericano, é mister dizer que, através de todo seu contexto histórico, é um exemplo a ser seguido pelos outros sistemas. Sua divisão em comissões e corte, faz com que ele se torne acessível e eficaz. E isso fica claro ao aplicarmos na prática, como no caso que foi analisado acima.

A história brasileira é praticamente toda relacionada a escravidão, como estudado anteriormente, desde o descobrimento do Brasil a economia baseou-se na escravidão. Tratando índios e negros como animais, não considerando que eram pessoas como qualquer outra. Muitos foram os anos de sofrimento e submissão, até que em 1888 a escravidão foi abolida. Porém, não bastou para que ela realmente

acabasse, a pobreza, a desigualdade social e o preconceito que sempre existiu no país, contribuiu para que ela ultrapassasse os séculos, e lamentavelmente tenha chegado em pleno século XXI.

O caso da Fazenda Brasil Verde é um triste exemplo da escravidão contemporânea no Estado. Lugar onde milhares de homens e mulheres foram submetidos a situações humilhantes, sem ter comida decente, sem o mínimo de condições para sobreviver, sem ter onde repousar, sem repouso.

O Estado foi julgado e condenado perante a Corte, que foi minuciosa ao detalhar cada falha cometida. Os trabalhadores serão indenizados e o Estado deverá cumprir com medidas estabelecidas pela Corte, como melhorar o sistema de fiscalização, por exemplo.

A importância do sistema de proteção interamericano se dá exatamente nesses casos, onde o Estado falha com seus cidadãos, que apesar de haver denúncias, vítimas e evidências, não dá a devida atenção para uma situação que demorou cerca de uma década para vir à tona e precisou-se da Comissão e Corte Interamericanas para que tomasse providências.

Sendo assim, após todo esse estudo, é válido repetir que todo o sofrimento, todas as lutas pelo reconhecimento dos direitos humanos valeram a pena. E seguimos na esperança de que o Estado brasileiro não feche seus olhos frente a proteção de seus indivíduos, e que cumpra a decisão da Corte.

REFERÊNCIAS

BICUDO, Hélio. Defesa dos direitos humanos: sistemas regionais. 2013. (artigo) BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848compilado.html>. Acesso em 06 de maio de 2017.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.html>. Acesso em 29 de abril de 2017.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença de 20 de

outubro de 2016. Caso 12.066: Trabalhadores da fazenda Brasil Verde versus

Brasil. Costa Rica, 2016.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 8ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Educação, 2000.

GASPAROTO, Ana Lúcia; GASPAROTO, Jayme Vanderley; Vieira, Oscar Vilhena. O

Brasil e o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.

Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 7, 2010. Disponível em: <https://www.passeidireto.com/arquivo/25964438/gasparoto-gasparoto-vieira--- o-brasil-e-o-sistema-interamericano-de-protecao-dos>. Acesso em: 06 de maio de 2016.

GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Brasil e o Sistema

Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. São Paulo. Disponível em: <

http://aidpbrasil.org.br/arquivos/anexos/o_brasil_e_o_sistema_interamericano_de_dir eitos_humanos.pdf>. Acesso em: set. de 2016.

JESUS, Jaques Gomes de. Trabalho escravo no Brasil contemporâneo: representações sociais dos libertadores. Brasília: UnB, 2015. Disponível em: > http://www.dhnet.org.br/dados/dissertacoes/a_pdf/disserta_jesus_trab_escravo_brasi l.pdf>. Acesso em 14 de maio de 2017.

OLIVEIRA, Erival da Silva. Direito constitucional: direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2012.

OLIVEIRA, Regiane. Eram escravos no Brasil e não sabiam. Agora o mundo todo ficou sabendo. El País, São Paulo, 6 de jan. de 2017. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/17/economia/1481988865_894992.html>. Acesso em: 14 de maio de 2017.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

PIOVESAN, Flávia. Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos. 2001. (artigo)

PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. PIRES, Maria José Morais. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. 1999. (artigo)

RIBEIRO, Vanise Maria; ANASTASIA, Carla Maria Junho. Piatã: história: 7º ano. Curitiba: Positivo, 2015.

VENTURA, Deisy; CETRA, Raíssa Ortiz. O Brasil e o Sistema Interamericano de

Direitos Humanos: de Maria da Penha à elo Monte. Porto Alegre, 2012. (artigo)

WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi (Org). Sistemas regionais de direitos

ANEXO A - CASO TRABALHADORES DA FAZENDA BRASIL VERDE VS. BRASIL - SENTENÇA DE 20 DE OUTUBRO DE 2016 - RESUMO OFICIAL EMITIDO PELA CORTE INTERAMERICANA

CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS COUR

INTERAMERICAINE DES DROITS DE L'HOMME CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS

___________________________________________

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

CASO TRABALHADORES DA FAZENDA BRASIL VERDE VS. BRASIL

SENTENÇA DE 20 DE OUTUBRO DE 2016 (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas)

RESUMO OFICIAL EMITIDO PELA CORTE INTERAMERICANA

Em 20 de outubro de 2016 a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu Sentença no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil, por meio da qual declarou o Estado brasileiro internacionalmente responsável pela violação de: i) o direito a não ser submetido a escravidão e tráfico de pessoas, estabelecido no artigo 6.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1, 3, 5, 7, 11, 22 e 19 do mesmo instrumento; ii) o artigo 6.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, ocorrida no marco de uma situação de discriminação estrutural histórica em razão da posição econômica; iii) as garantias judiciais de devida diligência e de prazo razoável, previstas no artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento e, iv) o direito à proteção judicial, previsto no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação

aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. Por último, a Corte ordenou ao Estado a adoção de diversas medidas de reparação.

I. Exceções Preliminares

Nesse caso o Estado apresentou 10 exceções preliminares sobre: i) a inadmissibilidade da submissão do caso à Corte em virtude da publicação do Relatório de Mérito por parte da Comissão; ii) a incompetência ratione personae a respeito de supostas vítimas não identificadas, aquelas identificadas mas que não outorgaram procuração, que não apareciam no Relatório de Mérito da Comissão ou que não estavam relacionadas com os fatos do caso; iii) a incompetência ratione personae de violações em abstrato; iv) dois pedidos de incompetência ratione temporis sobre fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Estado; v) a incompetência ratione materiae por violação ao princípio de subsidiariedade do Sistema Interamericano; vi) a incompetência ratione materiae relativa a supostas violações à proibição de tráfico de pessoas; vii) a incompetência ratione materiae sobre supostas violações de direitos trabalhistas; viii) a falta de esgotamento prévio dos recursos internos, e ix) a prescrição da petição perante a Comissão em relação às pretensões de reparação de dano moral e material.

A Corte declarou parcialmente procedente a exceção preliminar interposta pelo Estado relativa à incompetência ratione temporis sobre fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Estado e a incompetência ratione temporis em relação a fatos anteriores à adesão do Estado à Convenção Americana. Em contrapartida, desconsiderou as demais exceções preliminares interpostas pelo Brasil. Em virtude do anterior, a Corte realizou uma análise sobre dois grupos de fatos: as ações e omissões a partir de 10 de dezembro de 1998 na investigação e nos processos relacionados à inspeção realizada na Fazenda Brasil Verde no ano de 1997; e os fatos violatórios e a respectiva investigação e processos decorrentes da inspeção realizada em 15 de março de 2000 à referida Fazenda.

II. Fatos

O Brasil aboliu legalmente a escravidão em 1888. Apesar disso, a pobreza e a concentração da propriedade das terras foram causas estruturais que provocaram sua continuação. Durante as décadas de 1960 e 1970, o trabalho escravo aumentou devido a técnicas mais modernas de trabalho rural, que requeriam um maior número de trabalhadores. Em 1995, o Estado reconheceu a existência de escravidão.

Antecedentes

Os fatos do caso se relacionam com a Fazenda Brasil Verde, localizada no estado do Pará. Em particular, a partir de 1988 foram apresentadas uma série de denúncias perante a Polícia Federal e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), sobre a prática de trabalho escravo e o desaparecimento de dois jovens nessa Fazenda.

Em 1996, o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho (MPT) fiscalizou a Fazenda e determinou a existência de irregularidades como a falta de registro dos empregados e condições contrárias às disposições trabalhistas. Em 1997, dois trabalhadores declararam perante a Polícia Federal do Pará terem trabalhado e escapado da Fazenda. O primeiro manifestou que um “gato” o havia contratado e que, ao chegar à Fazenda, já devia dinheiro por hospedagem e utensílios. Ambos declararam que os trabalhadores eram ameaçados de morte em caso de denúncia ou fuga e que eram escondidos durante as fiscalizações. Com base no anterior, o Grupo Móvel realizou uma nova fiscalização e concluiu que: i) os trabalhadores se encontravam alojados em barracões cobertos de plástico e palha nos quais havia uma “total falta de higiene”; ii) vários trabalhadores eram portadores de doenças de pele, não recebiam atenção médica e a água que ingeriam não era apta para o consumo humano; iii) todos os trabalhadores haviam sofrido ameaças, inclusive com armas de fogo, e iv) os trabalhadores declararam não poder sair da Fazenda. Além disso, em visita à Fazenda, o MPT comprovou a prática de escondê- los. Nessa oportunidade foram encontradas 81 pessoas.

Consequentemente, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma denúncia contra o “gato” e o gerente da Fazenda, pelos delitos de trabalho escravo,

atentado contra a liberdade de trabalho e aliciamento de trabalhadores; e contra o proprietário do imóvel rural por frustrar direitos trabalhistas.

Fatos dentro da competência temporal da Corte (a partir de 10 de dezembro de 1998).

Em 1999, a justiça federal autorizou a suspensão condicional do processo contra o proprietário da Fazenda por dois anos, em troca da entrega de seis cestas básicas a uma entidade beneficente. Em 2001, o juiz federal vinculado à causa declarou-se incompetente para julgar o processo em relação aos outros dois denunciados, de maneira que os autos foram enviados à justiça estadual, a qual, em 2004, também se declarou incompetente. Em 2007, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a justiça federal era competente para o delito de trabalho escravo. Em 2008, a ação penal foi declarada extinta.

A visita à Fazenda Brasil Verde em 2000

Em 2000, o “gato” conhecido como “Meladinho” recrutou trabalhadores no Município de Barras, Piauí, para trabalhar na Fazenda Brasil Verde, oferecendo-lhes um bom salário e inclusive um adiantamento. Além disso, ofereceu transporte, alimentação e alojamento durante sua estadia na fazenda. Para chegar à Fazenda, os trabalhadores tiveram de viajar durante vários dias em ônibus, trem e caminhão. Em relação ao trem, descreveram que compartilharam o espaço com animais. Ademais, tiveram que permanecer uma noite em um hotel, ficando, desde logo, endividados. Quando chegaram à Fazenda, os trabalhadores perceberam que nada do que lhes havia sido oferecido era verídico. Foram obrigados a entregar suas carteiras de trabalho (CTPS) e assinar documentos em branco, prática comum e já conhecida em virtude de fiscalizações anteriores.

Na Fazenda os trabalhadores dormiam em galpões de madeira sem energia elétrica, sem camas, nem armários. O teto era de lona, o que fazia com que eles se molhassem em caso de chuva. Nos galpões dormiam dezenas de trabalhadores em redes. O banheiro e a ducha se encontravam em muito mau estado, fora do galpão, no meio da vegetação, e não contavam com paredes nem teto. Além disso, como

resultado da sujeira dos banheiros, alguns trabalhadores preferiam fazer suas necessidades pessoais na vegetação e tomar banho numa represa, ou não tomar banho. A alimentação era insuficiente, repetitiva, de má qualidade e descontada de seus salários. A rotina diária de trabalho era de 12 horas ou mais, com um descanso de meia hora para almoçar e apenas um dia livre por semana. Em virtude dessas condições, alguns trabalhadores adoeciam com regularidade, entretanto não recebiam atenção médica. Ademais, para receber o salário, deveriam cumprir uma

Documentos relacionados